Imagine viver uma vida inteira sem ter chance de ver o show de um artista que faz seu coração bater mais forte – um nome importante da música popular brasileira (MPB) –, dentro de um grande teatro. Agora imagine, depois de uma vida inteira, você ter essa chance. Pois foi isso que aconteceu com o agricultor Fernando Schalm Rinaldi, que foi a uma das apresentações da turnê “80 Anos”, de Gilberto Gil, em outubro do ano passado, aqui em Curitiba.
Rinaldi tem 29 anos e, até então, só havia conferido shows gratuitos em espaços abertos. Os motivos que dificultavam ir a um show como o de Gil, artista importante para a música e também para a história do Brasil, são vários. O agricultor mora no assentamento Contestado, na Lapa (PR), onde também contribui na coordenação da Escola Latina Americana de Agroecologia (ELAA), o que já explica a dificuldade de acesso a certas programações culturais. “A gente mora na área rural, então tem pouco acesso para poder participar do show, principalmente em um teatro que está dentro de Curitiba”, diz Rinaldi.
A oportunidade foi um presente. Ele e mais um grupo de moradores do assentamento ganharam os ingressos para uma das duas apresentações do Gil no Teatro Positivo, que aliás estavam com os ingressos esgotados. A viagem até Curitiba durou uma hora e meia e, uma vez no teatro, a emoção já marcou presença na chegada ao ver a estrutura que existe ali. “É enorme, nunca imaginei algo tão bonito e quando você entra, vê a imensidão; tem também a história de outros cantores importantes que passaram por ali”, diz ele.
Durante os 30 minutos que antecederam o início do show, a expectativa só aumentou porque o grupo conversou o tempo inteiro sobre a trajetória do músico e sobre a admiração que o ídolo desperta também como pessoa, por suas posições políticas, por ter vivido exilado durante a ditadura militar e ocupado o cargo de ministro da Cultura do Brasil, entre 2003 e 2008. “Nem saberia explicar o que foi esse momento”, diz Rinaldi.
O show de Gilberto Gil
Diante da pergunta sobre qual a composição ou gravação preferida entre as de Gil, Rinaldi fica sem jeito de responder, parece até que ele estaria traindo todas as outras músicas do artista. Quem é fã entende isso facilmente. Para escapar dessa escolha ingrata, o agricultor conta que os pontos mais emocionantes da noite foram a chegada do músico ao palco e quando aconteceu a despedida. “Ele pegou e saiu, e toda a multidão que estava ali começou a gritar, aí ele voltou e cantou mais umas duas músicas; foi o momento que mais tocou todo mundo.”
Gravado na memória
Até aqui, dá para ter uma ideia de como o coração de Rinaldi bateu forte nesse show. E ainda tem mais. A voz de Rinaldi até muda para falar de um detalhe que nunca será apagado de sua memória, talvez detalhe nem seja a melhor palavra para descrever o que aconteceu. Junto com o grupo que aproveitou essa chance única de ver Gil – aos 80 anos, com o talento e a vitalidade de um jovem apaixonado pela música –, o agricultor deu um abraço no ídolo. Quase não acreditou. Tudo indicava que era impossível falar de pertinho com o músico, afinal tinha tanta gente por ali. Entretanto, com ajuda da produção, ele e os amigos têm uma história que fazem questão de contar para todos sempre que podem, é uma maneira de reviver o momento que ganhou um final para lá de feliz.
“A gente fica compartilhando os momentos do show, mas também esse mais particular, de poder pegar um autógrafo e ele ter assinado a minha bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com a palavra paz”, diz Rinaldi.
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