Mônica Salmaso fala de música, vida e sobre o show “Minha Casa”

Em entrevista ao Plural, a cantora resgata memórias, revela afetos e também mudanças que inspiraram seu mais novo show, que tem apresentação única em Curitiba

Mônica Salmaso é uma paulistana simpática e talentosa, que guarda um afeto especial por Curitiba. E isso não é papo. Em várias temporadas deu aulas na Oficina de Música, tempos que renderam boas amizades e aquele sentimento de proximidade com lugares e pessoas, como se tivesse morado aqui. Ela também voltou muitas vezes, a última vez foi ao lado de Chico Buarque, na turnê “Que tal um samba?”.

Agora, com quase 30 anos de carreira, a cantora está na expectativa de um novo encontro com os curitibanos, quando apresentará “Minha Casa”, no domingo do Dia dos Pais (11/08), no Guairão (ingressos à venda a partir de R$ 75, meia-entrada, mais taxas). O show é um espetáculo que celebra a vida, nossa identidade, amores e afetos, como os que levaram adiante a série de vídeos com duetos “Ô de casas” – com a participação de músicos que aceitaram o convite de Mônica para mais de 170 duetos, publicados online durante a pandemia.

O repertório de “Minha Casa” retrata mudanças pessoais e profissionais da artista, novos pontos de vida e a presença forte da identidade brasileira, com músicas que nunca antes foram gravadas por ela e também dez canções escolhidas de “Ô de casas”. A direção musical do show é da cantora em parceria com seu marido, o flautista e saxofonista Teco Cardoso. Além da dupla, estão no palco os músicos Tiago Costa (piano), Neymar Dias (viola caipira e contrabaixo), Lulinha Alencar (acordeon), Ari Colares (percussão) e Ricardo Mosca (bateria). 

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Mônica Salmaso 

Ao Plural, Mônica contou como a música entrou em sua vida, falou da trajetória profissional e do período do isolamento imposto pela covid-19. Ela também confessou o cuidado para segurar qualquer tietagem perto de ídolos, com quem tem o privilégio de dividir o palco hoje, e revelou muitos dos afetos ao redor do show “Minha Casa”. Confira a entrevista a seguir.

Em qual momento a música pegou seu coração? Quando você pensou em seguir carreira na música? 

A luzinha acendeu na minha infância, quando ganhei de presente de um tio que trabalhava na Editora Abril, uma caixa daquelas historinhas com disquinhos coloridos, eram compactos, vinis coloridos. Essas histórias foram criadas e musicadas pelo Braguinha (1907 – 2006), com arranjos do Guerra-Peixe (1914 – 1993), Radamés Gnattali (1906 – 1988), com um elenco de músicos, cantores, atores e a voz daquela mulher na narração [Sônia Barreto (1910 – 1967)], e uma qualidade musical muito, realmente muito alta. Aquilo abriu o mundo para mim. 

Eu era bem pequena, entendi como é que funcionava o negócio de fazer a vitrolinha tocar e ia embora, passava muitas tardes ouvindo as histórias, cantava todas aquelas músicas. Dali para os discos de adultos na minha casa, foi um pulinho. Comecei a ouvir música brasileira, era o que mais tinha lá, não eram muitos discos, mas bons discos. Passei a me alimentar disso, era um portal de felicidade. 

O meu interesse pela música nasceu ali, mas eu não tinha nenhuma perspectiva de ser artista, não só da música, de nenhuma área, porque eu não tinha nenhum exemplo. Não conhecia nenhum, não sabia do que viviam. Na família, hoje, meu irmão é músico, ele é mais novo do que eu.

Assim que eu cresci, comecei a ir em shows, no Caetano, Gil, Free Jazz, Nina Simone. Olhava e não fazia ideia de como é que eles viravam artistas, fazendo faculdade não era, agora até é, mas na época não tinha. Só que eu brincava de cantar, cantava sozinha, pegava um desodorante e fingia que era microfone, todo dinheiro que eu ganhava ou juntava, ia comprar discos. Meu negócio era esse, eu tinha entendido que havia felicidade plena ali, mas não uma possibilidade de trabalho. 

Pensei em ser jornalista. Estudei no Equipe, colégio de São Paulo com tradição em humanas, vários artistas saem de lá e mesmo assim, isso não era uma referência para mim, então pensei em comunicação. Achei que seria feliz. Terminei o ensino médio, entrei no cursinho para prestar vestibular e fui muito infeliz. Eu achava insuportável. Como meu plano não estava bem definido, o desejo não justificava o sufoco, então fui fazer aula de canto numa escola chamada Espaço Musical. Isso abriu a minha cabeça. Eu conheci uma professora que era cantora e entendi que era possível viver de música de outras maneiras, não só estando no palco dos maiores teatros, não era uma possibilidade só, remotíssima, de felicidade e realização. Quando entendi que poderia viver de música, pronto: era o que eu precisava. 

Você comentou sobre músicos que acompanhou no início dessa paixão e shows que assistiu. Vem daí a predileção em seu repertório, com recorte que passa pelo cancioneiro popular e samba? 

Não. Eu tenho uma identidade por ser de São Paulo, uma cidade que não tem uma tradição só, ela é um não lugar ou todos os lugares, tanta gente vem para cá que você encontra focos de tradição diferentes do Brasil dentro de São Paulo. Ao mesmo tempo, tem uma certa liberdade de poder trabalhar com o que vem, a mistura se faz talvez mais autorizada em São Paulo. 

Mas eu tinha uma necessidade de buscar uma identidade brasileira e me emociona muito o Brasil profundo, os ‘Brasis’ profundos: o Brasil do interior, o Brasil do samba, o Brasil do Nordeste e do repente, o Brasil do coco, o Brasil da moda de viola; esse brasileiro e esse Brasil. Eu lembro do Rolando Boldrin, ele tinha uma fé, um amor genuíno por esse brasileiro que é um fruto misturado de muitas culturas, uma resistência muito forte, uma capacidade de lutar, de criar, com um senso de humor, uma fé que se manifesta de várias maneiras. E tudo isso é um caldo. É engraçado que o Brasil é tão imenso e você encontra esses elementos no país inteiro, claro, com temperos diferentes, ritmos diferentes, porém há um jeito brasileiro de ser, resultante de uma mistura. É apaixonante, além de muito único, e desde o início tive vontade de me aproximar disso, porque me emociona. Isso também cria, sobretudo depois de tantas coisas que a gente vem atravessando, uma forte necessidade de identidade, que é para nós cura, que é para nós força, que é um norte para a gente se encontrar, se realizar como país. Tem muita coisa envolvida na emoção que eu sinto pelo Brasil e, fui chegando cada vez mais perto de coisas que não são exatamente um veio, mas um interesse maior. 

Quando não está buscando novas canções para shows ou álbum, o que você ouve? O que a Mônica escuta apenas para aproveitar o momento?  

É difícil, porque estou trabalhando o tempo todo e sobretudo agora, depois da turnê com o Chico, eu voltei e tinham coisas represadas, discos lançados com poucos shows realizados, um show novo, o que a gente vai fazer em Curitiba. Estou um pouco atolada e fica difícil de ouvir outras coisas, mas eu estou sempre aberta, sempre ligada. Por exemplo, estou encantada com um compositor, pianista e cantor  de Belo Horizonte, chamado David Fonseca, que está lançando um disco muito bonito. Ele está os singles nas plataformas, é um trabalho incrível de composição, os arranjos são maravilhosos, tem muita gente boa tocando. Existe uma geração em Belo Horizonte incrível, são meninos, uma gente de 30, 40 anos que é muito criativa, muito talentosa; um colabora no trabalho do outro. Essas coisas me encantam. 

Como eu não componho, o meu negócio é a antena a partir do que os outros fazem, vou guardando ideias, tenho uma lista no celular, um play list não sei onde, no computador, às vezes anoto numa agenda de papel. Vou juntando ideias, alguma coisa que me interessou: “opa, ali tem!” Guardo essas coisas, elas ficam por ali, meio à mão, e quando vou começar um trabalho, recorro a esses bancos e as coisas vão se delineando.  

Gosto muito de música, mas já ouvi mais. Quando a gente trabalha, acaba focando, é uma coisa natural. Ando torcendo por umas férias, onde eu só flane e fique com a cabeça leve para escutar a música do jeito que a gente adora.  

O seu marido, Teco Cardoso, também é músico. Como é a parceria de vocês no trabalho e na vida? 

A gente foi parceiro na música durante muitos anos. Fomos amigos, éramos colegas de trabalho, fazíamos parte do mesmo grupo da Orquestra Popular de Câmara e o Teco participou dos meus discos muito antes de sermos um casal. Já era uma relação de trabalho muito boa e constante, quando a gente se apaixonou, depois se casou e teve filho, isso não se perdeu, pelo contrário, viramos parceiros em mais coisas. A vida cotidiana tem algo de sociedade, ela combina com a parceria de trabalho, tem lá os combinados, os objetivos. E a gente pensa parecido, sabe desejar um objetivo e ir atrás, nos entendemos muito bem no diálogo do trabalho. Tudo se somou, ficou melhor na verdade, não se trocou uma coisa pela outra; e a gente sempre se deu muito bem, damos risada, é um casamento e um encontro bem bonito, a gente realizou muitas coisas e segue com vontade de fazer mais.  

Ele participa da turnê do show “Minha Casa”? 

Sim, o Teco foi produtor musical dos meus trabalhos a partir do [álbum] “Alma Lírica Brasileira”. Além de tudo que toca, ele é um produtor musical muito atencioso ao trabalho, apaixonado, o cara que se dedica completamente, tem paciência pras minhas ideias e minhas teimosias. Às vezes eu sou mandona, ele me entende e embarca. Isso é uma qualidade muito bonita na produção, quando a pessoa embarca no desejo do outro e ajuda a concretizar. 

Ao mesmo tempo, ele tem um cuidado no som, um refinamento e até uma capacidade que eu não tenho, os trabalhos têm uma sonoridade maravilhosa. Ele e o Homero Lotito – engenheiro de som incrível que faz as mixagens e masterizações com a gente há tempos – fazem um trabalho minucioso, de muitas horas até chegar num som que é lindo. 

É uma parceria realmente grande, porque o Teco toca comigo em praticamente todas as coisas que a gente faz, além disso, me ajuda a realizar, conceber e faz a produção dos trabalhos.

Você foi convidada pelo Chico Buarque para participar da turnê “Que tal um samba?”, como aconteceu isso? Diante da sua admiração por ele, qual foi a emoção?

O Chico é daquele lugar inicial, nós temos 30 anos de diferença. O Chico, no ano em que nasci, lançou o disco “Construção” (1971), um dos maiores da história da música brasileira, em relação à composição, arranjos, tem coisas ali que são fundamentais na história da canção brasileira. Eu cresci ouvindo esse disco e todos os outros dele. 

Como descobri a música cedo e fui morar nela muito cedo, criança mesmo, e esse repertório estava nos discos de adultos da minha casa, ele faz parte da minha formação musical e da minha formação emocional. Porque eu ouvia músicas que falam de emoções que não sabia do que tratavam, ou com palavras que nem sabia o significado, mas me preenchiam afetivamente, depois eu iria entender que nome tinham. Criança, ouvindo “Geni”, “Pedaços de Mim”, “Cálice”, “Trocando em Miúdos”, não entendia do que as músicas estavam falando, mas entendia que era um tipo de tristeza, de perda, de luto, um tipo de revolta, uma sacanagem absurda que faziam com a Geni. O tamanho do Chico, e de sua obra, em mim é gigantesco.

O Chico já tinha me dado um presente anterior, quando gravou o disco “Carioca”, também pela Biscoito Fino. Eu tinha um produtor, que infelizmente não está mais aqui, o Homero Ferreira que era cunhado dele, foi casado com a Cristina Buarque, tiveram cinco filhos, e mesmo assim eu não o conhecia. Sou muito cuidadosa, tenho horror de atravessar, prefiro não conhecer do que conhecer errado, para que uma pessoa com esse tamanho dentro de mim não tenha uma má impressão. Chegou 2006, ele gravou o “Carioca” e me chamou para participar de uma faixa. Fui ao Rio e a gente gravou a música e isso já era o ‘top do top’, nem podia imaginar, já era um presente gigantesco. Estou dentro do disco do Chico, meu Deus do céu!  

Depois, a gente se encontrou poucas vezes. Ele fez um show bonito de fechamento da turnê do “Carioca” no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e me convidou para fazer a abertura com o “Pau Brasil” – do show “Noite de Gala”, que fizemos para homenageá-lo, como meu agradecimento pela gravação.

Aí, durante a pandemia, eu produzi os vídeos do “Ô de casas”, gravados em parceria com amigos de trabalho, e isso acabou tomando uma proporção gigante, foram 175 vídeos. E tinha uma demanda de afeto, eu queria entregar esses vídeos, era uma coisa muito bonita, toda vez que aparecia uma música de compositores que eu conhecia, mandava o link por e-mail para eles e brincava: “Olha, chegou um pão quentinho!” Porque as pessoas estavam em suas casas na mesma agonia e eu pensava que isso poderia fazer um bem. Com o Chico também foi assim, toda vez que tinha uma música dele gravada, eu mandava, e ele sempre respondia comentando a música, convidado, ou o vídeo em si. De vez em quando, eu convidava ele pra gravar: “Você não quer fazer um?” E ele: “Não, eu tô em outra, tô escrevendo.” 

Aquela coisa foi tomando um tamanho. Tanta gente acompanhava e recebíamos comentários maravilhosos, eu passava metade do dia gravando e outra metade chorando, lendo os comentários. Então, não estava pedindo nada para mim, estava pedindo para ele fazer parte de um negócio tão bonito, assim facilitava, porque eu jamais convidaria o Chico para cantar comigo, para uma coisa minha. Eu não teria coragem. Mas para ali [Ô de cassas] eu conseguia convidar, não só o Chico, mas o Edu Lobo, o Dori Caymmi, a Leila Pinheiro, o Ney Matogrosso, o João Bosco, uma turma que eu não teria coragem, mas que era tão bonito de fazer e oferecer naquela situação. Aí mandei um e-mail e falei: “Prometo que é a última vez, não está mais aqui quem falou, escrevi e saí correndo… A gente poderia fazer o “João e Maria” no seu tom, com o Luiz Cláudio Ramos, de um jeito que é super confortável para você. Mas é a última vez, não vou mais falar, desculpa qualquer coisa.”  

Ele topou: “Pode ser segunda-feira?” Era quinta, saí atrás do Luiz Cláudio, mandei vídeo pra cá, vídeo para lá, porque era tudo gravado separado. O combinado é que eu monto e depois mando, se gostar, a gente publica. Não gostou, desaparece, deleto, ninguém ficou sabendo e acabou. Mandei para ele e para a mulher dele, Carol Proner, maravilhosa amiga, muito querida e uma mulher ‘porreta’. Os dois assistiram e foi lindo quando entrou no ar.  

A gente estava vivendo tanta agonia que esses momentos – de passar algumas horas brincando de alguma coisa, fazendo uma coisa que é só boa, que só faz bem, que é para oferecer para as pessoas, para tirar a cabeça daquele inferno – ocuparam um lugar muito bonito. Eu acho que foi ali que o Chico teve a ideia, pois meses depois ele me falou que estava com um plano, uma vontade de voltar para a música; e as coisas estavam abrindo, tinha uma história da comemoração dos 50 anos do disco “Construção”, que eram os meus 50 anos também. Mas teve uma nova onda de covid, fechou tudo, não deu para fazer em 2021. Ele falou que a ideia continuava em aberto.

Eu nunca poderia nem sonhar, é ‘insonhável’ um negócio assim. E mesmo quando ele falou, meu ímpeto foi responder que a gente não sabia o que iria acontecer – se iria abrir, se iria ter outra onda ou não – então, está tudo topado, mas se não acontecer, tá tudo bem. Eu não quero que ache que está me devendo alguma coisa, só de você ter pensado um troço desse eu já ganhei um presentão. Já pensou que horror o Chico falar “tô devendo um negócio pra Mônica”. Credo! Deus me livre.

Mas aconteceu, e de um jeito muito especial. Além de tudo, foi um marco da volta das pessoas aos shows. De setembro até depois das eleições, a maioria das pessoas ainda ia ao show usando máscaras, era a primeira vez que muitos voltavam a um show aglomerado, já tinham as vacinas. A catarse da emoção das pessoas em estarem juntas novamente e se encontrando numa identidade comum, que é a música do Chico, fez com que a turnê fosse uma celebração potencializada, muito maior do que já o acontecimento que é um show do Chico. Eu tinha que me cuidar muito para não desmoronar de chorar durante o show, saía chorando todo show, mas segurava porque eu não consigo cantar chorando, fecha aqui [a garganta]; aquela cena bonita da Elis Regina, eu não sei fazer, não dá. Foi muito emocionante, espetacular, não tem palavra para explicar o que foi viver essa turnê.

A série de vídeos “Ô de casas” tem uma importância grande neste novo show? 

Tem, porque eu vivi a pandemia intensamente, estava muito presente no que estava acontecendo, foi um momento e um deslocamento violento, de operação de guerra mesmo. O nosso trabalho parou completamente, a gente foi para uma casa no interior de São Paulo, onde passávamos alguns dias ou finais de semana e, de repente, aquilo virou a nossa casa. Foi muito revolucionário dentro de mim, primeiro porque sou de uma cidade metrópole, enorme, barulhenta, cheia de movimento, e eu estava numa casa que é quase uma chácara; o tempo e o ciclo das coisas tomaram outra proporção. O que estava se vivendo emocionalmente durante a pandemia, foi vivido 100%, gota a gota, prestando atenção. Meu núcleo familiar, eu, meu marido e meu filho, estávamos juntos, nos protegendo, nos cuidando, num nível que eu nem imaginava precisar; da porta para dentro está tudo bem, da porta para fora a gente não sabe de nada. Isso, por dois anos e pouco. 

E teve os livros que li, as falas que ouvi, e também as trocas que aconteceram a partir dos vídeos do “Ô de casas”. Eu tinha uma dificuldade imensa com redes sociais, achava esquisito para caramba o negócio de “sou sua amiga no Face”, não entendo o que essa frase significa, sou uma tia velha para quem amigo é aquele que a gente telefona, vai ver. Naquele momento, a única possibilidade de relação e de afeto que existia era a rede social, que entrou na minha vida de repente e de um jeito ultra gigante, eu comecei a me comunicar com as pessoas através daquele negócio. E muitas coisas grandes mudaram dentro de mim, eu não sou a mesma pessoa. Meu trabalho sofreu mudanças, mas eu sofri mudanças ainda maiores. Decidi que queria ser uma pessoa melhor durante a pandemia, que eu tinha que escutar as coisas que não sabia, apoiar as causas que eu acho justas, que a gente tem que cuidar do planeta. Decidi um montão de coisas. Eu nunca fui uma má pessoa, mas resolvi melhorar.

Quando voltamos a poder trabalhar, aconteceu a turnê com o Chico e tomou conta de tudo. Foram vários shows, dez meses entre ensaios e apresentações, e muito trabalho que demandava minha voz. Eu não podia ficar doente e estragar o show do Chico, então virei uma carola: tomava conta da voz, fiz exercício, estava concentrada nisso. Às vezes eu chegava com a voz super cansada, morrendo de saudade, tinha três dias em casa, mas ficava muda. O Teco e o Théo se seguraram para me ajudar, foi um time bonito aqui. 

Quando acabou a turnê, eu precisava voltar para a minha casa, e tinha a história do “Ô de casas”, com cada um na sua casa. Este show nasceu da necessidade de reabilitar uma casa, que é uma nova casa. “Que casa é essa?” Isso também nos afetos, nas importâncias, nos assuntos delicados, porque a minha casa não é só minha – a gente aprendeu isso durante a pandemia, o que eu vivo se reflete no que os outros vivem. Temos um planeta para cuidar, a única casa que temos em comum de verdade. O show tem este nome porque se trata de uma volta pra casa, para a reconstrução ou o reabilitar dessa casa modificada.

O repertório do show tem músicas novas e resgates de canções que você gravou anteriormente?

Tem poucos resgates, muito pontuais, músicas importantes. Tem bastante coisa que eu acabei aprendendo durante a pandemia, músicas que vieram ou das gravações que a gente acabou fazendo ou da escuta para escolher se seriam feitas nos vídeos. Por exemplo, “O tempo nunca mais firmou”, do Sal Pessoa e do Chico Chico, não foi um vídeo, foi uma música que eu aprendi naquele momento, xeretando coisas. “Tá?”, do Pedro Luís, Carlos Rennó e Roberta Sá, é uma música que a gente quase gravou em um vídeo, não gravamos, mas ela é super importante. Ela faz uma conversa no show com “Mortal Loucura”, um texto do Gregório de Matos do século 17, falando que quem não cuida de si, que é terra, erra; no final das contas, é isso o que temos que cuidar. Então tem diálogos entre o que já gravei e coisas novas, tem uma sonoridade. 

E o time que está comigo são pessoas com quem já trabalhamos. O Tiago Costa, no piano e arranjos (maravilhosos), a gente já vinha cruzando em alguns trabalhos; o Neymar Dias, na viola caipira e contrabaixo, já estava junto com a gente na turnê do “Corpo de Baile” e também na do “Caipira”; o Lulinha Alencar, no acordeom, também esteve na turnê do “Caipira”; o Ari Colares, na percussão, e o Ricardo Moska, na bateria, trazem a força rítmica que é bem aberta, desde o regional até uma coisa mais moderna, com um “match” musical incrível; e com o Teco Cardoso, no sax e flautas, a gente costura esse repertório todo.  

O show é uma festa de música e tem duas temperaturas. Uma primeira de afeto, quando estou até com uma roupa clara, é uma coisa de identidade, de falar de um Brasil, desses ‘Brasis’ profundos, de encostar nessas emoções e falar do meu ofício, que é o da música, do canto. E também do papel que isso tem, o que foi revisto por mim durante a pandemia, eu entendi claramente que a gente morreria se não fossem as artes. Elas não são só entretenimento, são uma coisa da nossa sanidade, organizam as nossas emoções e nos unem. Depois tem uma segunda temperatura, que é de um grito mesmo, daquilo que a gente precisa resolver como país, como planeta, de precisar olhar para as nossas desigualdades e problemas de frente, e cuidar desse planeta. Ponto. Não tem negociação. Esse é, mais ou menos, um resumo do que é o “Minha Casa”.  

Você veio outras vezes a Curitiba? Qual foi a última passagem por aqui? 

Acho que a última vez foi com o Chico, deve ter sido. Eu já fui tanto a Curitiba porque, além de tudo, algumas vezes eu dei aulas na Oficina de Música. Desde 98 (olha só, eu era uma criança), eu passei algumas temporadas na cidade, tenho amigos queridos aí, tenho uma sensação de já ter até morado um pouquinho aí, porque as primeiras oficinas que eu dei eram 15 dias, a gente ficava um tempinho. Então eu gosto muito de Curitiba, eu tenho realmente uma relação de afeto com a cidade.  

O show estreou em São Paulo e foi para o Rio de Janeiro. O que se espera do público daqui? 

Olha, [suspiro longo] a gente oferece o nosso melhor sempre. Como eu tenho uma relação com Curitiba, tem um público que foi formado durante todos esses anos, as pessoas sabem, conhecem, a maioria que vai ao show já tem uma relação, nós já somos amiguinhos. Isso é tão bom, porque é uma sensação de revisitar, de rever. É diferente. Às vezes você vai para um lugar pela primeira vez e tem um tipo de frio na barriga que é: “Alguém vai, será? E o que eles esperam?” E tem outros lugares que, depois de tantos anos, você já criou uma relação: “Oba, vou voltar para lá. Vou rever aquele lugar, aquelas pessoas”. 

E não há nada, absolutamente nada, que substitua o ao vivo presencial. Não existe. A gente pode fazer, tentar, inventar, usar de todo tipo de criatividade, conversa pelo chat, Emoji… Mas o show cada dia é diferente, porque ele é feito ali, com aquelas pessoas, ele é vivido ali. A mesma coisa é uma peça de teatro, em Curitiba tem o Festival de Teatro, é uma cidade que sabe bem disso. E a plateia interfere no show, a gente sente, responde, vai e volta, e vai de novo, e volta de novo. É uma celebração, a nossa igreja é ali, a nossa conversa com as nossas emoções, com o divino, com o que quer que seja. Depois que a gente não pôde fazer isso por tanto tempo, entendemos o tamanho que isso tem. 

Eu torço para que a gente tenha uma casa linda, que vocês possam ir, e que a gente faça uma noite muito maravilhosa.  

Você tem um carinho especial pelo Teatro Guaíra?

Eu amo o Guairão. Além de tudo, o Guairão é onde nasceu “O Circo Místico”, a “Dança da Meia-Lua”, “O Corsário do Rei”. Imagina?! É um dos maiores teatros do Brasil, vai ser lindo fazer esse show lá. 

Com o alcance do “Ô de casas”, surgiram novas amizades e um número maior de pessoas chegou até você. Para quem não sabe muito do seu trabalho e quer conhecer mais antes de ir ao show, qual música você indica (para ouvir ou assistir em vídeo)?

É muito difícil escolher, acho que “Menina, Amanhã de Manhã”. Porque ela traz uma esperança necessária, tem essa ligação em seu arranjo, tem uma sonoridade que tem a ver com o trabalho. É um recorte, talvez seja uma música que indique o que é esse trabalho, para onde ele vai e o que a gente tem para dizer. Talvez.

Show “Minha Casa”, de Mônica Salmaso

Dia 11 de agosto (domingo), às 20h, no Teatro Guaíra (Grande Auditório – Guairão – Praça Santos Andrade, s/n). 

Ingressos à venda pelo Disk Ingressos, a partir de R$ 75, meia-entrada, mais taxas, ou também presencialmente nos seguintes pontos: Shopping Muller (Piso L1) – de segunda a sábado, das 10h às 22h. Domingo, das 14h às 20h; Teatro Positivo – de segunda à sexta, das 11h às 15h e das 16h10 às 20h. Sábado, das 17h às 21h; e Teatro Fernanda Montenegro – de segunda à sexta, das 10h às 14h e das 15h10 às 18h. Sábado, das 12h às 16h e das 17h10 às 20h.

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