A geração beat caiu “como uma bomba” na cabeça de João Pinheiro

Em entrevista, o quadrinista conta como chegou aos beatniks e também fala de textos sobre marginalizados e inspirações

Estar em Curitiba nesta semana pode render uma boa história para quem gosta de literatura ou de HQs. E, para quem gosta das duas coisas, o enredo vai ser melhor ainda. É que o quadrinista João Pinheiro, um dos mais influentes na atualidade, vem à cidade para uma conversa aberta ao público e gratuita, nesta sexta-feira (28), às 19h30, na Gibiteca. O bate-papo é parte do projeto “Universo Dialógico – da Criação Literária à Adaptação para Quadrinhos” e será mediado pela escritora, roteirista e diretora Carol Sakura.

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João Pinheiro

Não é à toa que o paulistano João Pinheiro é admirado e um dos nomes mais respeitados no universo dos quadrinhos. Ele tem HQs e ilustrações publicadas no Brasil e também no exterior, em países como Turquia e França, fora os prêmios conquistados. É autor de “Barrela” (2022), adaptação da peça homônima de Plínio Marcos, (prêmio HQ Mix 2023); “Depois que O Brasil Acabou” (2021); “Carolina” (2016), com Sirlene Barbosa, sobre a escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), obra indicada ao prêmio Jabuti, premiada no HQ Mix e no Festival de Angoulême; “Burroughs” (2015); e Kerouac (2011). 

Com o escritor Jeosafá Fernandez, lançou as HQs “O Espelho, de Machado de Assis” (2012) e “A Lenda do Belo Pecopin e da Bela Bauldour (2012 e 2014), e outros vários livros infantis. Para completar o portfólio eclético, Pinheiros tem trabalhos no cinema, com ilustrações em filmes como “Malária” (2012); e no documentário “Há muitas noites na noite”, de Silvio Tendler; entre outras produções.

O Plural conversou com João Pinheiro sobre como se dá o encontro e a convivência da literatura e dos quadrinhos em suas obras, antecipando um pouco do que será a conversa de sexta-feira na cidade. Ele contou como a revista Chiclete com Banana foi a ponte até os grandes nomes da geração beat, falou sobre Plínio Marcos e também sobre narrativas pouco representadas em HQs. Leia a entrevista a seguir.

Quadrinhos ou literatura, qual apareceu primeiro em sua vida? Quando e como eles se encontraram na sua produção?

Os quadrinhos apareceram primeiro. Mal consigo me lembrar, mas sei que foi logo que aprendi a ler. Depois passei a frequentar a biblioteca do meu bairro e ler também os livros indicados pelos meus professores. Sempre li quadrinhos e literatura com a mesma frequência.

A literatura é o ponto de partida, mas todas as artes servem de inspiração e intertexto quando estou trabalhando em alguma HQ. 

“Burroughs” não foi sua primeira HQ inspirada especificamente em literatura? Como surgiu a ideia para a HQ sobre esse escritor da geração beat? 

Não, a primeira foi a HQ Kerouac, que publiquei em 2011. Nesse caso, a ideia inicial era quadrinizar trechos de livros de escritores que admiro, para lançá-los posteriormente em uma coletânea. Cada história teria uma média de 10 páginas. Pensei em quadrinizar, entre outros, histórias de Ferdinand Céline, Jack London, Bukowski, João Antônio, Lima Barreto, Fernando Pessoa, Henry Miller e, claro, Jack Kerouac. O trecho escolhido do On the Road, seria a cena final, que mostra um Dean maltrapilho no meio da rua vendo o amigo Sal sumir na esquina dentro de um carrão rumo a um show de jazz. Comecei fazendo alguns desenhos descompromissados do Kerouac e tive um estalo: “Por que não fazer uma história sobre Jack Kerouac em quadrinhos?” Aí decidi deixar a outra ideia de lado e contar a história do Rei dos Beats. Foi assim que começou, em 2008. 

Eu havia tomado conhecimento da geração beat lendo a revista Chiclete com Banana nos anos 1990, num texto escrito pelo Cláudio Willer com o título “Beat Hippie Contracultura”. Na época aquelas informações caíram como uma bomba na minha cabeça juvenil. A matéria saiu em três partes e nela o poeta discorre sobre como Kerouac representou as ideias, angústias e sonhos da sua geração. Willer sustenta, nesse texto, a tese de que os beats influenciaram diretamente os hippies e toda a contracultura juvenil que sacudiu o mundo na década de 60. Desde então, fui lendo tudo o que me cai nas mãos sobre essa turma: Kerouac, Ginsberg, Burroughs, Corso, Ferlingheti etc.

A decisão de fazer uma história sobre o Burroughs surgiu em 2013, quando criei o Projeto Bill, um site para homenagear William S. Burroughs, no centenário do seu nascimento, que ocorreria no ano seguinte, mais especificamente no dia 5 de fevereiro de 2014. Durante esse processo, retomei a leitura de suas obras e  comecei a experimentar com cut-ups, gravações e remixes, seguindo o próprio método de trabalho do Bill. Desses experimentos, nasceu a história “Interzone Game”, que passei a publicar semanalmente no site no formato de tira. A história foi crescendo e os acontecimentos se tornaram mais complexos do que essa brincadeira inicial fazia supor. Logo me vi obrigado a transbordar toda aquela loucura que me invadia nas páginas que compõem o álbum.

A HQ “Carolina” (2016) – de sua autoria com Sirlene Barbosa – foi indicada ao prêmio Jabuti e ganhadora do prêmio ecumênico do Festival de Quadrinhos de Angoulême. Ao que você atribui o sucesso junto ao público e à crítica alcançado?

Acredito que, principalmente, à força da mulher Carolina e sua escrita, aliada com a ânsia dos leitores de encontrarem narrativas que por muito tempo estiveram ausentes nas HQs de modo geral; especialmente em se tratando de representações negras nessa mídia.

Você visita o texto teatral para criar “Barrela” (2022), adaptação da peça de Plínio Marcos (1935-1999), escrita em 1958. O que chamou sua atenção nas obras desse dramaturgo? 

Sou um leitor do Plínio Marcos desde a adolescência e todos os seus textos foram importantes para a minha formação como artista, e também para me formar como sujeito social. Autores que jogam luz para a vida dos marginalizados da sociedade sempre me atraíram, e Plínio está entre os primeiros. A peça ‘Barrela’ é muito atual, pois discute os problemas carcerários no país, que são pouco discutidos na sociedade infelizmente. 

(Veja mais páginas de “Barrela” aqui.)

“Burroughs”, “Carolina” e “Barrela” partem da literatura, porém com três propostas diferentes, existe algum motivo especial nessas escolhas criativas?

Diria que “Burroughs” é uma ficção histórica que mescla ensaio, teorias de comunicação, romance policial e ficção científica com a própria obra do autor, onde ele é o personagem principal e busca entender porque se tornou escritor; “Carolina” é uma ficção histórica e “Barrela” uma adaptação.

Cada trabalho específico exigiu um método diferente devido à natureza diversa dos autores e o contexto de cada um. No “Burroughs”, utilizei seus métodos de colagem para criar a história, mergulhando em seu universo e fazendo um intertexto com outros quadrinhos e obras sombrias. Em “Carolina”, procurei trazer a clareza dos seus escritos e todo o roteiro foi pensado como uma grande caminhada da escritora do começo ao fim do álbum, que remonta as suas andanças pela cidade de São Paulo da época, ao mesmo tempo que rememora sua trajetória de vida.

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Bate-papo “HQ & Literatura: convergências”, com João Pinheiro

Data: 28 de junho de 2024
Horário: 19h30
Local: Gibiteca de Curitiba (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 533 – Centro).
Entrada: Gratuita

Sobre a oficina Universo Dialógico

Realizada com recursos da Lei Municipal de Apoio e Incentivo à Cultura e idealizada pelo escritor, mestre e doutor em Letras pela UFPR, Paulo Sandrini, em conjunto com Carol Sakura, a oficina Universo Dialógico conta com uma abordagem inclusiva e diversificada, que prevê 24 encontros durante o ano de 2024 e explora temas que vão desde as teorias da narrativa, intermidialidade, teoria da adaptação, entre outros conceitos fundamentais para a formação de novos autores e roteiristas. 

As inscrições para a “Oficina Universo Dialógico – da Criação Literária à Adaptação para Quadrinhos” já foram encerradas, porém o bate-papo que compõe a grade de programação será aberto ao público.

Mais informações, acesse o Instagram do projeto: @universo_dialogico.

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