Exame Criminológico, RoboCop e Minority Report: realidade ou ficção?

Exame criminológico parece ser algo tão confiável quanto horóscopo de jornal. O método é desatualizado; não há real capacidade de prever o comportamento futuro de um indivíduo

Henrique Camargo Cardoso é Defensor Público no Estado do Paraná (DPEPR)
Pedro Paulo Mendes Martins é Mestre em Direito (UFPR) e Advogado. Foi Promotor de Justiça (MPPR) e Defensor Público (DPESC)

Recente alteração legislativa na dinâmica do sistema prisional, especificamente em relação à progressão de regime para pessoas privadas de liberdade, ressuscitou instituto polêmico: o exame criminológico. Trata-se do retorno de requisito subjetivo, com falsos ares científicos, para que um preso possa progredir do regime fechado para o semiaberto ou do semiaberto para o aberto. Em resumo, a técnica antiquada voltou à cena, agora tornando-se mais um obstáculo para quem tenta progredir no regime prisional.

Explica-se: o exame criminológico é uma avaliação conduzida por uma equipe multidisciplinar, que frequentemente inclui psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. O objetivo é analisar a personalidade da pessoa privada de liberdade e seu grau de “periculosidade”, seja lá o que isso signifique. Esses profissionais elaboram um laudo com base em entrevistas, testes psicológicos e observações comportamentais, pelo menos em teoria. A prática frequentemente demonstrou, contudo, uma série de “laudos” superficiais, quase como fosse possível decifrar um ser humano de forma rápida, qual um manual de instruções de eletrodoméstico.

A principal crítica à nova obrigatoriedade do exame criminológico reside na sua falta de eficácia e ausência de atualidade. É conhecida a série de bons trabalhos, em criminologia, a apontar a absoluta ineficácia de modelos/testes de predição de crimes. Na própria psiquiatria, entre os sérios, também há exemplos. Thomas Szasz (1920-2012) foi um psiquiatra e acadêmico húngaro cujos trabalhos apontaram que utilização de argumentos clínico-psiquiátricos, como transtornos mentais, são indevidos para utilização com a finalidade criminal, pois apenas representam (mais) uma forma de controle social (Szasz, T. S. 1961. The Myth of Mental Illness: Foundations of a Theory of Personal Conduct. Harper & Row). Quem quiser ter alguma noção sobre a arbitrariedade da coisa, dê um google acerca de Teste de Rorschach, mas não se espante com os resultados.

Exame criminológico parece ser algo tão confiável quanto horóscopo de jornal. O método é desatualizado; não há real capacidade de prever o comportamento futuro de um indivíduo. Há algum sentido nisso?

Como não bastasse, do jeito que andam as escolhas políticas e as coisas no sistema penitenciário, não é impossível imaginar que tais exames passem a ser realizados por empresas privadas. Veja-se, por exemplo, a recente contratação de empresas terceirizadas pelo Departamento de Polícia Penal do Paraná (DEPPEN-PR) para suprir a demanda por mão de obra qualificada em diversas funções dentro do sistema penitenciário (empresas como New Life e Reviver). Imagine você, raro(a) leitor(a), empresas privadas sendo contratadas para conduzir avaliações criminológicas.

Trocando em miúdos, caso a imaginação lamentavelmente se realize, podemos estar entrando de vez na era da Privatização da Liberdade. Médicos, psicólogos ou assistentes sociais contratados por empresa privada a partir de critérios de mercado — com entrevistas virtuais, por que não? —, decidirão a liberdade de pessoas reais.

Lembram do filme RoboCop? A OCP, uma corporação gananciosa, assumia a administração da segurança pública de Detroit, cidade nos Estados Unidos. Receamos a vinda de um “PsiCop”.

E o filme “Minority Report”, então? Aí é só trocar os Precogs — aqueles “videntes” futurísticos — por terceirizados das mais diversas origens, fabricando laudos com ilusórios e autoritários prognósticos de reincidência criminal.

O exame criminológico é vestígio de uma era que deveria estar superada. Há que elogiar juízes e juízas que vêm afastando a novidade legislativa no controle difuso de constitucionalidade; as decisões só valem para dentro do processo/caso específico, contudo.

No plano geral é preciso estar atento para os convites de injustiça. Se quisermos um sistema penal mais reintegrador, deixemos a análise de comportamentos nos filmes de ficção e apostemos em métodos mais sérios.

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