Vote com Ciência: cientistas avaliam transporte público, mudanças climáticas e cidade digital

A Agência Escola UFPR, em parceria com o Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, convida você para uma conversa sobre três plataformas fundamentais da cidade: transporte público, emergências climáticas e cidade digital

Por Gabriel Domingos/Agência Escola UFPR e Observatório das Metrópoles
Supervisão Maíra Gioia

Eleitores e eleitoras de Curitiba e Região Metropolitana terão, após a publicação desta reportagem, mais uma semana para escolher aquele ou aquela que vai lhe representar nas Prefeituras e Legislativos municipais, nos 29 municípios que compõem a Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Nessas cidades, 116 pessoas colocaram seus nomes à disposição dos eleitores e eleitoras para gerir o executivo municipal. Além disso, são 4.371 opções para ocupar os cargos legislativos.

Pensando nisso, a Agência Escola UFPR, em parceria com o Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, convida você para uma conversa sobre três plataformas fundamentais da cidade: transporte público, emergências climáticas e cidade digital. Esses três temas principais passam, também, por áreas fundamentais como: educação, saúde, segurança e outras áreas fundamentais para a nossa vida e nossas decisões. O que a Ciência tem a dizer sobre elas?

Transporte Público

9h43 da manhã em uma terça-feira (24) do mês de setembro. A linha Eugênia Maria/Guadalupe encosta no ponto de início da viagem em direção a Curitiba e eu embarco para um trajeto que leva entre 1h e 1h20 para chegar ao Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Aqui, fica a sede do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles. São 71 pontos entre o início e o fim da minha viagem pessoal divididos em duas linhas de ônibus diferentes.

Com esse deslocamento, faço parte das quase 700* mil pessoas que transitam, todos os dias, pelos 29 municípios da Região Metropolitana de Curitiba. O valor da passagem de ônibus é de R$ 5,50 utilizando o cartão da empresa Metrocard ou R$ 6 se o pagamento for em dinheiro. Quatro cidades têm um valor mais elevado a R$ 6,50 no cartão e R$ 7,50 no dinheiro, são elas:

Agudos do Sul e Piên: a linha (I21 Piên/Fazenda Rio Grande – via Agudos do Sul) é a única oferta metropolitana para os dois municípios. Além do valor da passagem, é necessário pagar para acessar o terminal em Fazenda Rio Grande. No total, o preço da tarifa para ambos os municípios chega a R$ 13;

Mandirituba: atendimento pela linha (G71 Mandirituba/Curitiba);
Quitandinha: atendimento para Curitiba pela linha (G11 Quitandinha/Pinheirinho) e também para Rio Negro pela linha (Y97 Quitandinha/Rio Negro – via Campo do Tenente).

Mas, e se fosse gratuito andar por toda a Região Metropolitana? “O usuário do transporte coletivo já tem um custo extra que é o tempo. O tempo que ele gasta é maior do que o usuário do transporte privado e não se tem por hábito colocar isso na conta”, explica Patrícia Schipitoski Monteiro, pesquisadora integrante do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles.

Tomando como exemplo a viagem Piên – Fazenda Rio Grande: o tempo de permanência dos usuários no transporte será em torno de 1 hora e 20 minutos para ir e, depois, para voltar. Soma-se a isso o custo de 26 reais (ida e volta) para aquele que vem até Curitiba e 15 reais para os que param em Fazenda Rio Grande.

Além disso, de acordo com a tabela de horários da Metrocard, a linha I21 tem apenas um horário de saída de Piên em direção a Fazenda Rio Grande, às 5:30 da manhã. As saídas de Agudos do Sul são às 9:00. 15:00 e 17:30. De Fazenda Rio Grande, a linha sai às 7:30, 12:00 e 16:00 (em direção a Agudos do Sul) e às 19:00 (até Piên).

Esses são alguns fatores que aumentam, em tempo de vida, o custo da passagem do transporte público. Por isso, a pesquisadora Patrícia Schipitoski chama a atenção para a necessidade de buscar novas formas de custear a tarifa. Se o preço continua alto – em dinheiro e em tempo de vida – ela afirma, o sistema seguirá perdendo usuários. Mas, para garantir uma tarifa gratuita aos usuários, a pesquisadora alerta para a sustentabilidade dos programas.

“Algumas cidades têm fonte de renda própria suficiente para sustentar a operação, outras precisam de um apoio mais robusto”, diz. Uma das alternativas para a sustentabilidade da tarifa-zero é a PEC 25/2023, proposta de iniciativa popular apadrinhada pela deputada Luiza Erundina (PSOL-SP).

O texto dá duas possibilidades para financiar o transporte público: 1) a criação de um imposto sobre o uso viário para o sistema de transporte privado e 2) a instituição do Sistema Único de Mobilidade (SUM). A funcionar nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS), o SUM seria um fundo, gerido pelas três instâncias do Governo, para financiar as propostas de transporte. Ao Governo Federal caberia às propostas de políticas públicas de transporte universais e às esferas estadual e municipal caberia a adaptação e execução das medidas de acordo com cada exigência local.

Patrícia diz que soluções para a mobilidade urbana e o transporte público também dizem respeito ao conceito de “direito à cidade”. Significa proporcionar aos cidadãos acesso fácil, rápido e de qualidade ao lazer, educação, saúde e outras áreas importantes do município, por exemplo: o turismo. Em última instância, serve para “perder” o medo de andar pela cidade e ocupar as ruas

Emergências Climáticas

“A mudança é real, e está vindo rápido!”, essa frase é uma ligeira modificação de: “A inundação é real, e está vindo rápido!”, do personagem Abutre solitário de A era do gelo 2. É apenas com o aviso do abutre, que os demais personagens do filme assumem como sério o risco de uma catástrofe para o ambiente em que viviam. Para nós, esse sentimento de “desconfiança” também aparece.

Afinal, as mudanças climáticas são alterações graduais na temperatura global e só quando se tornam grandes eventos catastróficos chegam ao nosso conhecimento e, porquê não, espanto. Em 2023, por exemplo, o serviço climático da União Europeia identificou, pela primeira vez na história da Terra, um aumento de 1,5 ºC.

Lá atrás, nos anos 90, “nós tínhamos muito medo do El Niño e La Niña, hoje se sabe como funciona e que se um outro for mais intenso, fazemos alguma coisa”, fala o professor Francisco Mendonça do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e também colaborador do Observatório. Também colaborador do Núcleo Curitiba, o professor e pesquisador do Departamento de Geografia, Wilson Flávio Feltrim, chama a atenção para a quebra dos ciclos climáticos.

Elas são, explica o professor, o aumento de intensidade dos fenômenos naturais, por exemplo: El Niño/La Niña. Imagine um círculo cobrindo a Região Centro-Oeste, o sul do Amazonas, a metade norte do Paraná, o oeste de São Paulo e Minas Gerais e mais a Região Nordeste, naturalmente essa parte do Brasil é mais seca durante o inverno. Acontece que, diz o pesquisador, a intensidade desse fenômeno aumentou.

“Se você retira uma quantidade significativa de vegetação da superfície, você diminui a disponibilidade de água na atmosfera e, como consequência, temos menos nuvens e menos chuvas”, afirma Wilson.

O clima seco a partir da alteração do regime de chuvas favorece, também, a possibilidade de ocorrência de queimadas, como as registradas em todo o Brasil, sobretudo, na Amazônia. Esses eventos extremos e de potencial catastrófico são geradores, também, da chamada “eco-ansiedade”, explica Francisco Mendonça: as pessoas que sofrem com eventos extremos têm as vidas alteradas por muito tempo, elas lidam com o estresse e a perda de bens materiais. Para Wilson Feltrim, a necessidade maior é garantir que as pessoas tenham moradia segura e sejam capazes de se adaptar aos riscos e diminuir o sofrimento com os eventos extremos.

A pesquisa ambiental apresenta, também, panoramas positivos. Um deles é a pesquisa epidemiológica a partir do esgoto. Conta Ana Trovão, pesquisadora integrante do Observatório das Metrópoles, que é possível prever um surto de covid-19 e, até mesmo, identificar o aumento de uso de cocaína nas cidades a partir das evidências encontradas no esgoto. Outra área, que sofre muito com as transformações climáticas, a agricultura também pode ser beneficiada com esses estudos:

“O esgoto residencial é basicamente matéria orgânica. Quando ele está no processo de tratamento, as bactérias consomem a matéria e depois excretam um lodo separado da água e que é rico em matéria orgânica. Essa matéria, após passar por um processo de desinfecção pode ser utilizada como fertilizante”, conta Ana. Esse produto, ela explica, pode ser usado em solos e plantas específicas e se torna um super-fertilizante.

Próxima parada: cidade digital

Começamos essa viagem embarcando em uma linha de ônibus. Ao subir em um dos coletivos da capital, os usuários do transporte com direito a desconto ou isenção pelo cartão são fotografados cinco vezes. Essas imagens são imediatamente enviadas para um sistema de checagem da identidade dos passageiros.

Esse processo acontece sob a justificativa de que o uso indiscriminado do cartão de isenção e/ou desconto pode encarecer o valor da tarifa. Contudo, alerta Carolina Israel – coordenadora do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles – trata-se de um direito fundamental que é, cada vez mais, atrelado à cessão de dados biométricos e pessoais.

Um desses dados, acessível às empresas (privadas) que operam o transporte público, é o padrão de deslocamento espacial dos passageiros pela cidade. Só no sistema de Curitiba, são 873** câmeras em operação. Elas ficam dispostas em terminais, estações-tubo e nos próprios ônibus.

Em seu site oficial, a Prefeitura de Curitiba informa que as políticas de monitoramento “Seguem as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, de 14 de agosto de 2018”. Contudo, a própria LGPD, exime o Poder Público da necessidade de consentimento dos cidadãos titulares dos dados, incluindo informações sensíveis, para questões relacionadas à segurança pública.

Segurança é, justamente, a principal bandeira dos discursos em favor do uso das tecnologias de monitoramento e, também, o uso principal em que elas são aplicadas. Dois problemas ficam expostos a partir dessa situação, diz Carolina Israel: 1) importação de soluções de outros países que não necessariamente se aplicam à realidade local e 2) convicção teórica que reduz os problemas sociais à esfera tecnológica, o chamado ‘tecno-solucionismo’.

Além disso, os programas de monitoramento e coleta de dados são, hoje, atrelados aos algoritmos, como explica Rodrigo Firmino – professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e colaborador do Observatório das Metrópoles. Os algoritmos são programados por uma pessoa e o comportamento desta, diz Carolina Israel, é projetado para a análise dos contextos. Estando enviesado e sem um fator de análise humano, o algoritmo aumenta a margem de erro nas análises de dados.

Daí vem uma outra preocupação associada, principalmente, a área da educação. Foi analisada pelo Observatório das Metrópoles, a iniciativa de monitoramento de emoções dos alunos da rede estadual de ensino. Essas “análises” são feitas a partir da captura de imagens dos estudantes. Acontece que: “Os dispositivos de monitoramento de emoção são pseudociência, as emoções não são identificáveis.”, alerta Carolina Israel.

Segundo a pesquisadora, emoções podem variar de acordo com o ano, o dia, a semana, a hora, o espaço geográfico, o clima e, também, de uma geração para outra. Assim, torna-se impossível para uma tecnologia interpretar emoções humanas.

O desafio para a Ciência, aponta Carolina Israel, é a formulação de soluções tecnodiversas. Segundo a pesquisadora, essa é uma proposta para deixar de apenas importar soluções do Norte Global e passar a estudar os problemas locais e, também, as possibilidades a partir dos conhecimentos produzidos a nível local.

Hoje, porém, a pesquisadora entende que a aplicação de tecnologia digitais tende ao monopólio, sobretudo, de grandes corporações. Por isso, uma tecnodiversidade também precisa fugir aos preceitos básicos da busca por lucro de mercado e precisa, segundo Carolina, ser regida por aspectos éticos e públicos.

O dado mais recente sobre o deslocamento pendular e os números de concentração urbana são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2016. Com a realização do Censo Demográfico 2022, há expectativa para a atualização desses números. No site do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles, principalmente nas abas “livros” e “artigos científicos” também há materiais de análise científica sobre a migração pendular na Região Metropolitana de Curitiba.

** Dado sujeito a atualização.

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