Precisamos cuidar da alimentação das nossas crianças. Qual é o papel da escola?

Além do distanciamento da tutela dos pais e responsáveis sobre a alimentação, uma atenção maior a doenças e alergias melhor diagnosticadas surge também como desafio a esses locais de ensino

A alimentação dos pequenos acabou virando assunto educacional. Na medida em que o tempo de permanência, ou a dependência às refeições ofertadas, tende a crescer, a maioria da alimentação de crianças e adolescentes é feita sob a orientação escolar. Além do distanciamento da tutela dos pais e responsáveis sobre a alimentação, uma atenção maior a doenças e alergias melhor diagnosticadas surge também como desafio a esses locais de ensino. Mas será que a alimentação está tendo a atenção que merece nestes ambientes? 

Os números decorrentes dos efeitos da má alimentação preocupam. De acordo com o Observatório de Saúde na Infância da Fiocruz, 14,2% das crianças brasileiras com até cinco anos estavam com excesso de peso em 2022. Já entre os adolescentes no mesmo período, a taxa de sobrepeso e obesidade chega a 31,2%. A situação é de contraste com o restante do mundo, nós, ainda que sustentemos um Guia para Alimentação Brasileira, do Ministério da Saúde, elogiado pelo globo, não conseguimos fazer refletir as boas referências na nossa população. O Brasil tem quase três vezes mais crianças com excesso de peso do que a média global (5,6%) e o dobro dos adolescentes (18,2%). 

“Quando pensamos em crianças, estamos falando de uma fase da vida em que, se não cuidarmos da alimentação e, por consequência, da saúde, e não inserirmos hábitos e práticas alimentares e esportivas, infelizmente, vamos moldar um organismo propenso a possíveis patologias no futuro”, alerta Cilene da Silva Gomes Ribeiro, nutricionista, professora universitária e presidente do Conselho Regional de Nutrição em Curitiba. A responsabilidade da escola está mais abrangente do que nunca. Apesar das mensalidades chegarem a quatro dígitos em muitos casos no sistema privado de ensino, as escolas públicas, mesmo com menor investimento, estão em melhor situação no campo alimentar. 

Desenvolvimento de crianças e adolescentes em perigo

“O problema é que, em raros casos, existem profissionais capacitados para a melhor adequação do cardápio e da dieta às necessidades das crianças, levando em conta faixa etária, condição de crescimento e estado nutricional”, nos conta, Cilene. A presidente do conselho ainda destaca que crianças de até dois anos não devem consumir qualquer tipo de açúcar e ter o sódio controlado na alimentação, para que o seu desenvolvimento metabólico não seja comprometido, inclusive alterando sua propensão de paladar por alimentos açucarados. Esses cuidados, dentre muitos outros, se fazem necessários já que os bebês, crianças, adolescentes e jovens, passam a maior parte do tempo da semana alimentando-se na escola. 

Alergias e restrições alimentares preocupam

As dificuldades não param por aí. “Hoje, muitas crianças são diagnosticadas com necessidades especiais de alimentação, incluindo alergias, intolerâncias alimentares, seletividades alimentares e restrições, que têm a ver com fatores fisiológicos. Se essas situações não forem respeitadas, há uma grande probabilidade de agravamento dos sintomas ou de desenvolvimento de doenças”, conta a nutricionista. “Sem profissionais capacitados no ambiente escolar, não se pode garantir uma alimentação saudável que promova saúde e longevidade. Além disso, existe o impacto da comensalidade e da sociabilidade gerada pela alimentação, pois, mesmo que a escola cumpra a dieta, a criança pode acabar em uma condição de isolamento”, conclui Cilene.

“É fundamental que as escolas, locais onde a maioria das crianças passa grande parte do tempo, assumam a responsabilidade pela alimentação oferecida. As crianças hoje permanecem mais tempo na escola, fazendo com que o ambiente escolar seja responsável por grande parte da alimentação infantil. Portanto, é crucial que berçários, creches, pré-escolas e escolas sejam realmente responsáveis pelo que oferecem, cumprindo todas as instruções e regulamentações em consonância com a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Obesidade, o Conselho Federal de Nutricionistas, e outras instâncias da área que conhecem os impactos de uma má alimentação”, sentencia a Presidente do Conselho Regional de Nutrição em Curitiba. Porém, na prática, a história é diferente, em especial para as crianças acauteladas pela iniciativa privada. 

Não é assim na esfera pública

Desde 1996, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, monitora a situação alimentar e nutricional da população, obtêm seu perfil nutricional e sua evolução, a fim de nortear ações de enfrentamento das situações de risco, principalmente desnutrição e obesidade. Além de inexistir paralelo na iniciativa privada, a rede municipal de Curitiba é responsável por diversos cardápios que atendem milhares de alunos com diversas necessidades especiais, do berçário à juventude. Já a mesma faixa etária nas escolas particulares, sequer pode contar com o apoio de um profissional nutricionista nas escolas, onde não há obrigatoriedade prevista na legislação estadual. 

Além das iniciativas municipais, federalmente, existe o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que regulamenta a alimentação escolar em escolas públicas, exigindo que nutricionistas sejam responsáveis pelo planejamento e execução dos cardápios nas escolas, garantindo com que metas e preceitos nutricionais sejam cumpridos. Sem contar a Resolução CFN n°465/2010 do Conselho Federal de Nutrição que dispõe sobre as atribuições do nutricionista em alimentação e destaca a sua importância na elaboração e supervisão dos cardápios. Infelizmente, ambas são de adesão voluntária para aqueles empresários do setor educacional que por bom senso pessoal, as resolvam seguir.

Alimentar-se não é só se nutrir

“Outra questão é a ausência de pessoal capacitado para mostrar às crianças, em qualquer faixa etária, a importância do alimento enquanto território, a sua questão com a terra, e todo o contexto envolvido em demonstrar a sua origem. Mais que isso, as questões culturais e étnico-religiosas muitas vezes não são observadas no ambiente escolar”, alerta também a nutricionista. O consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados cresce anos após anos e comprovadamente está ligado a diversas doenças. Com o crescimento da cidade e afastamento familiar, ensinar hábitos alimentares que priorizem alimentos naturais não é só de importância nutricional, mas também servem para ensinar a crianças e adolescentes a importância do meio ambiente, dos ciclos naturais e um entendimento holístico sobre a sua própria realidade. 

Temos que agir já para evitar um futuro ainda pior para as crianças 

O modelo de sociedade em que vivemos, nos empurra, de forma prática, para uma espécie de criação compartilhada das nossas crianças e adolescentes. Infelizmente, no entanto, a legislação no caso privado e a carência de investimentos da esfera pública, não tratam o futuro de nossos filhos com a importância devida. Nos resta enquanto pais, familiares e educadores cobrarmos a esfera pública para que se garantam as leis e políticas públicas necessárias à criação de indivíduos saudáveis e resilientes na nossa sociedade. Além desta cobrança, é imperativo que a relação entre pais e responsáveis e a iniciativa privada seja entendida para além de uma simples contratação de prestação de serviço e sim, como parte integrante do planejamento do futuro comum de nossos filhos, netos, bisnetos, e assim por diante. A alimentação nas escolas é um problema de todos nós. 

PS: Com esta coluna, me despeço temporariamente do Plural. Sou pré-candidato a vereador e o jornal tem uma política de não publicar textos de candidatos durante o período eleitoral. Depois da eleição, nos vemos. Abraços!

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