Revogação da Licença Especial e o direito à conversão em pecúnia

A revogação da licença especial estabelece um cenário no qual os direitos adquiridos são respeitados, porém condicionados a regulamentações específicas para a conversão em pecúnia

I – Introdução

Após a revogação da licença especial prevista no artigo 247 do Estatuto dos Servidores Públicos do Paraná (Lei nº 6.174/1970) pela Lei Complementar nº 217/2019, surgiram diversos questionamentos sobre os direitos adquiridos pelos servidores que, até a data da publicação da lei revogadora, faziam jus a essa licença, também conhecida como licença prêmio. Depois de quase quatro anos, a Resolução SEAP Nº 2.903, de 12/9/2023, estabeleceu os critérios de cálculo dos valores devidos para fins de indenização dos servidores que não usufruíram a licença especial adquirida, o que renovou os questionamentos anteriores e acrescentou outros.

Diante disso, esse artigo tem o objetivo de esclarecer os efeitos jurídicos da revogação, especialmente no que diz respeito à possibilidade de conversão da licença especial em pecúnia.

II – A extinção da licença e o direito adquirido

O artigo 3º da Lei Complementar nº 217/2019 garante o direito do servidor estável que fizer jus à licença especial na data de sua extinção, de modo que é seguro afirmar que tal direito é adquirido e está sujeito à prescrição. Contudo, esse dispositivo, por si só, não confere um direito subjetivo à conversão da licença especial em indenização pecuniária.

O artigo 4º determina que a fruição da licença especial deve ocorrer dentro de um período de dez anos a partir da data da publicação daquela lei complementar, instrumento normativo que extinguiu o benefício aqui tratado. Assim, é possível inferir que: (i) o direito à fruição da licença já deve possuir o caráter de adquirido na data da publicação da referida lei complementar; e (ii) a data da publicação marca o início do prazo de dez anos para a fruição.

No entanto, a possibilidade de fruição após a extinção da licença – nos dez anos subsequentes – e a conversão em pecúnia para servidores ativos estão sob a discricionariedade da Administração Pública, conforme estabelecido no artigo 6º da mesma lei e regulamentado pelo Decreto nº 431/2020. Embora essa norma infralegal permita a conversão em pecúnia, esse procedimento só pode ocorrer se houver o requerimento expresso e a aceitação das condições de parcelamento e desconto para pagamento administrativo.

III – Condicionantes e Discricionariedade da Administração

De acordo com o que dispõe o artigo 25 do Decreto nº 431/2020, a conversão da licença em pecúnia depende da disponibilidade orçamentária e financeira. Além disso, havendo a possibilidade de fruição da licença por estar o servidor em pleno exercício funcional, inexiste o caráter compensatório no pagamento correspondente à licença. Por isso, a jurisprudência, como demonstram exemplificativamente as decisões da 4ª Turma Recursal, tende a não reconhecer um direito subjetivo à conversão em pecúnia na ausência de fruição ou negativa administrativa formal[1].

Assim, quando a licença ainda pode ser usufruída e não houve negativa administrativa para tanto, a conversão em pecúnia não se constitui como um direito subjetivo do servidor.

IV – Direitos dos Servidores Inativos

Aos servidores inativos, por outro lado, a conversão em pecúnia é um direito exigível, conforme disciplina extraída do artigo 5º da citada Lei Complementar. De acordo com esse dispositivo, quando for verificada a existência de licença especial não gozada no momento da passagem do titular de cargo público efetivo para a inatividade ou encerramento do vínculo com a Administração, o servidor ou o seu dependente poderá requerer indenização em pecúnia. Ressalta-se, no entanto, que isso somente será possível na hipótese em que não tenha sido utilizada para outro efeito legal e não esteja prescrita.

Nesses casos, é a impossibilidade de fruição após a aposentadoria que justifica a indenização, evitando o enriquecimento ilícito da Administração Pública.

V – Perspectiva Futura

Após o prazo de dez anos para a fruição da licença, caso ela não tenha sido gozada, o direito subjetivo à indenização se consolida. O Poder Judiciário tende a reconhecer esse direito, registrando a posição de que, após o decurso do prazo, a indenização se torna exigível. Confira-se:

RECURSO INOMINADO. POLICIAL MILITAR EM ATIVIDADE. PEDIDO DE CONVERSÃO DE LICENÇA ESPECIAL EM PECÚNIA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À INDENIZAÇÃO QUE APENAS SURGE QUANDO SUPERADO O PRAZO DE 10 ANOS PARA A SUA FRUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE E NÃO DEVER DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDENIZAR O SERVIDOR, QUANDO DISPONIBILIZADAS E ACEITAS AS CONDIÇÕES PARA A CONVERSÃO DA LICENÇA EM INDENIZAÇÃO, MEDIANTE PARCELAMENTO E DESCONTO. RECURSO INOMINADO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR – 4ª Turma Recursal – 0007903-62.2020.8.16.0035 – São José dos Pinhais – Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS TIAGO GAGLIANO PINTO ALBERTO – J. 12.05.2021)

Ainda que o caso acima transcrito seja de um servidor militar, aplica-se ao servidor civil, considerando que a Lei Complementar em questão não fez distinção quanto à natureza do cargo. Veja-se o teor do artigo 3.º: “Assegura o direito do servidor civil e militar estável que, na data da publicação desta Lei Complementar, fizer jus à licença especial por ela extinta, que não tenha sido gozada, utilizada para outros fins nem esteja prescrita, observadas as regras do Capítulo II desta Lei quanto à fruição”. (Grifou-se).

VI – Conclusões

A revogação da licença especial trazida pela Lei Complementar nº 217/2019 estabelece um cenário no qual os direitos adquiridos são respeitados, porém condicionados a regulamentações específicas para a conversão em pecúnia. Enquanto os servidores ativos dependem da discricionariedade da Administração Pública para essa conversão, os servidores inativos têm um direito exigível à indenização, justamente para evitar o enriquecimento ilícito da Administração.

Não se pode perder de vista que, após o decurso do prazo de dez anos contados a partir da publicação da referida lei complementar, consolida-se o direito à conversão em pecúnia para aqueles servidores que não fruíram a licença – mesmo aqueles em exercício –, tendo em vista que o pagamento assume o caráter indenizatório.  


[1] Confira-se exemplificativamente:

TJPR – 4ª Turma Recursal – 0013530-35.2019.8.16.0018 – Maringá – Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS LEO HENRIQUE FURTADO ARAUJO – J. 09.09.2021: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIOA. FAZENDA PÚBLICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRETENSÃO DE CONVERSÃO EM PECÚNIA DE LICENÇA-PRÊMIO NÃO USUFRUÍDA. AUTORA QUE USUFRUIU DE APENAS UM TERÇO DA LICENÇA PRÊMIO. CONVERSÃO EM PECÚNIA DO RESTANTE. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. SERVIDORA EM ATIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA ADMINISTRATIVA. LICENÇA QUE AINDA PODE SER USUFRUÍDA. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS A TEOR DO ART. 46 DA LEI 9099/95. Recurso do autor conhecido e desprovido.

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