Ken Loach se agarra à esperança ao encerrar a carreira

As classes trabalhadoras da Inglaterra e as agruras que enfrentam por conta dos mecanismos do capitalismo sempre foram o tema central de Ken Loach

No seu filme mais recente, “O Último Pub” (The Old Oak), o diretor inglês Ken Loach se propõe a mostrar dois grupos de personagens que estão em lados opostos de um conflito e tratar os dois com a mesma generosidade e compaixão. De um lado, estão os refugiados sírios levados para viver em uma pequena cidade do Norte da Inglaterra e os poucos moradores locais que os apoiam. Do lado oposto estão outros moradores, os que se incomodam com a chegada dos estrangeiros e os veem como aves de mal agouro anunciando mais decadência e violência para um lugar que já viu melhores dias.

A tarefa pode parecer difícil de ser levada a cabo. Não para Loach. As classes trabalhadoras da Inglaterra e as agruras que enfrentam por conta dos mecanismos do capitalismo sempre foram o tema central de seus filmes. Ele chega aos 88 anos e a este que foi anunciado como sendo seu último filme ciente das dores e do orgulho da “working class” de seu país. Em “O Último Pub”, homens que trabalharam nas minas de carvão antes de elas serem desativadas arrastam suas frustrações para o pub de TJ Ballantyne (Dave Turner). TJ é um deles, mas também se solidariza com o sofrimento dos refugiados sírios, de quem se aproximou através de Yara (a atriz síria Ebla Mari) e sua família. Essa aproximação é malvista por alguns velhos amigos e clientes de TJ, que não querem os sírios circulando no pub que frequentam. Em meio as dificuldades que caem sobre suas cabeças, eles encontram um bode expiatório nos estrangeiros muçulmanos.

Uma situação semelhante à retratada em “O Último Pub” aconteceu no mês passado, exatamente no Norte da Inglaterra, após um homem atacar crianças na cidade de Southport e matar três pessoas. A identidade do agressor não foi revelada pela polícia, mas grupos extremistas de direita usaram a internet para espalhar o boato de que ele seria muçulmano e convocar protestos contra a mesquita da cidade. Centenas de pessoas apedrejaram o templo. As manifestações violentas se repetiram por vários dias.

No filme, TJ caminha em terreno minado. Suas convicções o levam a se solidarizar com os refugiados (ele é claramente o alter ego de Loach no filme), ao mesmo tempo que seu bar depende da clientela que rejeita os estrangeiros. A situação foge ao controle quando ele recusa liberar o salão de festas que fica nos fundos do pub para a reunião de um grupo de clientes com tendências fascistas e, logo em seguida, transforma o local em um refeitório para servir os carentes, ingleses e estrangeiros.  O pub representa o último local de encontro da comunidade diante do enfraquecimento das igrejas e dos sindicatos, mas ele também está ameaçado.

Ken Loach e o roteirista Paul Laverty chegas a ser didáticos ao falar através de TJ: “Todos nós procuramos um bode expiatório quando a vida vai para o inferno, não é? Nunca olhamos para cima. É sempre para baixo. Culpamos os pobres coitados abaixo de nós. É sempre culpa deles. Isso torna mais fácil pisar na cara dos pobres coitados, não é?”

Ao longo do filme, Loach intercala muitas situações que provocam desesperança com outras que mostram a humanidade dos personagens e a força dos encontros. Não que haja um equilíbrio; o pobre TJ se arrasta até o fim do filme entre velhas e novas dores e Yara conclui que a esperança a mantém viva, mas também é a causa de suas dores.

Loach consegue mostrar os dois grupos como vítimas de circunstâncias que não controlam e da revolta que pode até ser justa na origem, mas que é direcionada (preguiçosa e ignorantemente) contra os mais fracos. O roteiro tem um propósito bem evidente, mas isso não enfraquece o resultado final porque o óbvio às vezes precisa ser dito.

O Último Pub está em cartaz no Cine Novo Batel e no Cine Passeio.

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