Gás, balas de borracha e ataque à escola pública. Só mais um dia do governo Ratinho Jr.

O gás lacrimogêneo no Paraná é um sintoma. Sempre que sinto aquela irritação nos olhos e na garganta, é sinal de que os pobres do estado estão se lascando

Entrar na Assembleia Legislativa nesta segunda ao som de bombas, tiros de borracha e com aquele cheiro indisfarçável de gás lacrimogêneo no ar me deu uma certa nostalgia. Fazia tempo que os governantes locais não nos proporcionavam este antigo ritual do Paraná, que em cem por cento das vezes vem acompanhado da perda de direitos de alguma categoria.

Sim, o gás lacrimogêneo no Paraná é um sintoma. Sempre que sinto aquela irritação nos olhos e na garganta, que a tosse vem e não consigo respirar muito bem, é sinal de que os pobres do estado estão se lascando. Dessa vez, não era diferente: a ideia do governante da vez era trocar professores por empresas privadas na gestão das escolas públicas.

Leia mais: Refugiados em seus gabinetes, deputados aprovam terceirização de escolas

Daria até vontade de brincar que, como o coronel de Apocalipse Now, os governantes paranaenses adoram o cheiro de gás lacrimogêneo pela manhã. Mas não é verdade, porque sempre, a essas alturas, eles estão protegidinhos no lindo bosque da Copel, no Chapéu Pensador, ou outro lugar mais distante, como suas casas no Ecoville.

Fui entrando pela grade da Assembleia sem nem saber como tinham aberto aqui. Claro que o presidente da Assembleia não queria ninguém lá dentro. Ademar Traiano é conhecido por duas coisas: o amor por propinas e o horror a manifestantes. Da outra vez, mandou votar o pacote de medidas impopulares com uma frase já clássica: “Vamos votar porque a bomba é lá fora”.

Continuei seguindo a imensa onda de manifestantes. O cenário era conhecido: professoras e professores pilhados, vendo seus direitos desaparecerem; policiais do Choque tremendo como filósofos atrás de seus escudos à espera de ordens; sangue de manifestantes caído no chão; pessoalzinho do MBL provocando trabalhadores em buscas de like e torcendo pra alguém perder a paciência e dar uns sopapos neles. Só mais um dia sob o governo de Ratinho Jr.

Achei que não daria para entrar no prédio da Assembleia, mas alguém tinha estilhaçado a porta de vidro e a multidão entrou furiosa, exigindo que o projeto fosse retirado de pauta. Traiano, que prefere receber em sua sala pessoas com malas de dinheiro, achou estranho aquela gente de camiseta e sem dinheiro entrando no seu prédio de mármore. Correu para uma sala e se fechou com seus pares.

Saiu de lá com uma corajosa decisão. Antes que arrebentassem as últimas portas que separavam a multidão de seu pescoço, dispensou os deputados para fugirem dali. Como aquele famoso militar que tentou entrar em Canudos e acabou inventando a lei de Murici. “Cada um cuide de si.”

Os deputados obedeceram e se refugiaram em seus gabinetes. Só depois disso Traiano deu autorização para que abrissem as portas das galerias. Claro, o plenário estava quase vazio, e a multidão se deparou apenas com os sete deputados de oposição. Os outros 47 estavam democraticamente em lugar ignorado e não sabido.

Os poucos membros da oposição tiveram seu momento de glória, incensados pelos professores e professoras, gratos por sua postura. Sabiam, porém, que não tinham a menor chance de derrubar o projeto. Todo mundo sabia. Mas manter a dignidade diante do inevitável não deixa de ser uma prova de bravura.

Ouvi os gritos de guerra e também as brincadeiras. “Ih, como é que é?/Lugar de rato é debaixo do meu pé”. Ou: “Acabou a paz/Mexeu com estudante/Mexeu com satanás”.

A essa hora, o gás tinha baixado, os tiros (que foram poucos) tinham cessado. Ao contrário dos 200 e tantos feridos de Beto Richa, aparentemente houve só três pessoas com ferimentos.

A escola pública, porém, levou uma paulada daquelas na cabeça. Mas quem se importa? Os filhos de Ratinho, a essa hora, estavam no Colégio Internacional, onde seu pai paga cerca de R$ 8 mil para que eles estudem sem a interferência de policiais militares. A mais velha, inclusive, já colhe os frutos da meritocracia: mal saiu da adolescência e arranjou um emprego na Rede Massa. Tem futuro.

Para os meninos e as meninas que não têm esses méritos todos de ter um pai governador, vem mais lenha por aí. Com o apoio sorridente de 39 deputados incapazes de dizerem não para Ratinho.

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