O que aconteceria em Curitiba se o ônibus tivesse tarifa zero?

Plural explica as consequências de uma das principais propostas em discussão na eleição municipal deste ano

O transporte coletivo de Curitiba deverá ser tema de inúmeras propostas nas eleições deste ano, incluindo a possibilidade da tarifa zero . É também um dos elementos da política municipal com maior potencial de afetar imediatamente a vida e a rotina de todos os curitibanos, mesmo os que não têm a menor intenção de utilizá-lo. Qualquer mudança no sistema de transporte coletivo implica mais ou menos trânsito por toda a cidade, impacta o número de acidentes de trânsito – e consequentemente os custos do Sistema Único de Saúde relativos a internações, na economia local e até mesmo na qualidade do ar.

Com a adoção da tarifa zero em cidades como Araucária e Paranaguá, a discussão sobre o assunto tem ganhado tração em Curitiba, muito embora a capital seja um mercado muito maior que o dessas duas cidades. O Plural analisou documentos da URBS, os relatórios da Comissão de Transporte da Câmara Municipal, dados da rede de transporte e pesquisas sobre o tema para explicar quais seriam os principais impactos do fim da tarifa em Curitiba.

Como toda política pública, essa teria resultados bons e outros nem tanto. Haverá redução de custos para empresas e a população em geral, geração de empregos e estímulo a economia local. Mas também será preciso viabilizar o alto custo do sistema, que é quase de R$ 1 bilhão hoje e pode chegar a R$ 3 bilhões com o aumento no número de passageiros, o que pode implicar na criação de novos impostos e taxas.

Por outro lado, a concessão do serviço de transporte coletivo, licitada em 2009, se encerra no próximo ano, dando ao próximo prefeito (ou prefeita) a chance de modelar as próximas décadas do setor na cidade. É a última chance de a população se manifestar nesta década, através do voto, sobre como o transporte público da cidade deve funcionar.

Confira o cenário previsto para implantação da proposta em Curitiba:

Tarifa zero reduz custos para empresas

O fim da tarifa do transporte coletivo significaria uma economia de cerca de R$ 56 a R$ 80 milhões por mês para as empresas que têm funcionários com remuneração de até 2 salários mínimos. Isso significa uma economia de R$ 650 milhões a quase um bilhão por ano. Esse valor é uma estimativa calculada em cima do valor do vale transporte pago pelas empresas para os funcionários menos o desconto de até 6%. Há também a possibilidade de parte ou todo esse valor ser pago pelas empresas diretamente para a administração municipal, na forma de uma nova taxa ou imposto para financiar o transporte coletivo gratuito.

Geração de empregos

O valor economizado com o vale transporte pode se transformar em novos empregos. Considerando uma redução de custos da ordem de R$ 56 milhões por mês, a estimativa é de possibilidade de criação de até 24 mil empregos com remuneração de um salário mínimo na cidade. No caso de as empresas não terem redução no valor devido a cobrança de um novo imposto, ainda assim o aquecimento da economia local promovido pelo maior uso do transporte pode ter o efeito colateral de gerar novos empregos.

Estímulo à economia local

Ter um modal de transporte sem custo para a população pode ser um poderoso recurso para estimular a economia local. O relatório da Comissão do Transporte da Câmara de Curitiba aponta que em outras cidades que zeraram a tarifa do ônibus houve crescimento da ordem de 30%. Essas experiências, porém, são em cidades muito menores que Curitiba e não são facilmente transponíveis para a realidade de uma capital.

Eliminação de empregos de cobradores

Sem a cobrança da tarifa 1.340 cobradores da Rede Integrada deixariam de ter um emprego. Em termos de custo, isso representa uma redução de R$ 42,9 milhões por ano ou 4% do custo mensal do sistema. Importante notar que a eliminação de empregos de cobradores já está acontecendo nos últimos anos por conta da implantação da cobrança da tarifa por cartão. É provável que mais trabalhadores do sistema percam o emprego, especialmente os que trabalham nos terminais de integração, que provavelmente deixariam de existir.

Aumento do número de passageiros

A eliminação da tarifa do transporte coletivo tem o potencial de atrair mais 18 milhões de passageiros por mês para o sistema. Atualmente o sistema transporta pouco mais de 11 milhões de pessoas por mês. Em 2010, quando o serviço foi licitado eram 25 milhões de passageiros por mês. O relatório da Comissão do Transporte da Câmara Municipal de Curitiba é mais conservador: estima em 11 milhões o aumento no número de passageiros da RIT.

Gasto extra de até R$ 1,7 bilhão

Para bancar um sistema sem tarifa a prefeitura de Curitiba teria que encontrar algo em torno de R$ 850 milhões a R$ 1,7 bilhão para complementar os cerca de R$ 85 milhões que subsidia hoje. Não é pouco dinheiro. É algo entre 6,5% e 13% do orçamento da cidade, que é de R$ 12,9 bilhões. A previsão tem base no custo atual do sistema e a estimativa da Comissão do Transporte da Câmara Municipal de aumento de custo do sistema.

Criação de novas receitas municipais

É improvável que a administração municipal consiga viabilizar os valores só reduzindo despesas ou transferindo recursos. Em outras cidades, o subsídio ao transporte coletivo veio na forma de cobrança de pedágio dos carros que circulam em áreas como o Centro da cidade. Uma das opções é a cobrança de uma taxa das empresas da cidade sobre a folha de pagamento em substituição ao gasto com vale transporte. Isso arrecadaria entre R$ 650 a um bilhão de reais por ano, o que pode dar conta de 60% a 76% do custo do transporte.

Outra possibilidade é a cobrança de passagem de usuários esporádicos. Isso exigiria atrelar o uso do transporte coletivo a residência em Curitiba. Ou a tarifação de serviços de transporte individual, como Uber e 99.

Fim dos terminais de ônibus

Desde a década de 1980 os passageiros do transporte coletivo de Curitiba utilizam os terminais de integração para trocar de linha de ônibus sem pagar uma nova passagem. Se deixar de cobrar passagem, a Rede Integrada deixará de ter uma razão para manter os terminais. Isso irá representar redução nos custos de manutenção, eliminação de empregos nos terminais. Por outro lado abre a possibilidade de transformação desses locais – todos bem localizados em todas as regiões da cidade – em outras iniciativas que podem até trazer receita para a Rede.

A dificuldade é que a Prefeitura de Curitiba investiu na construção de novos terminais (inclusive o que está previsto no projeto do Novo Inter 2) e na instalação de painéis solares.

Aumento na lotação dos ônibus

A redução da tarifa de ônibus para zero irá aumentar o número de passageiros transportados por dia e, consequentemente, a lotação dos veículos.

Mudança na remuneração das empresas

Atualmente as empresas concessionárias do sistema recebem por passageiro pagante equivalente (um cálculo que inclui os que pagam a tarifa, os que pagam com desconto e os que têm isenção). O valor pago (a tarifa técnica) é calculado a partir da divisão do custo por quilômetro rodado pela razão entre o número de passageiros atendidos e a quilometragem rodada no mês. Sem a arrecadação de passagem, o novo modelo deve passar a remunerar as empresas por quilômetro rodado.

Menos acidentes e gastos no SUS

A migração de parte da população para o transporte coletivo tem relação direta com a redução do número de acidentes de trânsito. Em Paranaguá, a implantação da tarifa zero resultou na redução de acidentes da ordem de 45%. Além de redução no custo humano dos acidentes, há também uma redução significativa nos gastos do Sistema Único de Saúde com internações resultantes.

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5 comentários em “O que aconteceria em Curitiba se o ônibus tivesse tarifa zero?”

  1. Nada que é grátis é valorizado pelas pessoas.
    Grátis é sinônimo de terra-de-ninguém.
    Grátis é sinônimo de não-preciso-conservar.
    Gratuidade atrairia uma imensa quantidade de “desocupados” para dentro dos ônibus. Na prática aumentaria mais ainda a desocupação do sistema. Sucateamento dos ônibus seria certo.
    Melhor gastar o dinheiro auxiliando as cidades da RMC a se conectarem decentemente com a capital.

  2. Não vejo razão para acabar com os terminais se tivéssemos tarifa zero, eles são, antes de mais nada, conectores de linhas. Não é como se o itinerário da maioria das linhas deixasse de ter pontos de embarque nos terminais, não vi sentido algum nesta conjectura.

    Uma questão que ficou de fora seria a necessidade de se comprar mais ônibus, uma vez que a frota atual não comportaria, acho, 2-5 milhões de passageiros a mais por mês, talvez 10 milhões à mais. E importante salientar que este fluxo a mais de pessoas teria um impacto econômico relevante, embora, como dito pela autora, não seria possível precisar.

    Mas além destas questões, ainda precisaríamos lidar com o problemas atuais do transporte público que não são enfrentados, como a necessidade de repensar algumas conexões pela cidade, o aumento dos horários dos ônibus aos finais de semana, melhor integraça da periferia de Curitiba, porém acho que a tarifa zero tornaria isto muito mais possível do que no sistema atual.

    Mas espero que, depois de várias mudanças importantes nas cidades vizinhas, o aumento de insatisfação dos usuários (a queda de passageiros demonstra isso), e a óbvia realidade de que o transporte público de Curitiba já não é o exemplo à ser seguido sejam o suficiente para este debate avançar e se concretizar.

  3. Porque não utilizar o espaço dos terminais para construção de estacionamentos ( aumenta a receita) , e edifícios comerciais

  4. O transporte público gratuito, universal e de qualidade seria das políticas públicas mais importantes para Curitiba, e seus efeitos seriam imensos!
    Se os ônibus fossem gratuitos, muita gente sequer teria carro ou moto; muita gente deixaria de andar longas distâncias a pé, e os ônibus, que circulam vazios durante certos horários do dia, circulariam sempre mais cheios, cumprindo seu papel social.
    Quanto às receitas para custeio do sistema, penso que parte da solução pode ser abrir os ônibus para a publicidade. Empresas poderiam patrocinar linhas, ou usar os veículos, terminais e estações como outdoors, pagando à prefeitura para tanto.
    Isso é muito mais lógico do que, por exemplo, tarifar Uber e 99, serviços que democratizaram o transporte às classes populares.
    Por último, penso que o fim dos terminais não se justifica, mesmo que os ônibus sejam gratuitos. Os terminais não servem apenas para a integração; também são importantes polos comerciais, para além de oferecerem mais conforto e segurança aos usuários.

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