Desvendar o assassinato de Marielle Franco é uma das obrigações mais urgentes do país, e por vários motivos. Só quando as pessoas responsáveis por encomendar a morte dela estiverem identificadas, condenadas e presas haverá chance de alguma paz – e talvez se possa acreditar de fato que a civilização venceu a barbárie.
Talvez ainda haja alguém com a dúvida: por que se importar especificamente com esse caso, sendo que há centenas, milhares de assassinatos no país. E é justamente por isso. Marielle foi morta porque tentou se opor a essa violência sistemática contra os negros, contra as favelas, contra os pobres. Foi assim que ela exerceu o seu mandato, e foi por isso que ela incomodou as milícias – a essa altura, seria difícil não imaginar que a ordem do assassinato partiu dos chefes da milícia, ou de cúmplices deles ligados à política, à polícia.
Marielle sabia que estava enfrentando gente violenta. Com palavras e gestos pacíficos, ela tentou se colocar como parede, como escudo, como proteção para os moradores de áreas dominadas pela máfia das milícias. Pisou no calo de muita gente – especialmente dos que acham que na favela não há direitos, aqueles que acham que pobres só servem para dar votos e poder. Os que vendem gatonet e os que lucram com o tráfico de armas ou drogas.
Marielle morreu por uma causa – a causa da civilidade e da lei. Num país em que negros são transportados como bichos para delegacias, em que migrantes africanos são mortos a pauladas, em que helicópteros sobrevoam favelas atirando, ela disse que os pretos tinham que ser tratados como gente. E enquanto essa atitude for passível de punição com a pena capital o Brasil será, como disse alguém há quatro décadas, apenas uma grande pátria desimportante.
Sem a punição dos mandantes da morte de Marielle, não vamos a lugar nenhum. E é por isso que aqueles que querem justamente isso (que o Brasil pare no tempo, o que regrida aos tempos da ditadura) não queriam a Polícia Federal no caso. Por isso não mandaram investigar a fundo. Por isso ou por motivos piores, que ainda não sabemos.
A ação do atual governo foi fundamental para começar a desvendar isso. E, vejam só: ainda há gente que não entende porque 60 milhões de brasileiros respiraram aliviados ao ver o resultado das urnas em outubro passado. Era o começo – um começo difícil, arriscado, e lento, mas um começo – da volta à civilização.
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