O desaparecimento de Loan Danilo Peña

Enquanto Javier Milei saltita pelo mundo entre eventos da extrema-direita, a Argentina real está de olho no sumiço de Loan Danilo Peña

Enquanto o presidente da Argentina Javier Milei saltita pelo mundo entre um evento e outro da extrema-direita, levando seu show de horrores para todos os lados, inclusive ao Brasil, a Argentina real está de olho em um insólito acontecimento digno de filme de Demián Rugna: o desaparecimento de Loan Danilo Peña. Um mistério que, nem se estivesse solto, Don Isidro Parodi seria capaz de resolver.

Loan é um menino de cinco anos que está sumido há mais de 20 dias e a polícia, assim como a imprensa sensacionalista que cobre o caso 24 horas por dia, não consegue pistas suficientes para farejar o rastro do garoto, ficando perdidos no mundo das hipóteses delirantes. As alternativas levantadas por investigadores, advogados e jornalistas são escalofriantes, como se diz na Argentina. Uma delas diz que ele foi devorado por jacarés. Outra, que foi vítima de um ritual satânico. A principal é que foi sequestrado por uma quadrilha especializada em tráfico de pessoas.

O caso aconteceu na província de Corrientes, norte da Argentina, em uma localidade rural de Sán Roque, chamada 9 de Julio. Lá fica a “Paraje Algorrabal”, um lugar que se parece em muito com as estâncias mostradas no perturbador O Mal que Nos Habita, de Rugna. Se você não viu o filme, é uma das sensações da Netflix e merece uma chance. Algorrabal é o sítio da avó de Loan, Catalina Peña, uma anciã de 85 anos. Pertence a uma paisagem pastoral de campos e lagunas e abriga animais como a yaguareté, a onça argentina. Trata-se de uma planície onde se anda a cavalo por caminhos de estradas que se bifurcam e pode-se ficar um longo tempo sem ver uma alma humana – a grande vantagem do lugar.

É uma Argentina muito mais terceiro mundo do que a de Jorge Luis Borges, apesar de que não deve ser difícil encontrar um “compadrito”, com um cuchillo na bota, jogando uma moeda para o alto na esquina de um armazém em 9 de Julio. Foi nesse cenário que Loan sumiu quase sem deixar vestígios.

A oferenda para Santo Antonio

Catalina ofereceu um almoço de domingo a parentes e amigos da comunidade a fim de pagar uma promessa feita a Santo Antonio que, segundo ela, ajudou-a a encontrar seu celular perdido. Na mesa, além dos conhecidos, estava uma espécie de elite local, como um marinheiro aposentado, uma líder comunitária e um comissário de polícia. Todos presos, suspeitos de participação no sumiço de Loan. A farsa de que o menino se perdeu pelo descampado depois de voltar de um pomar onde estavam colhendo laranjas parecia uma explicação razoável, mas não parava em pé. O laranjal nem mesmo tinha laranjas. Centenas de amigos e vizinhos varreram a região e nada encontraram, além de um pé de sapato do menino, deixado propositalmente para confundir as equipes de busca.

Ficções

Então começaram as hipóteses mais delirantes. Foi ventilada a possibilidade de o garoto haver sido atacado por um animal selvagem. Isso fez com que a ministra da Defesa da Argentina, Patricia Bullrich, fosse até o local e prometesse entregar aparelhos de radiografia para examinar a barriga de jacarés e pumas – o realismo fantástico do governo de Javier Milei não é uma piada, é apenas a bizarrice habitual com que a extrema-direita lida com casos sensíveis às vidas humanas. Está se criando por lá algo como o Febeapá portenho. Até mesmo um midiático advogado que se propôs a defender a família Peña em troca de holofotes não descartava a hipótese do garoto ter sido sacrificado em um ritual satânico, colocando a octogenária avó Catalina sob suspeita de ser a curandeira responsável pela cerimônia macabra, o que jogou-a praticamente na fogueira da opinião pública.

Por falar em fogueira, a população local já foi às ruas com faixas e tochas e apedrejaram a casa onde uma tia do garoto, acusada de participar do esquema, estava hospedada. 

Realidade

Segundo dados oficiais, há 1.777 crianças e adolescentes desaparecidos na Argentina. E algo em torno de 1.500 denúncias anuais de menores que sumiram. Boa parte deles caíram nas mãos de máfias que as vendem com as piores intenções possíveis. Testemunhas denunciam até a polícia e agentes do governo de estarem por trás do sequestro. Tanto é que as investigações estão nas mãos da polícia federal.

Resta à família acender velas para que Santo Antonio encontre o pequeno Loan, apesar de que isso me parece uma tarefa um tanto mais complexa do que achar um celular. Nesse meio tempo, o governo estuda uma forma diplomática de convencer os jacarés da região a deixá-los  fazer uma radiografia em suas barrigas impolutas.

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