A insegurança jurídica na responsabilidade civil estatal omissiva

Os tribunais brasileiros precisam estabelecer com maior clareza quando o Estado tem responsabilidade por não ter cumprido com um dever

A responsabilidade civil estatal é, em regra, objetiva comissiva, ou seja, ao causar um dano a terceiro, a Administração Pública será responsabilizada por sua conduta, desde que ocorra uma ação do Estado ou de seus agentes públicos em detrimento do cidadão. Tal responsabilidade é regrada pelo artigo 37 § 6º, Constituição Federal: ” As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” A responsabilidade civil é também é regida pela Teoria Integral do Risco e pela Teoria Administrativista.

A primeira teoria é minoritária na jurisprudência, sendo utilizada em alguns temas, como a energia nuclear, guerra civil etc. É mais restrita diante da sua radicalidade. Na Teoria Integral do Risco, a Administração Pública deve responder pelos danos, somente por ter assumido o risco da atividade estatal, não sendo aplicada nenhuma excludente da responsabilidade civil. ” A primeira representaria um sentido absoluto da responsabilidade da Administração, para levá- la a ressarcir todo e qualquer dano relacionado com suas atividades” (Medauar, 2014).

Já a Teoria Administrativista corresponde a teoria utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, tendo por base o elemento “nexo de causalidade”; trata-se de rede de eventos que se entrelaçam. “Fazer juízo sobre nexo causal é estabelecer, a partir de fatos concretos, a relação de causa e efeito que entre eles existem (ou não existem) – o que deve ser realizado por raciocínio lógico e à luz do sistema normativo. (Cavalieri Filho, 2010). A responsabilidade, nesta concepção, pode ser afastada por excludentes, dentre elas a culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior.

Há divergência, entretanto, na responsabilidade civil objetiva omissiva, aquela causada por uma omissão estatal, quando, por exemplo, este deveria prestar um serviço e não o fez e de sua omissão decorreu um dano. Discute-se, aqui, se a responsabilidade por omissão poderia se dar de forma objetiva. Para solucionar tal impasse, além da aplicação da Teoria Administrativista, discute-se a incidência da Teoria Subjetiva da Culpa, a qual opera com a negligência, imprudência e a imperícia, abrindo espaço, assim, para o elemento subjetivo na responsabilização pelo ato. A questão foi objeto do Tema 362 do STF ” Responsabilidade civil do Estado por ato praticado por preso foragido.” Segundo tal tema só haverá responsabilização se houver nexo de causalidade direto o momento da fuga e a conduta praticada pelo Estado, fato que garante a reparação por ofensa à cláusula pétrea do direito à vida. Ou seja, um crime cometido em um contexto que o criminoso não estiver detido, retira a responsabilização estatal de se atentar à segurança pública e reparar o cidadão diante de sua ausência.

Quando se trata da responsabilidade omissiva, o campo de incidência da norma ainda se mostra extremamente subjetivo e casuístico, afinal seu embasamento se direciona para a culpa estatal, o que pode ocasionar na sua escusa perante uma “faute du servisse” (STF, RE 800761, Min. Cármen Lúcia). Em tal Recurso Extraordinário fora indeferida uma reparação estatal, em caso que envolvia contaminação por HIV, após o autor realizar uma transfusão de sangue em um hospital público. Apesar de inviável o teste à época, coube ao poder público indenizar o cidadão por sua insuficiência. “Reina certa nebulosidade na doutrina e jurisprudência pátrias quanto à responsabilidade por omissão” (Medauar, 2014) E essa nebulosidade permanece até os dias de hoje.

Em uma era de novas dimensões de Direitos Fundamentais, é enternecedor a insegurança jurídica na responsabilização estatal em sua função de garantidor de direitos que se constituem, em sua maioria, como cláusulas pétreas. Há uma falta de posicionamento dos tribunais superiores em solucionarem tal lacuna do Direito. O artigo 37 § 6º condiz com a Teoria Integral do Risco, porém, diante de sua abrangência territorial e de responsabilidades, há de se observar o princípio da reserva do possível na restituição de valores do direito fundamental ferido. Cabe ao Estado, então, utilizar-se do seu direito de regresso contra o agente público, respondendo objetivamente, ao invés de impedir a reparação do dano sofrido pelo cidadão.

Não obstante, o STF acaba aplicando a Teoria Administrativista para solucionar os casos de responsabilidade do Estado, deixando-a subjetiva nas hipóteses de omissão. Explana Alexy: “Se os direitos subjetivos são compreendidos como posições e relações jurídicas no sentido apresentado acima, então, é possível distinguir entre (a) razões para diretos subjetivos, (b) direitos subjetivos como posições e relações jurídicas e (c) a exigibilidade jurídica dos direitos subjetivos. A insuficiente distinção entre essas três questões é uma das principais causas da interminável polêmica acerca do conceito de direito subjetivo, sobretudo, aquela travada entre as diferentes variantes das teorias do interesse e da vontade” (Alexy, 2006).

Posto isso, o Supremo acaba tratando uma responsabilidade que deveria ser objetiva, como subjetiva, com a finalidade de evitar uma suposta “quebra dos cofres públicos”, quando diante da omissão do Estado na prestação de seus serviços. Faz incidir, então, a reserva do possível como regra. Outrossim, o direito do cidadão acaba não sendo amparado em virtude da confusão e insuficiência das decisões.

Carecem, os tribunais, de pacificarem a responsabilidade civil omissiva do Estado não apenas do ponto de vista consequencialista, mas focando na existência de conflito de direitos que merecem solução à luz de regras de hermenêutica, dentre elas a que garante maior eficácia na proteção de direitos fundamentais.

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais (Tradução Vigílio da Silva) 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MADEUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

SCHMITT, Cristiano Heineck. Responsabilidade Cível. 1 ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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