No domingo, escolheremos qual Curitiba queremos

As cidades oferecem possibilidades de experimentar maneiras de ampliar os espaços de participação e de amadurecimento democrático.

No começo dessa semana, vazaram áudios em que comissionados da prefeitura de Curitiba eram coagidos a “doar” para a campanha de Eduardo Pimentel, vice-prefeito – e, até maio desse ano, também secretário das Cidades no governo Ratinho – e candidato de Rafael Greca, Ratinho Jr. e Jair Bolsonaro à prefeitura da capital.

O esquema foi denunciado pelo Plural e pelo jornal Metrópole. E como dessa vez não deu para colocar a culpa em algum estagiário, Pimentel jogou a responsabilidade em Antônio Rebello, agora ex-superintendente de Tecnologia da Informação da Secretaria da Administração, exonerado do cargo no dia seguinte aos vazamentos virarem manchete em jornais de todo o país.

O episódio deveria ser suficiente para colocar sob suspeita não apenas a candidatura de Pimentel, mas igualmente a gestão de Rafael Greca por uso da máquina administrativa e abuso de poder econômico e político para eleger seu candidato. Mas, ao invés disso, um juiz entendeu que o jornalismo do Plural era “propaganda negativa” e ordenou ao jornal que retirasse do ar as matérias e alguns posts sobre o assunto em suas redes sociais.

Tampouco não me espantaria se o evento passasse em brancas nuvens entre o eleitorado curitibano, que por razões que a razão desconhece (ou talvez não), tem uma predileção especial por premiar com mandatos quem é herdeiro, truculento ou os dois.

Beto Richa, por exemplo, sob cujas ordens a PM massacrou professores no Centro Cívico, no vergonhoso 29 de abril de 2015, hoje é deputado federal. O homem que planejou e executou o massacre, Fernando Francischini, chegou a ser eleito deputado estadual, teve seu mandato cassado, mas conseguiu eleger um de seus filhos e a esposa – como as rachadinhas, a política, para a direita, é um negócio de família.

Há algumas semanas escrevi em minha coluna que não vejo diferença significativa entre a truculência de Pablo Marçal, e a cordialidade do herdeiro Eduardo Pimentel. Duas faces da mesma moeda, ambos cumprem um papel importante no projeto da extrema-direita bolsonarista de voltar à presidência em 2026.

Se Marçal atualiza a barbárie bolsonarista naquilo que ela tem de mais pornográfico, Pimentel é seu verniz civilizado. O primeiro apela aos instintos mais baixos do eleitor, Pimentel fala ao conservador familiarizado com as calçadas marmorizadas do Batel.

A importância das cidades

Cada qual a seu modo, ambos desempenham um papel político fundamental, que é o de fortalecer a ação da direita nas cidades, não importa o tamanho. Se o fim é o Palácio do Planalto, o meio – um deles, pelo menos – é massificar a atuação organizada, com o propósito de mobilizar afetos e desmobilizar movimentos. A estratégia é replicar a ação capilarizada, que já conhecemos das redes sociais, em um terreno analógico.

Explico melhor meu ponto. Um projeto e um governo comprometidos com os movimentos sociais e a produção de uma cidadania crítica e soberana terá, nas cidades, possibilidades de experimentar maneiras de ampliar os espaços de participação e de amadurecimento democrático.

Não é diferente com projetos excludentes e autoritários, porque as cidades podem ser tanto um laboratório de experiências democráticas, como um terreno fértil para a normalização de afetos e práticas antidemocráticas.

Nos anos 1980 e 90, nas primeiras prefeituras conquistadas pelo PT, à época um partido ainda com uma forte presença nos movimentos sociais e de base, tivemos exemplos de como a participação popular e democrática pode mudar a dinâmica de uma cidade e afetar o cotidiano de seus moradores.

O abandono dessas experiências, à medida que a esquerda petista se institucionalizava mais e mais, negligenciando a mobilização social e popular, agora nos cobra um preço altíssimo. Apesar dos bons indicadores do governo, pesquisas indicam que candidatos apoiados pelo genocida lideram a corrida eleitoral na maioria das cidades de porte médio e grande. Nem sempre é a economia, estúpido.

Não sou ingênuo, pelo menos gosto de achar que não. É claro que um governo municipal não pode tudo. Mas me parece inegável que o modo de governar uma cidade afeta, sensivelmente, nossa capacidade de mobilização e engajamento, a direção de nossos afetos políticos, o sentido e o valor que damos à democracia.

E é também por isso que discordo, nesse ponto, dos anarquistas com quem, de resto, compartilho a desconfiança e o ceticismo com os governos e o jogo eleitoral. Não me parece crível supor que não faz diferença, para quem vive nas cidades, quem as governa e legisla. Me recuso a acreditar e defender, por exemplo, que não há distinção entre uma professora e um herdeiro e o modo como ambos pensam a cidade e o que querem para ela e para os que nela vivem.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima