Movimentos sociais, pastorais da Igreja Católica, sindicatos e lideranças indígenas organizaram em Curitiba o 29º Grito dos Excluídos e Excluídas, com o lema “Vida em Primeiro Lugar” e o questionamento “Você tem Fome e Sede de Quê?” Cerca de 500 participantes percorreram 1,5 quilômetro em passeata, saindo do Centro de Formação Santos Dias, na Vila Torres, até a Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba (CPCI), no bairro Rebouças, nesta quinta-feira (07).
O evento começou às 8 horas com um café da manhã, fornecido pela padaria comunitária da Vila Torres, projeto mantido pela Arquidiocese de Curitiba há 23 anos. O almoço foi oferecido ao meio-dia pelo projeto Marmitas da Terra, do MST e do Assentamento Contestado, que atende pessoas em situação de rua desde o início da pandemia.
O Grito dos Excluídos e Excluídas, criado para ser uma contrapartida ao Grito da Independência, visa dar voz às demandas de grupos historicamente marginalizados. Neste ano, o evento também arrecadou alimentos para os povos originários e promoveu a venda de produtos artesanais indígenas e de economia popular solidária.
O encerramento ocorreu na CPCI, instituição que funciona não apenas como alojamento para indígenas que comercializam artesanato em Curitiba, mas também promove a cultura e reivindicações dos povos originários, como a demarcação imediata dos territórios e a não aprovação do marco legal.
O articulador geral da Casa de Passagem, Silas Ubirajara Donato de Oliveira, destacou a importância do ato porque, segundo ele, é uma maneira de os indígenas ocuparem espaço em Curitiba. Com isso, eles conseguem mostrar para a sociedade e para o governo as dificuldades pelas quais passam. “É uma forma de despertar o interesse para os nossos principais problemas”, afirmou.
Uma das participantes do ato, Kixirrá Jamamadi destacou a luta dos indígenas por reconhecimento de seus direitos, enfatizando a necessidade de as autoridades ouvirem suas reivindicações. Segundo ela, durante a pandemia, os indígenas que vivem nas cidades enfrentaram dificuldades para se vacinar e para ter acesso a serviços públicos.
Kixirrá criticou a falta de empenho das autoridades na resolução de problemas relacionados à população indígena. Ela cita a dificuldade que as lideranças enfrentam para manter a Casa de Passagem. “Esta Casa só existe porque mulheres e crianças indígenas protestaram durante 20 dias no Centro Cívico. E ainda assim, a Casa passa por muitas dificuldades”, afirma ela.
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Em seu discurso na Casa de Passagem, o cacique kaingang André Matos criticou o PL 490/2007, projeto em tramitação que restringe a demarcação de terras indígenas às áreas já tradicionalmente ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A aprovação do projeto comprometeria os processos de demarcação que estão em andamento e futuras demarcações.
Segundo o cacique André, seu povo continua a lutar pelas terras que lhes foram tomadas. “Será que meus filhos ainda vão ter que brigar por um pedaço de terra para sobreviver?”, questiona o cacique da aldeia Kógunh Ja Mã, que atualmente ocupa área do Parque do Mate, em Campo Largo.
Igreja Católica
O Grito contou com a participação de diversas pastorais da Igreja Católica, reunindo lideranças de projetos sociais desenvolvidos por religiosos. Um dos participantes foi o padre Lédio Milanez, da Pastoral Indígena de Curitiba. Segundo ele, o evento é muito importante para chamar a atenção das autoridades quanto às desigualdades crescentes no país e no mundo.
“Grande parte da população mundial vive em condições subumanas, enquanto uma pequena elite vive sob benesses. Não é possível para nós, que professamos também uma fé, acreditar que Deus, que criou para que não houvesse separação, tenha apoiado isso”, afirmou.
Liderança ligada à Pastoral Carcerária, irmã Luciene Melo afirmou que as autoridades e a sociedade não respeitam o direito da população encarcerada. Ela lembra que o Paraná conta com cerca de 38 mil pessoas presas, sendo que a maioria delas – cerca de 75% – é composta de jovens de 18 a 29 anos. Ela afirma que o preceito das pessoas e das próprias instituições não apenas condena e priva de direitos aqueles que estão presos, mas também os seus parentes e amigos. “Devemos ser solidários com essas pessoas”, defende.
“O ato tem um sentido: de que não vamos ter independência total no Brasil enquanto tivermos pessoas sem moradia, pessoas passando fome, pessoas sem educação adequada. E esse grito dos excluídos é a junção das pessoas mais periféricas de Curitiba, que lutam por direito, lutam por dignidade e lutam para que tenhamos políticas sociais, políticas públicas que possam ajudar as pessoas a sair da extrema pobreza”, afirmou o padre Joaquim Parron, ligado ao Projeto SOS Combate à Fome, com sede na Vila Torres.
*Colaborou Anna Carolina Carazzai