Quando penso na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, o que sinto é um profundo e múltiplo amor. É um amor que permeia passado, presente e, certamente, o futuro. Este amor começou antes mesmo de eu aqui estudar, se consolidou durante meus anos como discente, amadureceu na docência e continua a crescer agora, quando assumo esta nova responsabilidade como diretora.
A Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná é muito mais do que uma instituição de ensino, é mais do que um lugar. É, para mim, um espaço-tempo de histórias, memórias, afeto e de profundas conexões pessoais e acadêmicas. Cresci com a referência e proximidade desta Faculdade. Foi aqui que meu pai e minha mãe estudaram, buscando, como muitos e muitas, um futuro melhor, por meio do conhecimento.
Eles, como muitos exemplos notórios de egressos desta Casa como Vieira Neto, Lamartine Correia de Oliveira, Francisco Muniz, Carmen Lúcia Silveira Ramos e tantos e tantas, nos ensinaram o valor da educação e o poder transformador do estudo e do Direito comprometido com a democracia e com a transformação social.
O legado desta Faculdade centenária e pioneira projeta-se no espaço-tempo do presente de modo diferente, mas sempre com a semente potente da transformação, vanguarda e responsabilidade incrustrados na sua alma e se imprime na daquelas e daqueles que aqui se constituem.
Quando entrei na Faculdade como acadêmica, lembro exatamente a sensação de subir estas escadas pela primeira vez, descortinando-se assim a abertura deste espaço-tempo. Esta instituição não apenas me educou; ela moldou quem eu sou. Quando aqui cheguei, em 2001, meu pai, Professor Titular desta casa, era o diretor desta Faculdade. Seu exemplo de dedicação e entregas absolutos ao Direito e à Justiça me guiam a estar aqui hoje. Sua gestão – como a de muitos dos diretores e da Diretora que ocuparam este lugar – nos ensina que dirigir é, antes de tudo, conduzir com integridade e compaixão.
Lembro, ainda, que, durante minha graduação, testemunhei minha mãe se doutorar aqui no nosso PPGD. Ela alcançou esse feito muitos anos após meu pai, pois a tarefa por ela enfrentada no cotidiano feminino dos cuidados reflete as assimetrias de gênero ainda presentes, mesmo em lares mais equilibrados como o nosso. Este exemplo foi inestimável para mim, seja porque mostrou-me o papel potente e resistente que as mulheres desempenham na academia e no campo jurídico, seja porque compreendi naquele exato momento a magnitude do nosso programa de pós-graduação que se aperfeiçoou ainda mais para ser referência nacional e internacional.
O sentido amoroso da Faculdade de Direito fortificou-se quando aqui encontrei meu companheiro de vida, na militância acadêmica do glorioso CAHS; foi um encontro de alma e que me deu uma família maravilhosa. Este espaço-tempo testemunhou o início de um amor que se fortalece ao longo dos anos e que floresceu belamente. Ao Marcos, a Flor e Bela eu devo tudo e dedico tudo! Peço desculpas de antemão pelas ausências que vieram e as que seguirão, e agradeço demais – em especial ao meu parceiro – por serem tão generosos e compreensivos comigo! Só é possível para mim estar aqui por recalibrarmos cotidianamente os papéis sociais de cuidado e, com afeto, desafiarmos os a tradicional divisão do público e do privado imposta aos arranjos familiares.
Em 2012, retornei a este espaço, em um novo tempo, agora como professora. Quando do meu ingresso no magistério, testemunhei feliz uma Faculdade mais plural, colorida e inclusiva como fruto da bem-sucedida política de cotas.
Nunca sai daqui, mas após período afastada para o mestrado e doutorado, regressei pronta para retribuir e contribuir na semeadura da transformação, pioneirismo e responsabilidade no ensino do Direito que estão na nossa alma. Ser educadora aqui é uma honra e uma responsabilidade que abraço com todo o meu coração, a todo dia quando subo estas escadas, e a emoção de tê-las subido pela primeira vez ainda reverbera no meu coração.
Nessa jornada, quase que minhas duas filhas, Flor e Bela – amores maiores da minha existência, nasceram nos corredores desta Faculdade. Aliás, foi a experiência da maternidade que me abriu os olhos da importância da nossa Faculdade adaptar-se às dinâmicas de gênero, ser mais inclusiva, reconhecedora da diferença como um fator de inclusão e promoção. A academia, historicamente, tem sido um espaço desafiador para mulheres, especialmente aquelas que também assumem responsabilidades familiares e ousam se colocar em posições de liderança.
As assimetrias de gênero na academia, como microcosmo da nossa própria sociedade, ainda são uma realidade. É fundamental que criemos políticas e ambientes que não apenas acolham, mas incentivem e apoiem a diversidade em todas as suas formas. Desde a disparidade nas oportunidades de pesquisa até a representação em cargos de liderança, é evidente que há muito trabalho a ser feito. Serei a segunda mulher a ocupar este cargo, sucedendo minha sempre orientadora, Professora Titular Vera Karam de Chueiri, uma mulher extraordinária que abriu caminhos e mostrou a força e a capacidade das mulheres em liderar com competência e sensibilidade.
Ao assumir esta nova responsabilidade como diretora, estou comprometida em trabalhar para que o ensino crítico e inclusivo não seja apenas uma aspiração, mas uma realidade vivida diariamente. Juntas e juntos, porque este é um compromisso de todas as pessoas que apostam na igualdade, vamos construir uma Faculdade ainda mais justa e inclusiva, onde todas e todos contribuam, tenham o reconhecimento das múltiplas facetas de suas identidades e a oportunidade de alcançar seu pleno potencial.
Ao refletir sobre este múltiplo sentimento de amor que este momento me transporta, lembro-me das palavras de Bell Hooks em “Tudo Sobre o Amor”. Hooks nos ensina que o amor é uma combinação de cuidado, compromisso, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança. Todos esses elementos estão presentes na minha relação neste espaço-tempo.
O cuidado é a base das relações humanas. Cuidar significa estar atenta às necessidades de cada um e cada uma, promover um ambiente saudável e seguro, e garantir que todas e todos tenham as condições necessárias para desenvolver seus projetos. Isso inclui não apenas o cuidado físico, mas também o emocional e o intelectual.
Meu compromisso com esta faculdade é profundo e inabalável. Comprometo-me a trabalhar arduamente para manter e elevar os padrões de excelência pelos quais somos conhecidos. Comprometo-me também a ser uma diretora que escuta, aprende e adapta, sempre tendo no coração o melhor para nossa comunidade.
Aqui valorizamos o papel do conhecimento não apenas como um fim, mas como um meio para transformar vidas e sociedades. A educação crítica e reflexiva é a chave para formar pessoas conscientes e preparadas para enfrentar os desafios do mundo. Incentivar a pesquisa, a extensão, o debate e a busca incessante por respostas, ou melhor, por formular as perguntas adequadas é parte fundamental da nossa missão.
A responsabilidade vem com o privilégio de assumir este cargo, ainda mais com a felicidade de ter o Professor Rui Carlo Dissenha, referência de compromisso e retidão, na vice direção, com quem, portanto, terei o privilégio de caminhar ao lado nos próximos 4 anos e quem agradeço a confiança em mim depositada ao aceitar esta empreitada. Estarmos na direção implica uma grande responsabilidade de tomar decisões justas e informadas, de zelar pelo bem-estar de todos e de garantir que a instituição continue a cumprir sua missão de formar moldar juristas competentes e comprometidos com a justiça social.
Para tanto, respeitar as diferenças, as opiniões diversas e as experiências únicas de cada pessoa enriquece nossa comunidade e fortalece seus laços. O respeito é a base para a construção de um ambiente inclusivo e acolhedor, onde todos se sintam pertencentes e capazes de contribuir plenamente.
Por fim, a confiança é o que nos une e nos permite trabalhar juntos e juntas em direção a objetivos comuns. A confiança se conquista com diálogo, transparência e integridade, e é o alicerce sobre o qual construímos nossas relações e nossos sucessos coletivos. Nesse sentido, agradeço, imenso, a confiança dos meus colegas professores e professoras, dos servidores e das servidoras bem como do corpo discente desta Faculdade em confiar, em mim e no Professor Rui Carlo Dissenha para este mister.
Temos no nosso caminho a luz dos melhores exemplos que a direção desta Faculdade pode testemunhar nos últimos anos. Comprometida e comprometido em continuar o legado que nos precede, ciosos da responsabilidade de ocupar o cargo antes exercido com excelência pelo nosso Magnífico Reitor, Professor Ricardo Marcelo Fonseca, pela Professora Titular Vera Karam de Chueiri – reitero nossa primeira mulher Diretora na história desta centenária Faculdade e minha sempre orientadora no direito e na vida – e pelo Professor Dr. Sérgio Said Staut que conduziu nossa faculdade nos tempos recentes e com quem aprendi muito pelo seu exemplo de liderança firme e serena em momentos profundamente desafiadores como a pandemia.
Durante a pandemia, sentimos todos uma imensa falta deste ambiente. A ausência física não diminuiu, aliás só reforçou, o amor e o respeito que tenho por esta instituição, mas ressaltou ainda mais a importância do convívio e da troca de experiências que vivemos aqui diariamente, nosso sentido, de comunidade.
Bell Hooks sabiamente afirmou: “O amor é uma ação, nunca simplesmente um sentimento”. Que possamos, juntos e juntas, agir para transformar este amor em ações concretas que fortaleçam e enriqueçam nossa Faculdade, ainda mais, como farol de excelência, inclusão e inovação, comprometida em promover uma educação jurídica que responda aos desafios e oportunidades do nosso tempo. E os reptos não são poucos.
Precisamos preparar nossa comunidade acadêmica para um mundo onde a emergência climática é incontornável e irrefreável, as violações de direitos humanos massivas e as tecnologias emergentes desafiadoras. O Brasil contemporâneo é atravessado por assimetrias estruturais, o Estado de Direito e democracia estão sob constante ameaças, e testemunhamos a perda do peso simbólico da função pública, o esvaecimento do sentido de autoridade e uma liberdade sem limites que gera uma sociedade tensionada. As estruturas sociais e políticas estão em constante interrogação.
Diagnosticar esses desafios e propor caminhos que tornem nossa sociedade e justiça mais robustas e edificantes é função das Universidades e do Direito.
Neste contexto, a responsabilidade ética das Faculdades de Direito deve ser entendida como integridade, respeito aos direitos humanos e um compromisso inabalável com a justiça social. Nossas ações têm profundas repercussões na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual, onde a liberdade é exercida dentro de um quadro de responsabilidade e respeito mútuo.
Reafirmamos nosso compromisso com uma educação jurídica que não apenas acompanhe estas transformações, mas também lidere as mudanças necessárias. Atualizar o ensino jurídico público, gratuito e de qualidade – no método e na substância – para o século XXI é nossa missão. Nosso objetivo é formar pessoas que pensem o direito como uma ciência dinâmica, onde a prática jurídica se enriquece pelo rigor teórico e pela reflexão crítica. Essa simbiose entre teoria e prática capacita-nos a desenvolver habilidades técnicas e uma compreensão profunda das dimensões éticas e sociais de suas ações jurídicas, preparando-os para uma atuação profissional reflexiva e transformadora.
Que possamos fazer isso guiados pelo amor, combinando cuidado, compromisso, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança em cada passo de nosso caminho. Como diz Audre Lourde – amor é um ato de coragem – e este sentimento verdadeiro é aqui materializado nesta Faculdade, colunas de um edifício que emoldura o prédio e a memória, o passado e o futuro que neste tempo-espaço do hoje nos une em comunhão.
Obrigada por estarem aqui. Gratidão a todas as pessoas que caminharam comigo até aqui e as que caminharão comigo nesta jornada pelos próximos 4 anos.
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