Existe uma opção “menos pior”?

Reduzir a vida política e a participação democrática ao momento eleitoral é deslegitimar outras formas e práticas políticas que independem do voto

Na maioria das vezes, a resposta à pergunta que dá título à coluna é sim. Quiabo é “menos pior” que jiló, porque não tem baba e se pode comer com frango, por exemplo. Mas a situação é um pouco mais complexa e delicada quando precisamos escolher, não entre quiabo e jiló, mas entre dois candidatos de direita. Corrijo: da direita bolsonarista.

Esse é o dilema das eleitoras e eleitores curitibanos que, no primeiro turno, optaram por candidaturas progressistas (tomo aqui a expressão em um sentido bastante lato), e agora precisam escolher entre Eduardo Pimentel, Cristina Graeml ou anular o voto.

Minha opção é clara desde 6 de outubro, quando encerraram as apurações: entre Pimentel e Graeml, meu voto é nulo. Porque uma coisa seria votar útil ou no “menos pior” se o “menos pior” fosse Luciano Ducci. Fosse isso, apesar de Ducci, pelo menos tentaríamos eleger Goura como vice-prefeito.

Não é o caso. Aliás, estamos bem longe disso.

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Por isso, a pergunta que precisamos fazer não é se “existe uma opção menos pior?”, mas “vale a pena votar na opção menos pior?”. Quer dizer, o “menos pior” é, pelo menos, distinto o mínimo suficiente da opção “pior” para sermos obrigados a escolhê-lo? No segundo turno da republiqueta, a resposta é não. Vou voltar a isso daqui a pouco.   

Antes, é preciso responder uma outra pergunta: por que, no fim das contas, por que tanta gente condena o voto nulo? Se eleger é, basicamente, escolher a quem delegar a representação no governo ou no parlamento, o voto nulo é tão legítimo quanto qualquer outro. Porque estamos fazendo uma escolha, a de não compactuar, não autorizar, não querer ser representado e, em alguma medida, afiançar um governo de extrema-direita.

Votar nulo, portanto, não é demitir-se ou desresponsabilizar-se de participar da democracia, mas uma escolha política. Trata-se de reconhecer que mesmo a democracia liberal, com seus limites e amarras institucionais, também garante a toda cidadã e a todo cidadão o direito de dizer não.

É um direito, democrático, assegurado a quem, como eu, não considera aceitável nenhuma das duas opções que sobraram para o segundo turno.

Há quem defenda que o voto nulo não nos dá direito a exigir ou cobrar de quem quer que seja. Que, alienados, estaremos à mercê dos que foram às urnas e escolheram o “menos pior”. Trata-se de uma visão não apenas equivocada, mas limitada da política, porque a restringe, e também à democracia, ao voto.

A política, tampouco a democracia, não são, não podem ser, um acontecimento bienal. Reduzir a vida política e a participação democrática ao momento eleitoral é deslegitimar outras formas e práticas políticas que independem do ato de votar.

Práticas fundamentais, inclusive, para colocarmos em questão os limites da democracia liberal e representativa. E que servem como laboratório de novas experiências e lideranças que só existem, porque foram capazes de construir alternativas que fortaleceram a participação política popular para além das barreiras institucionais.

Experiências como as ocupações estudantis ou dos movimentos sociais forjaram lideranças que tensionam a democracia e a fazem avançar onde, justamente, muitos pretendem que ela permaneça sempre a mesma e com os mesmos.

O pouco de renovação política partidária dos últimos anos foi, principalmente, resultado da militância e do engajamento político e popular que se faz nos intervalos entre uma eleição e outra.  

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Talvez isso tudo soe, para alguns, demasiado teórico ou ideológico. Mas há razões mais pragmáticas que justificam o voto nulo nesse deprimente segundo turno curitibano.

Graças ao algoritmo, nas minhas redes apareceram argumentos a favor de Eduardo Pimentel, considerado o “menos pior” porque, bem, porque sua adversária é Cristina Graeml. No primeiro turno, ela recebeu apoio até de Pablo Marçal, o tipo de delinquente que é o resultado inevitável da barbárie bolsonarista.

No segundo turno, Graeml vem se esmerando para não decepcionar o eleitor reacionário: já atacou a “ideologia de gênero” nas escolas; reafirmou suas convicções negacionistas; no último debate, na Band, destilou seu mal disfarçado desprezo à população pobre e periférica.

Levantamento feito pelo Plural mostrou que mais de 80% de seu programa de governo foi redigido por Inteligência Artificial.

Mas isso é suficiente para votarmos em Eduardo Pimentel, desconsiderando sua trajetória política como vice-prefeito de Rafael Greca e secretário de Ratinho Jr.? O fato de ele aparecer diante das câmeras e nas sabatinas mais preparado pelo marketing de campanha, justifica olvidarmos que ele fez parte do governo que espalhou pelo estado essa aberração pedagógica que são as escolas cívico-militares, uma invenção do bolsonarismo?

Nos oito anos de Pimentel como vice-prefeito, vimos as empresas de ônibus receberem milhões em subsídios, em detrimento do serviço prestado aos usuários do transporte público; ataques aos servidores da prefeitura; a tentativa de fechamento de unidades do CRAS; a falta de vagas nas creches municipais; a crescente militarização da Guarda Municipal, que atua com violência cada vez maior; a política higienista com os moradores de rua; e, em julho, o despejo de mais de 60 famílias da ocupação Tiradentes II, na Cidade Industrial, deixadas na rua na manhã mais frio do ano.

Se o bolsonarismo de Pimentel tem o verniz da civilidade, o do seu vice, o jornalista Paulo Martins, não se diferencia em nada do “bolsonarismo raiz” de Graeml.

Se eleito, Pimentel terá, como base parlamentar, a mesma bancada de direita e extrema-direita que hoje é fantoche de Greca na Câmara de Vereadores – ou alguém acredita que os vereadores que apoiam Cristina Graeml farão oposição ao seu governo?

Na futura bancada governista está, por exemplo, o vereador reeleito Eder Borges, aquele que quer esterilizar moradores de rua. E Guilherme Kilter, nosso Nikolas Ferreira da Shopee, que rezou pela morte de Lula, como bom cristão que é.

E João Bettega, herdeiro, como Pimentel. Militante do MBL, ele ganhou notoriedade produzindo vídeos bem ao gozo da macholândia: ele esbraveja, grita, xinga, provoca, mente para seus entrevistados para depois, editado o material, poder ridicularizá-los entre seus seguidores. Segundo ele próprio, vez ou outro alguém quer matá-lo. Mas qualquer coisa é pretexto para o rapaz subir um vídeo vitimista se dizendo “ameaçado” pela esquerda. Os machos brancos que o seguem vão ao delírio.

Em um de seus vídeos, Bettega humilha um adolescente autista. Em sua defesa, disse que não cometeu “nada ilícito”. No ano passado, com alguns de seus companheiros de milícia, invadiram a reitoria da UFPR e agrediram uma funcionária terceirizada. São esses parlamentares que sustentarão quem vencer as eleições, incluindo o “menos pior”.

A Constituição de 1988 manteve o voto obrigatório como uma forma de enfrentar a indiferença política produzida pelas duas décadas de ditadura. Os constituintes pretendiam, assim, assegurar o comprometimento e fortalecer a democracia. Mas um dos efeitos inesperados da obrigatoriedade é que ela sequestrou nossa capacidade de imaginar outras possibilidades de política e de democracia, além da delegação pelo voto.

O resultado é a dificuldade em reconhecer que, talvez, Curitiba mereça mais que um “menos pior”. E que é parte imprescindível da democracia dizer não ao intolerável.

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