Comédia & Tragédia: a ditadura que não respeitava as próprias leis

Contam em Brasília que Pedro Aleixo buscou seus “direitos" junto ao general do Exército , que teria respondido: "dê-se por satisfeito por ainda estar vivo"

Agosto de 1969 estava no fim e o país preparava-se para mais uma primavera de Praga. Um ano antes, tropas da polícia e do Exército haviam invadido a Universidade de Brasília, o que levou o jovem deputado Márcio Moreira Alves a pedir um boicote das namoradas dos oficiais do Exército, numa alusão à peça Lisístrata, de Aristófanes, acreditando que, mesmo na beira do abismo, a comédia pudesse ser a melhor resposta para a truculência.

Um mês depois, em 29 de setembro, Geraldo Vandré estreava no festival da Globo sua marcha “Pra não dizer que não falei das flores”, pedindo pressa para deter a outra marcha, da insensatez. Sem sucesso. Na sexta feira, treze de dezembro daquele ano de 68, os militares escancararam a ditadura. Jarbas Passarinho, retórico e polido, disse que as medidas eram duras e um lado dele as repudiava, mas que, ora bola, “que fossem às favas sua consciência”.

Mesmo Aristófanes reconheceria, sem ironia, que a tragédia havia levado a melhor naquele festival. De horrores. Era, então, hora de enfiar a viola no saco. Um dia antes, Márcio Moreira Alves fugira de Brasília e partira para o exílio. O Congresso foi fechado. Três ministros do STF, Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva, foram aposentados compulsoriamente. A censura prévia foi imposta aos meios de comunicação, dos jornais diários aos capítulos das novelas da televisão. Direitos individuais foram suspensos.

Curiosamente, há 7 anos, quando Hermes Lima assumia o combalido cargo de primeiro-ministro da desastrosa experiência parlamentarista do governo João Goulart, diante da pergunta de um jornalista, se ele achava que o país tendia para a extrema direita ou para a extrema esquerda, ele respondeu: “do jeito que a coisa está, o Brasil caminha para a extrema unção”. Bingo.

Costa e Silva, que se dizia constrangido na função que o destino reservara para ele, não imaginava que aquele seria seu último “grande” ato. Não haveria uma outra primavera para ele.

No dia 31 de agosto, a notícia do derrame devastador que afetou o general presidente no dia anterior tornou-se público. A Constituição de 1967 determinava que, no caso de impedimento ou morte, o cargo seria do vice, Pedro Aleixo. Advogado, mineiro, amigo de longa data do general, Pedro Aleixo cometeu um crime capital para aquele tempo de extremismos: não foi inteiramente à favor do Ato 5. Única voz a tentar ponderar sobre os excessos da medida, propôs uma saída constitucional.

Iludido na crença de que o regime, mesmo sob o peso de 11 Atos Institucionais, poderia ainda se chamar de Legal, Pedro tentou e condenou-se diante dos militares com sangue eterno nos olhos. Assim que a doença de Costa e Silva foi oficializada, os ministros militares Lira Tavares, Augusto Rademaker e Márcio de Sousa e Melo, assinaram, sem nenhum poder legal reconhecido para isso, o Ato Institucional número 12, investindo-se do poder de comandar a Nação, alijando o vice constitucionalmente eleito.

Contam em Brasília que Pedro Aleixo buscou seus “direitos” junto ao general do Exército , que teria respondido: “dê-se por satisfeito por ainda estar vivo”. Depois, Lira Tavares, que tinha pendores literários, tanto que tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras, disse que se referia ao pobre e moribundo Costa e Silva. Pelo sim, pelo não, Pedro Aleixo arrumou suas coisas e deixou Brasília. Sobre sua mesa de trabalho, ficou apenas um bilhete no qual estaria escrito: “Eu, aqui, me demito. Nada fiz e nada deixo. Assinado: Pedro Aleixo”. Aristofanices.

A comédia de erros ganhou um capítulo inusitado no dia 4 de setembro: membros da Aliança Libertadora Nacional e do Movimento Revolucionário 8 de outubro, entre eles os jornalistas Fernando Gabeira e Franklin Martins, sequestraram o embaixador dos EUA, Charles Elbrick e fizeram uma extensa lista de exigências para liberta-lo.

Os três ministros ficaram possessos, tomados da ira dos deuses contrariados. No dia 9, os membros da Junta soltaram 15 presos políticos em troca da libertação do embaixador, entre eles o líder estudantil José Dirceu, o velho comunista e líder camponês Gregório Bezerra e o jornalista Flávio Tavares. No mesmo dia, porém, baixaram dois novos AIs: o 13, estabelecendo a pena de banimento e o 14, estendendo a prisão perpétua e a pena de morte para os “subversivos”. “Agora era guerra”, dirão os generais.

E o Brasil mergulhou em seus piores dias.

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