O Saara e os noivos turcos

Viajando pela Turquia, pude fazer fotos de vários casais

Adoro textos de viagem. Leio de tudo: posts de viajantes no Instagram, diários, ensaios ou literatura de viagem. Um dos meus textos favoritos é “Atlas”, livro de viagens do casal hermano Jorge Luis Borges e María Kodama. Os textos são de Borges e as fotografias de Kodama. Quando viajaram pelo Egito, Borges contou uma fábula bonita que pode resumir a própria ideia de viajar:

“a uns trezentos ou quatrocentos metros da Pirâmide me inclinei, peguei um punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um pouco mais adiante e disse em voz baixa — estou modificando o Saara. O ato era insignificante, mas as palavras nada engenhosas eram justas e pensei que fora necessário toda a minha vida para que eu pudesse pronunciá-las. A memória daquele momento é uma das mais significativas de minha estadia no Egito”.

Há um prazer particular na hora de pular da imaginação para a realidade. Viajar é atuar sobre o mundo, mas também uma possibilidade de mudança sobre nós. Não podemos ficar presos naquilo que imaginamos o que é o destino — o destino só existe enquanto estamos no presente do destino.
Estava divagando sobre estas coisas enquanto revia minhas fotografias da Turquia. Por razões que a razão desconhece, na minha estadia por lá, acabei me esbarrando com uma porção de ensaios fotográficos de noivos muçulmanos.

No primeiro, em Istambul, próximo da Torre de Gálata, um casal fazia feliz da vida um Trash the Dress. O Trash the Dress é aquele ensaio para sujar o vestido, isto é, usar a roupa da cerimônia em uma situação mais informal e espontânea. É coisa de americanos e acho eu que virou febre mundial porque é um jeito divertido de dar uma segunda chance para uma roupa que saiu muito cara e nunca mais será usada. Há também versões alternativas, em que uma segunda muda de roupa de casamento é feita somente para o ensaio. De uma forma ou de outra, é uma celebração da imagem do casamento.

Havia uma pequena trupe acompanhando a sessão fotográfica na Torre de Gálata. Assistentes, maquiadores, parentes e amigos. Eu cheguei ali de penetra, dei um sorriso para os noivos e, sem saber se levaria ou não uma senhora bronca, apontei minha máquina fotográfica para registrar. Para a minha surpresa, o casal adorou a minha presença e, ao invés de posar para o fotógrafo contratado, começou a posar para mim. Rimos e pude tirar uma sequência de imagens.

Encontrei também um Trash the Dress na Capadócia, enquanto levantava voo no famoso passeio de balão. O projeto do ensaio do casal agora era aproveitar o fundo colorido dos balões. Não é uma ideia original, mas eis uma das imagens mais icônicas da Turquia.

E, finalmente, vi o terceiro Trash the Dress em Avanos, também na Capadócia, um destino menos turístico e mais intimista. Quando um casal atravessava uma ponte, passando por mim, não coloquei a câmera na altura dos olhos, mas com o braço esticado para baixo e a câmera apontada para o casal, sorrateiramente roubei mais algumas imagens. Ficou torto, há um pessoal atrás dos noivos que atrapalha a imagem, mas o registro foi feito.

Estas não são fotografias memoráveis. Minhas melhores fotos da Turquia são outras. Mas este é o meu Saara daquela viagem, uma porçãozinha de areia que se moveu e permaneceu na minha memória. Viajar faz parte da vida que se conserva, coisa rara porque a maior parte do que vemos será esquecida.

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