Entrevista com Alexandre Callari sobre Arena

Entre os lançamentos mais aguardados dos quadrinhos nacionais no último ano está, sem sombra de dúvidas, a primeira produção em HQs de Alexandre Callari dentro da editora Pipoca e Nanquim. “Arena” foi comentado ao longo de 2021, gerando expectativa para uma história que parecia estar há bastante tempo na vida do autor. Como ele conta em textos dentro do quadrinho já lançado, 10 anos, especificamente.

Agora com o trabalho em mãos, acompanhamos a trajetória de dois personagens curiosos e bem intrigantes. Inicialmente, o protagonista é José Prado, que está atrás de criar um torneio gigantesco de lutas, chamado de ARENA – sim, o título da obra. O vencedor receberia a bolada de R$100 mil. Contudo, a falta de investimentos e patrocínio faz o evento ir de mal a pior. A virada de chave é quando José reencontra um antigo colega de lutas, Rômulo Cruz, especialista em artes marciais, que perdeu contato após um acidente. A entrada dele faz o torneio ganhar repercussão e sucesso.

Uma história bem clássica de lutas, e que consegue captar o leitor justamente dentro disso. Uma trama em que ficamos aflitos para o desenvolvimento e, obviamente, para as grandes batalhas findouras, é impossível sem personagens cativantes. E Callari consegue fazer isso perfeitamente bem. Junto disso, os desenhos de Alan Patrick trazem o tom que mistura uma fantasia corporal – algo no estilo de jogos de luta e até mesmo quadrinhos dos anos 1990 -, junto com uma brutalidade, que vai ganhando espaço no decorrer das páginas.

Sobre tudo isso, conversei com Alexandre Callari. Você confere a entrevista completa abaixo:

Cláudio Gabriel: Como surgiu a ideia na sua cabeça de produzir uma HQ sobre luta? Sei que você tem um envolvimento com as artes marciais.

Alexandre Callari: Eu comecei a praticar artes marciais aos 14 anos de idade, de modo que essa atividade sempre foi uma parcela fundamental da minha vida. Passei por muita coisa ao longo dessas três décadas como praticante e lutador, e achava que parte dessa experiência seria interessante o suficiente para servir de base pra minha história. Quando surgiu a oportunidade e a necessidade de escrever algo ambientado nesse universo marcial, eu já tinha todo o conhecimento e disposição necessários para levar a história a cabo.

CG: Você comenta nos textos do livro que boa parte da história tem relações com pontos da sua vida. Se enxerga no personagem Rômulo, de alguma forma?

AC: Rômulo sofreu traumas pelos quais eu passei quando era jovem e que foram determinantes para o caminho que segui na vida, contudo, criei um personagem muito mais amargurado para dar sustância dramática à história. Não pactuo com todos os pontos de vista de Rômulo por causa disso, pois busco uma visão mais otimista da vida, em contraponto ao pessimismo dele. Mesmo assim, há muito de mim nesse personagem.

CG: Um aspecto muito interessante de “Arena” são as transições entre os protagonismos de Rômulo e de José Prado. Qual a importância de ter esse balanço dos dois dentro da história?

AC: É essencial. Embora cada qual à sua maneira lide com um tipo de trauma, ambos têm visões diferentes do mundo. Rômulo está cansado e conformado; ele prefere não tentar virar o jogo, mesmo quando recebe boas cartas na mão, apenas pelo medo de se frustrar novamente. Já José tem a necessidade de se provar digno; ele se sente inferior ao seu pai, seu sócio e até a sua esposa, mas não se abala. A ânsia de vencer na vida o coloca em maus lençóis, deixando-o numa situação pouco confortável, mas toda a trajetória de produzir o evento o aproxima do espírito marcial de verdade, que é algo que ele havia perdido.

CG: Qual foi a relevância da escolha de Alan Patrick para os desenhos? Causa um dinamismo muito forte e parece ter uma clara brincadeira de uma realidade crua, mas também meio fantasiosa.

AC: Patrick foi o artista ideal. Ele consegue desenhar fantasia, beleza idealizada e a realidade mais crua com a mesma excelência. Há muitos diálogos longos, os quais ele consegue tornar interessante, além de ser muito bom em expressões faciais e na construção dos cenários. Isso sem contar que, quando é necessário criar impacto, ele produz splash pages deslumbrantes.

CG: As mulheres são um ponto também importante dentro da narrativa, já que estão meio onipresentes dentro desse universo considerado “masculino”. Como pensou essas personagens em “Arena”?

AC: Em 2011, quando a história se passa, o MMA feminino não estava tão consolidado quanto hoje, portanto, eu já sabia que não haveria espaço para lutadoras na história. Por outro lado, queria personagens que fossem fortes. Sandra, apesar de aparecer pouco, é o sustentáculo de José – e isso fica bastante claro. Já Ana é a força motriz da história. Pode parecer que ela é salva por Rômulo na metade da HQ, mas logo fica claro que é o oposto. De várias maneiras, essas mulheres são mais fortes do que os brucutus da trama, o que não deixa de ser um contraponto interessante. Com toda aquela massa muscular, todo aquele vigor e potência, Rômulo só consegue dar o passo rumo à sua redenção quando tem o apoio de Ana.

CG: Você comenta que a HQ foi um projeto de dez anos. Acha que conseguiria passar ainda mais tempo nessa história e nesse universo?

AC: Acho que sim. “Arena” tornou-se parte da minha vida!

CG: O Brasil tem uma bagagem muito forte das artes marciais, desde os irmãos Gracie até, mais recentemente, Anderson Silva, além do MMA ser extremamente popular por aqui. Por que acha que não fazemos tantas histórias sobre luta?

AC: É um verdadeiro crime. Nós temos uma arte marcial que faz parte do nosso patrimônio cultural, a capoeira, mas raramente vemos expressões artísticas que a envolvam. Os EUA fazem filmes sobre boxe, chineses sobre kung fu, japoneses sobre caratê e tailandeses sobre muay thai; e todos esses países e outros possuem grande tradição de filmes de ação, mas nós parecemos ter receio disso. Mesmo no âmbito esportivo, vemos filmes de beisebol, hóquei, basquete e luta livre, mas, por mais que o Brasil seja o país do futebol, isso não se reflete na nossa produção artística. Creio que já passou da hora de mudarmos essa realidade.

CG: Você chega a abordar que o quadrinho poderia ter sido um romance ou até mesmo um filme. Por que acha que, no fim das contas, o mundo das HQs tenha sido a melhor escolha?

AC: Eu não conseguiria representar a metáfora da fera de uma maneira tão consistente quanto nas HQs. Nesse sentido, a mídia dos quadrinhos acabou sendo uma escolha superior às demais linguagens artísticas.

CG: Acredita que podemos continuar vendo mais desse universo? Tem interesse de continuar a história?

AC: Gostaria de continuar a história, sim. Não vou dizer que tenho uma ideia clara da direção que eu seguiria, porque não é verdade, mas seria interessante ver quais os rumos que a vida de Rômulo, Ana e José tomaram após o evento. Hoje estou trabalhando em outras histórias que não têm a ver com “Arena”, mas seria uma possibilidade futura.

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