Muito prazer, sou um socialista de iPhone

Ao reconhecer meus privilégios e meu comportamento talhado por uma sociedade conservadora, pus meus pares diante de um espelho


“Você precisa voltar a escrever, mas escrever num lugar decente. Pare de gastar energia nas redes sociais com essa gente que não merece o teu tempo.”

Por isso estou aqui, nesse jornal.

Quem me deu o puxão de orelha foi a Elisabete, minha psicóloga. Faz parte do meu processo terapêutico mandar uns textos pra ela, que gosta. Costuma dizer que minha escrita é fluida e envolvente. Eu gosto de ouvir, claro. E não é só a Doutora Betinha que me diz isso: são as jornalistas Fer e Pati, editoras da Revista Tutano, são meus seguidores do Instagram que têm saco pra ler meus textões, é também a minha irmã, Giovana, escritora de profissão.

Tudo bem, eu sei que esse júri é suspeito pra falar. E, apesar dos elogios, ainda sinto enorme insegurança em minhas redações. Eu leio pouco, não porque não gosto, mas porque sou afetado por uma ansiedade voraz que me engole antes de eu superar as primeiras páginas de um livro. Tampouco tenho formação que me permita escrever: sou bacharel em administração de empresas. Só de revelar a minha formação acadêmica já me sinto no dever de apagar tudo até aqui. Bacharel em administração sabe escrever? Por regra, não.

Mas a mesma ansiedade que me impede de ler me empurra a escrever. Sinto necessidade de me comunicar. Inquieto, sou uma metralhadora de palavras, e meu principal canal são as redes sociais. Às vezes me perguntam se não me chateio ao receber uma enxurrada de ódio quando abordo temas espinhosos como a tentativa de golpe do ex-presidente; por ser a favor da taxação grandes fortunas; por dizer “votem em mulheres”.

Sim, me chateio bastante, mas é mais forte do que eu. Quando me dou conta a opinião já tá no ar e a treta já saiu de controle. Me xingam de tudo. Desde playboy ridículo, passando por otário, esquerdinha caviar, até chegar ao clássico dos clássicos: socialista de iPhone. Me tornei o socialista de iPhone mais famoso dessa cidade. Achei fofo, carinhoso, ingênuo até. Entrei na brincadeira e passei a assinar como tal na bio do meu perfil até perceber que tinha um bando de brucutus – que certamente leem muito menos do que eu – que levavam aquilo a sério.

Me atacavam, me enfiavam em listas de boicote, pichavam meu nome em muros. Recebi ameaças e tive que registrar boletim de ocorrência, coisa que nunca imaginei que eu faria. Atribuíram a mim falas falsas. Tive que entrar na Justiça. Montagens grosseiras viralizavam pelos grupos de zap das famílias tradicionais curitibanas nos almoços de domingo. Sem saber botei lenha na troca de farpas entre o tio do pavê e a sobrinha ambientalista que sonha com um mundo mais justo.

Muitos me escreviam: “você foi tema da discórdia hoje aqui em casa kkkk”. Sinceramente não sei o que levou a darem tanta importância às minhas opiniões. Afinal, como eu falei, sou um bacharel em administração de empresas de uma faculdade privada da cidade de Curitiba. Acho que furei a bolha, desci do castelo.

Ah, claro, só pode ser isso. Ao apontar o dedo pra mim mesmo reconhecendo meus privilégios e meu comportamento grosseiro talhado por uma sociedade conservadora e patriarcal, acabei atingindo meus semelhantes. Para muitos a carapuça serviu, foi como colocá-los diante de um espelho.

Mas eles não se dispõem a descer do castelo. Dizem querer um país melhor mas não abrem mão de seus “direitos adquiridos” nessa sociedade construída em cima da escravidão. Volta e meia me perguntam se me arrependo por ter me posicionado politicamente, já que, por ser empresário, eu não deveria abrir o bico.

Não. Não me arrependo. Antes de ser empresário sou cidadão. Opinar sobre a conjuntura política faz parte de uma democracia madura. Mas os falsos patriotas, aqueles que batem no peito pra defender a liberdade de expressão, são os mesmos que usam de seus pequenos poderes econômicos (dinheiro, money, plata) pra censurar opiniões contrárias: “não piso mais no teu restaurante”, “meu dinheiro não mais verás”.

Sim, na falta de argumentos lançam mão da velha carteirada de quem nada tem além de dinheiro. Dessa forma censuram comerciantes, filhos, cônjuges e até os próprios funcionários.

Olha, pensando bem, esse texto não está nada mal pra um mero administrador de empresas. Ao menos fica claro que pra fundamentar meus argumentos eu uso a língua portuguesa e não a ciência econômica.

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