O risível

O risível cria como tema de campanha o slogan “Ninguém segura esse novo Brasil”, criando despretensiosa associação com rojões, queda livre e carros desgovernados.

O risível se torna tema de paródia de uma música do Tiririca, que por sua vez já era uma paródia: “Cloroquina, cloroquina, cloroquina tem no SUS, não sei se funciona, mas a gente deduz.”

O risível, em talk show americano, é chamado de Chiqueirinho, personagem da Turma do Snoopy que não gosta de tomar banho e vive com uma nuvem de poeira ao seu redor. Mal sabe o apresentador que Horrisível também adora fazer seus truques dentro de um cercadinho.

O risível, em discurso, chama novaiorquinos de novaiorquines. ¿Novaiorquem?

O risível, para reunir, organizar e conduzir seu gado, adora afirmar que o Brasil é ameaçado pelo comuúúúúúnismo.

O risível, na Itália, chama a Torre de Pisa de Torre de Pizza. (¿Na França teríamos a Torre Wafer?)

O risível, após se encontrar com John Kerry, confunde Tico e Teco e afirma ter conversado com Jim Carrey. Apresentador de TV americano diz que é preciso ser Debi & Loide para acreditar em chefes de Estado. Eu completaria lembrando que pelo menos o ator de O Mentiroso usava Máscara. O mesmo apresentador trata Horrisível em tom de chacota quando este discursa na ONU: “O primeiro líder a falar e tratar da pandemia foi ninguém menos que o presidente não vacinado do Brasil…”

O risível, apesar de por mais de uma vez ter afirmado praticar a lei do desapego e não se importar em perder o cargo, em tom de anticampanha apela à piedade dos eleitores dizendo que pode ser preso caso não seja reeleito.

O risível, apesar de por mais de uma vez ter se posicionado contra o foro privilegiado, tenta, por meio de aliados do Centrão (voltaremos a essa palavra), emenda constitucional que lhe garantiria o cargo vitalício de forense privilegiado.

O risível, em tentativa de demonstração de força, bota para desfilar na avenida os fumígenos tanques de guerra que garantiriam a segurança do país caso fôssemos invadidos pela Jamaica. Fumaça se combate com fumaça.

O risível é imitado, em tom de bufonaria, num jantar de ricos empresários. Um dos convivas, Michel Temer, autor de Anônima Intimidade, obra na qual se leem os versos “Por que não paro? / Por que prossigo?”, ri a bandeiras despregadas.

O risível, ao tirar foto ao lado de um japonês, pergunta, interessado, a primeira coisa que lhe passa na cabeça: “¿Tudo pequenininho aí?”

O risível ganha um quadro de um apoiador, que pede em troca apenas um abraço, um abraço desadjetivado, um abraço ele mesmo, mas ouve do ídolo: “Abraço hétero, hein.”

O risível, ao se referir ao PodPah, diz que nunca pediu para ir em PodPau.

O risível, autoproclamado imbroxável, é ironizado pelo jornal The Guardian, que se refere ao episódio de gastança pública pelas Forças Armadas como “farra da virilidade”.

O risível pergunta no Twitter oficial da presidência da República o que é golden shower. Ora, ora, Mijair…

O risível, ferrenho defensor do porte de armas (e das armas de porte…), não consegue destravar pistola em estande de tiro, demonstrando que seu desejo de manusear símbolos de ejaculatória masculinidade é travado por sua incapacidade de lidar com o falo, digo, fato. Seu filho Zero Dois atirou muito bem.

O risível, em reunião ministerial, diz aos gritos “O que eles querem é a nossa hemorroida, a nossa liberdade, essa é a verdade”, e até agora os exegetas não conseguiram estabelecer a relação entre verdade, liberdade e inflamação no ânus.

O risível, em 2019, referindo-se a dados do Ministério da Defesa relativos ao número de alistamentos, afirma que o Brasil ganha 2 milhões de pessoas por ano. Esqueçamos o fato de os meninos alistados terem nascido em 2001 e concentremo-nos na piscadela marota que de ladinho Horrisível nos lança: para ele, só meninos contam.

O risível amanhece com a boca cheia de formigas. “¿Morreu a desgraça?”, pergunta o leitor, afoito. Não. Apenas efeito da compra de dois milhões de latas de leite condensado superfaturadas destinadas ao programa “Leitinho para os militares”.

O risível, não-respondendo a uma pergunta sobre a relação entre agropecuária, poluição e efeito estufa, afirma que as pessoas devem comer menos para assim fazer cocô dia sim, dia não. “É só você deixar de comer menos um pouquinho”, disserta. Eu acho uma puta falta de sacanagem. Mais do que isso, tenho medo, enquanto professor, de deixar um aluno ir ao banheiro dois dias seguidos e assim ser denunciado por doutrinação.

O risível tenta fazer flexões de braço junto a jovens policiais, mas acaba, em consonância com seu histórico de atleta, inventando a modalidade flexão de pombo.

O risível envia áudio a caminhoneiros, que, descrentes (é cilada, Bino), pensam que a fala é uma imitação do Marcelo Adnet.

O risível afirma ter decreto de vinte páginas que ele assina sem ler porque não é só ler, tem que interpretar também. “Eu não tenho como interpretar”, confirma.

O risível afirma que hoje em dia os livros didáticos são “um montão de amontoado de muita coisa escrita” e que é preciso dar uma suavizada naquilo, justificando plenamente o parágrafo anterior, que ele não leu.

O risível, em viagem a Nova York, é obrigado a comer pizza na calçada por não conseguir apresentar no restaurante o comprovante de que é uma pessoa. Vacinada.

O risível discursa na Cúpula do Clima, mas Joe Biden vai embora antes. Suspeita-se de que no recinto não havia intérpretes de relinchês.

O risível discursa na Cúpula do Clima, enquanto no prédio ao lado Snoopy Dogg discursava contra o plantio de maconha.

O risível, em visita ao Museu do Holocausto, em Jerusalém, afirma que o nazismo era de esquerda porque tinha nacional-socialista no nome. Essa é uma declaração que põe a mente para trabalhar. Imaginar, por exemplo, o que aconteceria se os judeus presentes desandassem a acreditar em tal lógica onomástica e descobrissem que estavam diante de um Messias. Para a sorte de todos, o próprio museu não apenas define o nazismo como um movimento de extrema direita, como também reitera que o Mar Vermelho é bastante azulzinho.

O risível pouco liga quando o chamam de miliciano e tolera até ser chamado de vagabundo. Só perde a linha mesmo quando o chamam de A Tchutchuca do Centrão. Aí a Tchutchuca do Centrão fica pistola.

O risível, nos Estados Unidos, tenta, de improviso, transformar slogan com dois itens (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”) em um com três, mas não consegue engatar o terceiro e esquece Deus.

O risível, tão especialista em armas e defesa pessoal quanto em falibilidade de urna eletrônica, em 1995 não apenas é assaltado, mas também é desarmado pelo assaltante, que obriga Horrisível a assistir, impotente, sua moto e seu poder de fogo serem levados embora por outro homem. Ao que parece iniciou-se aí a sua carreira de árduo, lúbrico, impudico, licencioso, ofegante defensor do porte de armas para o cidadão de bem se defender.

O risível é mencionado, em entrevista, por sua esposa, que confessa, rindo marotamente, já ter dito a ele “Você é um personagem fora de casa. Porque às vezes eu até gostaria que você fosse um pouquinho assim dentro de casa, tivesse um pouquinho mais de energia”. (grifo nosso)

O risível, num dos dias mais ridículos da história da República, instiga uma multidão de fanáticos a enaltecer seu pênis, chamando-se a si mesmo de “imbroxável”, e a um só tempo assevera a importância fundamental dos laboratórios farmacêuticos, confessa precisar urgentemente resolver certos assuntos bastante pendentes no quesito sexual, defende-se de algo que ninguém publicamente o acusou, faz-nos novamente recordar do versículo bíblico “A boca só fala do que está cheio o coração”, adota como alcunha uma palavra iniciada por um prefixo de negação (como se Ivan, o Terrível fosse Ivan, o Não Meigo, ou Pedro, o Grande fosse Pedro, o Não Pouco Dotado), e ganha imediatamente seu mais novo apelido: Broxonaro.

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