Para Waleska Antunes, “Terra Incógnita” não é um “filme ao pé da letra”

O curta-metragem que estreia no Olhar de cinema nasce de explosões solares e de um livro escrito por David Berman

“Terra Incógnita” é o primeiro curta-metragem de Waleska Antunes, uma diretora fascinada por imagens ‘não humanas’ e que só entrou em uma sala de cinema quando veio para uma cidade grande. O que se vê na tela não é um “filme ao pé da letra”, explica ela, que também é curadora do Festival Ecrã de Cinema Experimental, no Rio de Janeiro-RJ. Todavia, foram seus interesses que acabaram por moldar a ideia, ou as ideias, para a obra e finalmente fizeram dela uma cineasta.

O curta-metragem estreia nesta 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, na Mostra Mirada Paranaense, a primeira exibição aconteceu dia 15 de junho, sábado, às 14h, no Cinemark Mueller; a próxima sessão será no dia 18 de junho, terça-feira, às 18h30, no Cine Passeio Luz.

“Terra Incógnita” (Dir. Waleska Antunes | Brasil | 2023 | 9′)

A sinopse do filme é a seguinte: Orangotangos soprando sangue pelos ares, e ninfas robôs mergulhando suas pernas de metal esguias em um logo amonioso, são algumas imagens criadas, mesmo que apenas na imaginação da diretora. A atmosfera do espaço sideral orienta a procura de um lugar onde seja possível ser familiarizado.

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Waleska Antunes

Natural de Videira-SC, Waleska Antunes se mudou para Curitiba há 11 anos. É formada em Cinema e Audiovisual pela Faculdade de Artes do Paraná (Unespar), mestre em Linguagem e Tecnologia pela UTFPR, e hoje estuda Preservação e Restauro Audiovisual pela Sociedad por El Património Audiovisual da Argentina. Entre outras coisas é curadora do Festival Ecrã de Cinema Experimental e trabalha com legendagem. Na entrevista a seguir, ela conta quando entrou pela primeira vez em uma sala de exibição e que não acreditava se tornar cineasta, além de listar referências e falar sobre seu filme. Confira.

Qual a lembrança mais afetiva do cinema em sua vida?

Eu comecei a ir ao cinema relativamente tarde, venho de uma cidade com 45 mil habitantes que teve um cinema somente nos anos 80 e a sala mais próxima ficava há mais de 200km de mim. Só fui ver filmes em tela grande aos 13 anos de idade. Foi quando me mudei para Curitiba, para estudar, que eu entrei em uma sala de cinema grande de verdade, me lembro com muito carinho do primeiro filme que vi lá: “Asas do Desejo” (1987), de Wim Wenders.

Quando e por que você decidiu ser cineasta?

Quando estava na universidade, eu desejava ir para áreas mais teóricas do cinema, como a docência. Eu achava que o fazer fílmico era um processo muito grande e com grandes equipes e grandes orçamentos, o que talvez fosse uma limitação. No entanto, quando comecei a trabalhar com edição e legendagem, percebi que ambos os processos requerem muita atenção e um refinamento, tanto de olhar quanto de percepção. E sempre me interessei muito por registros documentais e imagens de arquivo. Uni todos esses interesses e calhou deles terem me feito, de certa forma, uma cineasta.

Como nasceu a ideia para o seu curta-metragem selecionado para a Mostra Mirada Paranaense? Em seu filme, o que deve ter chamado a atenção da curadoria do Olhar de Cinema?

O “Terra Incógnita” foi um filme solitário, fiz sozinha e em poucos dias. Ele é composto de duas imagens de arquivo que encontrei acidentalmente na internet, são imagens da sonda espacial Parker Solar Probe, da NASA, que foi pega por uma erupção na superfície do Sol durante uma tentativa de contato com o Sol.

Um dos meus maiores interesses é o espaço e essas imagens ‘não humanas’, onde não há de fato uma interferência direta do homem para que elas surjam. Fiquei curiosa e acabei editando as imagens em uma ordem, para tentar entender o que elas significavam.

Nesse meio tempo, eu estava lendo trechos de um livro chamado “Actual Air” (1999), do escritor e vocalista da banda Silver Jews (1967-2019), David Berman. Num dos contos, ele escreve uma espécie de carta de despedida de Isaac Asimov (1920-1992) para sua esposa Jane. É uma carta de alguém que já está distante da Terra mentalmente e em breve estará fisicamente. E tentei unir a carta às imagens da explosão solar, daí nasceu o filme.

O que desperta o interesse das pessoas pelo “Terra Incógnita” é o fato de não ser um filme ao pé da letra, narrativo e falado; são somente imagens, textos e som. Ele vai na contramão de obras realista. Quando fui chamada para a Mirada Paranaense, tomei um susto! Eu não estava esperando que isso acontecesse de fato e, como eu disse, a princípio minha aspiração nunca foi fazer filmes. O “Terra Incógnita” é um mistério e um acontecimento, e nesse mistério talvez resida algo interessante.

Confesso que estou um pouco apreensiva em ver meu filme em uma tela grande e curiosa pela reação do público.

“Terra Incógnita” é o seu primeiro trabalho no cinema?

Fazendo filmes, sim. Esse é o meu primeiro curta-metragem, no entanto, trabalho com curadoria voltada ao cinema experimental.

Quais são suas principais referências no cinema? Essas influências podem ser reconhecidas no curta-metragem em exibição no festival?

Na realidade, minhas principais influências são mistas, não somente do cinema, algumas são da música, como as composições de Bradford Cox, e da literatura. Me interessam muito os cineastas que usam a palavra (a representação pictórica mesmo) dentro dos filmes, como a Su Friedrich (em “Sink or Swim”), a Yvonne Rainer (em “Lives of Performers”), David Gatten (com “The Extravagant Shadows”) e Michael Snow (com “So Is This” e “Rameau’s Nephew”), todos dedicados ao cinema experimental. Porém, também, gosto muito de cineastas que usam a palavra como parte do seu fazer fílmico, principalmente pela via da adaptação literária como o Rainer Werner Fassbinder, com “Berlin Alexanderplatz” e Stanley Kubrick com “Barry Lyndon” e “Eyes Wide Shut”.

Além de “Terra Incógnita”, o que você indica para o público assistir no Olhar de Cinema?

Indico muito os programas da Mirada Paranaense, para se ter um panorama interessante do que vem sendo feito no estado nos últimos tempos mas além disso, indico os filmes de Hou Hsiao Hsien no Olhar Retrospectivo por serem filmes bastante diferentes do que estamos acostumados a ver, o curta Contrações de Lynne Sachs, um filme sobre a perda de autonomia dos corpos nos Estados Unidos e o média Uma Pedra Atirada de Razan AlSalah, um retrato interessante sobre o que se considera mapa, território e memória em meio a um conflito.

Informações sobre os filmes do cineasta Hou Hsiao-Hsien em cartaz no Olhar de Cinema podem ser lidas aqui.

13º Olhar de Cinema – De 12 a 20 de junho

A 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba exibe produções para as crianças, estreias nacionais e internacionais, obras de cineastas paranaenses e filmes clássicos, no Cine Passeio (R. Riachuelo, 410 – Centro); Cinemark Mueller (Av. Cândido de Abreu, 127, Centro) e no Teatro da Vila (R. Davi Xavier da Silva, 451, Cidade Industrial de Curitiba). A exibição especial de abertura é dia 12 de junho, na Ópera de Arame (R. João Gava, 920, bairro Abranches).

Os ingressos estão à venda no site oficial do evento com valores a partir de R$8 (meia-entrada). Todas as sessões no Teatro da Vila são gratuitas.

Os curtas-metragens brasileiros em exibição no festival também poderão ser assistidos gratuitamente, de 18 de junho a 7 de julho, na plataforma de streaming Itaú Cultural Play.

Programação completa e outras informações aqui, e também nas redes sociais oficiais do evento: Instagram @olhardecinema e Facebook.com.br/Olhardecinema. Verifique a classificação indicativa de cada filme e sessões com acessibilidade de audiodescrição.

A 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba é realizada por meio do programa de apoio e incentivo à cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba, sendo também o projeto aprovado pela Secretaria de Estado da Cultura – Governo do Paraná, com recursos da Lei Paulo Gustavo, e pelo Ministério da Cultura – Governo Federal, com patrocínio do Itaú e Peróxidos do Brasil, apoio do Instituto de Oncologia do Paraná, Sanepar, Cimento Itambé, Favretto Mídia Exterior, e apoio cultural de Projeto Paradiso, Cine Passeio, Instituto Curitiba de Arte e Cultura. Verifique a classificação indicativa de cada filme e sessões com acessibilidade de audiodescrição. A produção é da Grafo Audiovisual.

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