Prefeitura compartilhou dados de crianças com plataforma sem consentimento

Prefeitura fez professores cadastrarem dados de estudantes com plataforma privada sem expresso consentimento dos pais

A Prefeitura de Curitiba compartilhou os dados de cerca de 88 mil estudantes do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino com a plataforma Elefante Letrado sem a expressa autorização dos pais ou responsáveis, conforme previsto na Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD). O compartilhamento, feito pelas próprias escolas, inclui o nome completo, nome da escola, turma e professores responsáveis e foi parte do processo de implantação do uso da plataforma em sala de aula. O contrato da prefeitura com a empresa irá custar R$ 4,5 milhões aos cofres públicos.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) determina que o “tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal” (Artigo 14, Parágrafo 1). São dados pessoais a “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”.

Curitiba gasta R$ 4,5 mi em plataforma de leitura

Para criar o acesso das crianças à plataforma, as escolas tiveram que cadastrar as turmas e alunos no site, que é propriedade da Elefante Letrado, o que constitui compartilhamento de dado pessoal com terceiro. Ao acessar a plataforma, os pais e responsáveis são questionados se aceitam a Política de Proteção de Dados da empresa, mas mesmo se a rejeitassem os dados da criança já estavam com a empresa e permaneceriam assim.

Além disso, durante o uso da plataforma, a Elefante Letrado coleta áudio das crianças lendo, além de informações de uso e desempenho dos estudantes, mas não fornece na plataforma nenhum formulário para solicitação da exclusão desses dados. A única previsão relativa a isso está no contrato da Prefeitura com a empresa, que determina que só ao final do contrato todos os dados coletados deverão ser transferidos para o município.

Além de determinar o consentimento explícito no compartilhamento de dados, a LGPD também determina que a plataforma deve ser transparente a respeito dos dados coletados e sua finalidade.

Secretaria dá mau exemplo

O compartilhamento de dados de crianças sem o devido respeito à determinações legais não é só uma questão legal. Parte do currículo escolar atual compreende o uso responsável de plataformas digitais – uma habilidade essencial num mundo digital. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estipula “o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas ao uso crítico e responsável das tecnologias digitais tanto de forma transversal – presentes em todas as áreas do conhecimento e destacadas em diversas competências e habilidades com objetos de aprendizagem variados – quanto de forma direcionada” (Ministério da Educação).

Ou seja, o uso de plataformas em sala não deveria ser só suporte para atividades, mas parte de um processo para a criança desenvolver reflexões e habilidades no uso responsável e consciente dessas ferramentas. “Cabe aos professores trabalharem também conceitos relacionados a segurança na rede, cyberbullying, checagem de fatos (com ênfase nas famosas fake news) e informações e o uso da tecnologia como ferramenta de construção e compartilhamento de conhecimentos”, explica o documento do Ministério da Educação sobre o assunto.

Na prática, os estudantes deveriam ser estimulados a serem críticos antes de compartilhar informações pessoais online e conscientes dos riscos que isso representa. Segundo a Safernet – instituição não governamental de segurança online, o uso da inteligência artificial está impulsionando a criação e compartilhamento de imagens e vídeos de abusos sexuais na internet. “A proliferação de aplicativos de IA generativa permite que se pegue a foto de uma pessoa vestida e se tire a roupa daquela pessoa”, explicou Thiago Tavares, fundador e diretor-presidente da SaferNet Brasil. à Agência Brasil “Isso pode ser manipulado, gerar uma mídia sintética e representar aquela pessoa em uma imagem ultrarrealista de nudez”.

Apesar disso, a Secretaria Municipal tem falhado frequentemente nesse aspecto, a começar pela autorização genérica imposta aos pais que permite o uso, pela prefeitura, de imagens e vídeos das crianças nas escolas na comunicação do prefeito, Rafael Greca (PSD). Reportagem do Plural de 2022 já mostrava que a própria secretária da Educação, Maria Bacila, usa fotos de crianças da rede municipal de ensino, em seu perfil nas redes sociais.

O mau exemplo que a secretária de Educação dá nas redes sociais

Enquanto ignora o direito das crianças à privacidade e à imagem, a Prefeitura, porém, usa a LGPD para rejeitar pedidos de acesso à informação como o acesso à lista de espera por vagas em centros de educação infantil. Atualmente a cidade tem mais de 10 mil crianças de 0 a 6 anos sem escola.

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