Ansiedade e viagem

Para aproveitar uma viagem, é importante deixar a pressa de lado e se dedicar a algumas poucas coisas, ao invés de querer fazer tudo

Mais de uma década atrás, ajudei a organizar uma palestra com o crítico de arte e professor Teixeira Coelho. Falecido no ano passado, Teixeira Coelho fez uma fala brilhante e lembro-me de uma declaração que me marcou: quando vamos a um museu, dizia ele com calma, não deveríamos contemplar mais do que três obras de arte. Como a informação trouxe rebuliço no auditório – eu já imaginava revoltados exigindo o valor do ingresso de volta – ele deu um sorriso nos lábios, corrigiu, ok, até umas quatro obras estão de bom tamanho.

A tese de Teixeira Coelho era simples de entender – a média de tempo que as pessoas gastam para contemplar algo são alguns poucos segundos, como mostram vários estudos dentro de museus. Ninguém lembra de quase nada no dia seguinte. Mais vale a pena passar um bom tempo com aquilo que nos toca do que fazer uma maratona de obras.

Por que as pessoas ficam tão pouco tempo para apreciar uma obra? Claro que é um problema de educação para a arte, mas eu também apostaria em outro motivo: a ansiedade. Especialmente se estamos visitando um museu em uma viagem.

Descobri tarde, já mais velho, que sou uma pessoa ansiosa. Viver em ansiedade é não viver no presente – o pensamento está no passado ou no futuro. Os sintomas podem ser comer rápido demais, ter dificuldade para se concentrar, estar sempre com urgência, não conseguir dormir, impaciência. Não é que sempre ficamos assim, mas é o suficiente para um certo atrapalho da vida.

No caso de um museu, a urgência é dar conta de tudo, não perder as obras-primas importantes, ter certeza de que nada será perdido. Se estamos viajando, a situação é pior. O que nos ameaça é: quando terei a chance de voltar aqui? Talvez nunca mais! E eis o grande paradoxo: quanto mais estamos preocupados em não perder nada, mais rápido tudo será esquecido.

Com o tempo, tendo a consciência do problema, melhorei bastante. Busquei ajuda médica e psicológica, que foram fundamentais. Mas também digo que uma das melhores terapias que descobri foi me dedicar mais à fotografia. Funciona como uma forma de meditação para mim. Afinal, o fotógrafo precisa prestar atenção no momento presente. Organiza a mente e hierarquiza aquilo que vale a pena prestar atenção. Foi justamente porque gosto de tirar fotos em viagem que mudei completamente a minha forma de viajar.

Fotógrafos de viagem são lentos, meticulosos e, para quem não está acostumado a levar a sério a observação da luz e do momento, são péssimas e tediosas companhias. Ao longo de um dia inteiro, não se anda muito. Depois de centenas de fotografias tiradas, às vezes somente uma ou mesmo nenhuma é selecionada. Mas quando se aprecia a luz, todo o esforço é recompensado, porque, no fundo, não é esforço algum. Há prazer na simples fruição mais detalhada, calma e vívida.

Lembro-me de uma vez em Pinhão, no vale do rio Douro, em Portugal, onde fiquei mais de uma hora andando muito lentamente em duas ou três ruas. Bom, é o caso de se notar que Pinhão deve ter duas ou três ruas no total. Seria uma jornada insuportável para quem está com pressa. Mas tenho uma lembrança duradoura e mágica do lugar – algo que às vezes não consegui em cidades maiores, supostamente com mais atrações.

Se você reparar, boa parte do que se faz viajando está em sintonia com a ansiedade. Pacotes de viagem com múltiplos países em poucos dias, livros que vendem as não sei quantas infinitas coisas que você precisa ver antes de morrer, o fetiche em contar quantos países foram visitados, o planejamento exaustivo dos destinos para que nada seja perdido – a lista é grande.

De minha parte, lidando melhor com a ansiedade, não vejo mais problemas em repetir destinos que me fascinaram. Ter uma cidade para voltar é uma experiência mais gratificante do que conhecer outras correndo. Voltar para aquilo que já se conhece é não ter obrigações a cumprir – dá para andar a esmo sem se sentir culpado. Posso garantir que andar a esmo é uma das melhores experiências possíveis em uma viagem. Com esta estratégia, fica também mais fácil encontrar fascínio naquilo que está ao nosso lado e é uma das melhores viagens possíveis: a nossa própria cidade.

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