Contos de Mariana Sández prestam atenção nas pessoas e nas relações

Escritora argentina publica pela Arte e Letra seu primeiro livro no Brasil, a antologia "Algumas famílias normais"

“Presto atenção nesta estranha dualidade que somos: o que mostramos e o que tentamos esconder em cada circunstância”, diz Mariana Sández. A escritora argentina lança pela Arte e Letra a antologia de contos “Algumas famílias normais”, seu primeiro livro a sair no Brasil, com tradução de Nylcéa Theresa de Siqueira Pedra (que gentilmente traduziu também esta entrevista).

Sández aceitou responder algumas perguntas a respeito do livro e das circunstâncias em que escreveu os contos. Além disso, ela aponta a sua maior qualidade e o seu pior defeito como escritora.

As perguntas se inspiram numa seção do site “Literary Hub” em que escritores são provocados a falar sobre sua obra de maneira não convencional.

Mariana Sández

Sem se preocupar em dar uma sinopse, você diria que seu livro “Algumas famílias normais” é sobre o quê?
De certo modo, no cerne do livro está a pergunta sobre a “normalidade”. Ou uma espécie de percurso invisível que você pode percorrer se o procura. O que é normal? Um estereótipo vazio. E, no entanto, por que todos os dias a gente se pergunta coisas que implicam na ideia de normalidade? É um disparate pensar que existe algo assim como a normalidade, uma coisa única para todos, de maneira igual. Mas o inacreditável é que vivemos como se existisse e procuramos fazer com que isso aconteça a qualquer custo. É uma coisa que me inquieta todos os dias. Quem decidiu que a beleza é uma coisa ou outra, quem supôs que a família modelo é assim, quem estabeleceu os parâmetros da arte culta e da arte mainstream, quem marca onde está o centro e as margens e por que obedecemos tão obtusa e determinadamente. Por isso, meus personagens costumam mostrar primeiro esse mundo estereotipado ou essa espécie de centro, de lugar comum, para rapidamente sair dele ou ir contra ele.

O que é normal? Um estereótipo vazio. E, no entanto, por que todos os dias a gente se pergunta coisas que implicam na ideia de normalidade?

Mariana Sández

Na literatura, quais são suas maiores influências? E como essas obras e autores aparecem na sua obra?
A literatura que sempre me tocou de um modo particularmente sensível tem um fundo ou um quê de absurdo e humor, humor negro. Também costuma ser uma certa literatura lúdica, filosófica e metaliterária. Por exemplo, Perec, Queneau, Vila-Matas, Ionesco, Unamuno, Moravia, Camus, Cortázar, Lispector e, entre os contistas, Cheever, Dixon, Saki e Dahl. Atualmente, gosto muito de Natalia Ginzburg e Annie Ernaux. Mas se tenho que escolher um único livro fico com O livro do desassossego, de Fernando Pessoa.

“Algumas famílias normais”

Você poderia falar um pouco sobre as circunstâncias em que escreveu os contos de “Algumas famílias normais”?
São contos que escrevi em momentos muito diferentes, entre 2009 e 2015, enquanto também publicava a minha tese de mestrado sobre literatura e cinema e escrevia paralelamente o meu primeiro romance publicado em 2019, “Una casa llena de gente”. Foram concebidos em momentos e situações muito diferentes, e em 2016 fiz uma seleção de todos os que tinha escrito, nem todos entraram no livro. Alguns provêm dos meus temores, como “Retrato de família”. Minha filha tinha acabado de nascer e quando saia na rua em Buenos Aires, com a bolsa, com o carrinho, com o bebê no colo, ficava preocupada que acontecesse alguma coisa com ela e eu não pudesse me defender e defendê-la. Imaginei que pegávamos um táxi e o motorista nos sequestrava sem que eu tivesse possibilidade de reagir. Foi assim que surgiu esse conto. Muitas vezes escrevo me antecipando a situações pelas quais não queria passar, uso a literatura como exercício de defesa. Ela é a minha arte marcial.

Muitas vezes escrevo me antecipando a situações pelas quais não queria passar, uso a literatura como exercício de defesa. Ela é a minha arte marcial.

Mariana Sández

Na sua opinião, ao escrever, qual é sua principal habilidade? E qual é sua maior dificuldade?
Acho que a minha habilidade está no interesse profundo, em uma curiosidade natural, de observar os detalhes do funcionamento das pessoas e das relações. Presto atenção nesta estranha dualidade que somos: o que mostramos e o que tentamos esconder em cada circunstância. Vejo as pessoas desde essas duas perspectivas ao mesmo tempo e a ligação que existe entre ambas. Acredito que é o que mais ponho a serviço dos meus personagens, o que os enriquece de modo particular. Por isso tantas pessoas, de diferentes idades, sexos e países, se aproximam para me contar que se sentem assustadoramente identificadas. Outra coisa que sai naturalmente é a parte lúdica da linguagem, me permitir brincar na hora de escrever, não levar a linguagem a sério, mas recriá-la, dar voltas, distorcê-la e criar algo novo. Isso produz certo humor e originalidade plástica no uso das palavras. Minhas dificuldades: me negar a tratar de temas de história ou política, às vezes eu sinto vontade, mas sinto muita dificuldade em pesquisar sobre fatos reais para escrever sendo fiel a personalidades ou contextos históricos.

Acho que o que caracteriza as minhas histórias é que elas revelam gestos, costumes, automatismos e condutas que, no fundo, todos temos em comum.

Mariana Sández

Em comum

Que argumento você usaria para convencer alguém a ler o seu livro?
Acho que o que caracteriza as minhas histórias é que elas revelam gestos, costumes, automatismos e condutas que, no fundo, todos temos em comum. Não desde o ponto de vista do estereótipo, da etiqueta social, mas ao contrário: o essencial, o íntimo, o psicológico. E faço isso sem cair no drama, procuro mostrar como somos a partir da empatia e com certo humor. Isso, como eu falava antes, faz com que pessoas de diferentes lugares se sintam identificadas. “É como se você tivesse me espiado”, os leitores dizem. Acredito que isso aconteça porque eu me interesso por um tema que nos toca a todos: a família nas suas mais diversas formas, os vínculos afetivos e suas dificuldades. Finalmente, no caso específico da edição para o português brasileiro, soma-se a sensibilidade da tradutora, Nylcéa Pedra, e de Thiago Tizzot, o editor da Arte&Letra, que se identificaram comigo e com o livro. Isso o aproxima ainda mais do leitor do Brasil, o que eu agradeço.

Livro

“Algumas famílias normais”, de Mariana Sández. Tradução de Nylcéa Theresa de Siqueira Pedra. Arte & Letra, 140 páginas, R$ 58. Contos.

Sobre o/a autor/a

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