Abrindo o meu voto

Como se estivesse exumando um cadáver que morreu de desgosto, abro meu voto e declaro, trêmulo e febril, com dor nas juntas, nos músculos, nos órgãos internos, com descargas elétricas contínuas no sistema límbico, convulsões mioclônicas, repuxões faciais, tiques e espasmos […]

Como se estivesse exumando um cadáver que morreu de desgosto, abro meu voto e declaro, trêmulo e febril, com dor nas juntas, nos músculos, nos órgãos internos, com descargas elétricas contínuas no sistema límbico, convulsões mioclônicas, repuxões faciais, tiques e espasmos nas pálpebras, gargalhadas involuntárias seguidas de choro compulsivo, vermelhidão, palpitação, fogacho com calafrios simultâneos, vômitos, escamações nos membros inferiores, necrose no dedo indicador, pústulas e furúnculos em regiões indescritíveis, tontura, cianose, cãibras, acidez no estômago, soluço intermitente, sudorese, amnésia anterógrada, ínguas, gota, diverticulite, aftas, brotoejas e seborreias pelo corpo todo, insônia crônica, cefaleia cervicogênica, palpitações, sensação de morte e prestes a ter uma combustão espontânea, que meu voto será em Eduardo Pimentel, 55, para não ver a extrema-direita tomando de assalto uma cidade que tem tudo para ser a vanguarda do pensamento, mas parece optar pela escuridão medieval de Gilead.

Um dos dois motivos que me fariam votar em Eduardo Pimentel para qualquer cargo é que seu avô, Paulo Pimentel, é um sósia do Jerry Lewis. O outro é se algum expoente da extrema-direita estiver disputando uma vaga contra ele para qualquer cargo. 

Sim, sabemos todos que, caso eleito, Eduardo deve ficar oito eternos anos na prefeitura. Depois oito anos no governo do estado, em seguida mais oito anos como senador da República, então outros oito como governador, mais 16 como senador, de novo oito como prefeito, mais 16 como senador novamente, acrescente 20 como deputado federal, some mais oito na prefeitura e o mesmo número de anos como governador além de pelo menos mais 16 como deputado estadual. Isso sem contar 24 anos como vereador só para garantir a aposentadoria. E então, quando suas mãos trêmulas não conseguirem mais assinar um contrato de concessão de linhas de ônibus para as mesmas empresas que participam de licitações suspeitas nos dias de hoje, algum descendente seu ou de uma dinastia irmã assume o posto de “preparado/a” para governar o feudo pelos próximos cinco séculos.

Quando Pimentel aparece ao lado de Ratinho Jr. num lugar que lembra um heliporto, ambos com camisas brancas que parecem ter custado o preço de duas creches e cinco CMEIs, me dá uma sensação de derrota instantânea. É como se os herdeiros do engenho voltassem da Europa para acenar aos escravos e jogar umas paçoquinhas rolha para eles (nós), como forma de demonstrar alguma humanidade. Depois os dois painhos voltam à Casa Grande para celebrar a vida, enquanto todo mundo observa suas silhuetas nas janelas ao longe, sem permissão para entrar na casa. Mas essa é a parte menos deprimente de sua candidatura.
A infiltração bolsonarista em sua chapa é que faz tudo parecer uma grande cilada, Bino.

É possível que Pimentel esteja preocupado com problemas reais da maioria da população, creches, ônibus e hospitais. Porém, seu vice é desses que moram nas entranhas de um texto do Rodrigo Constantino. Paulo Martins já se definiu como monarquista. Até imaginei que ele iria aparecer com roupas de cavaleiro templário e segurando uma alabarda nos windbanners eleitorais espalhados pelas esquinas. Até aí seria divertido, vê-lo equilibrar-se entre um cargo republicano e o desejo ardente de ser plebeu. Acontece que ele é do grupo de cheerleaders do inelegível Jair Bolsonaro, age, pensa e espuma de ódio com frequência, como a adversária do candidato de Greca.

Porém, a outra opção é a Cristina Graeml, cujo sobrenome em alemão significa “é falso que ganhei o Prêmio Esso de Jornalismo”. Acho que ela não consegue dizer um “oi” sem distorcer o sentido da palavra, o contexto em que ela é aplicada, sua classe gramatical e sua etimologia. Assim como um buraco negro – ou o Brasil Paralelo – Graeml dobra e distorce a realidade até ela virar um Adramaleque de bexiga. Se Pimentel é o herdeiro da grande gleba, Graeml e seu vice Jairo Filho -outro cheerleader do inelegível – são os Hunos com tochas nas mãos atravessando o Rio Belém (que cena!), prontos para “espantar nossas crianças e estuprar nosso gado”, como diriam comediantes dos anos 70. E sem direito a paçoquinha rolha.

Pimentel também é bolsonarista, sabemos, assim como a Cristina Graeml. E hoje são rivais que amanhã podem muito bem passear de braços dados em uma motociata de conveniência, sob a sombra de um Bolsonaro de papelão. No entanto, dos quatro personagens que disputarão nossos votos no domingo, 27/10, ele é o único que não rezaria para um pneu. E isso é muito nos dias hoje.

Que Jerry Lewis nos abençoe.

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