Curta Paranaguá: o roteiro da reinvenção de uma vida rendeu um festival

A 1ª edição do evento sonhado por Marcio Branco exibe filmes paranaenses que não devem nada a produções nacionais e até internacionais de destaque

O caminho para realizar um sonho no cinema nunca é fácil, quem conhece a realidade da produção audiovisual no Brasil sabe disso. Tudo é mais difícil para quem está fora do eixo Rio-São Paulo (sim, o cenário vem mudando, mas falta muito para a briga ser de igual para igual), com barreiras ainda mais altas para quem não está numa capital. É lindo falar em descentralização da cultura, só que lutar por ela é uma tarefa inglória, mas alguns produtores têm tamanha vontade que vencem o que for necessário para realizar propostas como a de criar um novo festival. 

É bem assim o caso de Marcio Branco e do Curta Paranaguá. O idealizador e diretor artístico do evento encarou a necessidade de se reinventar aos 55 anos de idade. Dono de um currículo invejável – com mais de 25 anos de trajetória como artista e produtor de teatro, dança, festivais, ópera e espetáculos – ele resolveu mudar o caminho que o enredo de sua vida estava tomando. Contudo, sem abandonar suas paixões e voltando a suas raízes. 

Branco não nasceu em Paranaguá, mas seus pais são da cidade. Quando a família se mudou para Curitiba, a mãe já estava grávida do primeiro filho, então o irmão mais velho, ele mesmo e a irmã caçula são da capital do Paraná. Ele não ficou ali, foi ganhar o mundo após se formar em artes cênicas na PUC, convites para papéis irrecusáveis o levaram para São Paulo-SP, viajou o Brasil com a arte e depois resolveu mudar o CEP para Londres (UK). Tudo ia bem, mas o plot twist foi a crise financeira de 2008. O passaporte precisou receber o carimbo que marcou a volta para casa. Tudo bem. Trabalho não faltou, pois o conhecimento tinha aumentado e a bagagem profissional também. 

Entretanto, um novo ponto da virada estava surgindo, a mãe tinha retornado há uns anos para a terra natal, precisava de ajuda com uma reforma no apartamento e ele veio para a cidade. Não era definitivo, era apenas por um tempo e logo retornou para São Paulo, para a roda viva do trabalho. E a mãe chamou novamente pelo filho, e ele entendeu que era algo sério. Poucos meses depois, ela faleceu. Marcio ficou e foi ficando em Paranaguá, pois veio a pandemia e o mundo mudou. Os artistas e empreendedores da cultura, mesmo os que não pegaram Covid, agonizaram, não havia mais trabalho. “Voltar por quê?”

A vida foi retomando o rumo, o isolamento social acabou, porém São Paulo já não parecia tão mais acolhedora. Nem a produção artística por lá, com a experiência e a maturidade, algumas propostas de trabalho ganham um leve ar de ofensas. Era o momento de mudar todo o roteiro, colocar de lado os sonhos dos outros e passar a produzir o seu projeto. Os trabalhos possíveis de se fazer à distância eram poucos, mas continuavam, muitos laços antigos foram retomados online e o radar estava sempre ligado. Começaram as reuniões setoriais da cultura na cidade. Lá estava ele, participando. Chegou a ajuda com os fundos da Lei Paulo Gustavo e o amor pelo cinema entrou em primeiro plano, como produtor ele já tinha participado de vários festivais respeitados, como o Amazonas Film Festival, a Mostra Audiovisual Israelense e o Curta Campos do Jordão; e agora se lançava na produção de seus primeiros audiovisuais curtos para ajustar o foco, ganhar um pouco mais de confiança, e em seguida – com um pouco mais de recursos e um plano maior veio a ideia: fazer um festival de cinema ali, “pois a cidade carece de eventos que tenham novas formas de pensar”. Nasceu então o Curta Paranaguá. 

Foi reunindo aliados. O jornalista, crítico e professor Paulo Camargo (atualmente, do portal Escotilha), entrou como curador; os artistas e cineastas Gilmar Massafera, Mariana Zanette e Tiago Nascimento formaram o time de jurados; o jornalista, professor e ator Cicero Lira veio para cuidar da divulgação e atender à imprensa. 

O caminho foi de desafios, o receio sobre a resposta dos realizadores estava à espreita a cada esquina, contudo o final parece estar caminhando para ser feliz. Foram 185 inscrições de curtas-metragens de 20 estados brasileiros e também do exterior, com 56 filmes selecionados para as mostras competitivas e quatro longas-metragens que levam um panorama da qualidade do cinema feito atualmente no Paraná para a sala de exibição montada dentro do Teatro Rachel Costa. Grande parte da plateia acaba surpresa ao reconhecer que a gente não deve em nada para produções nacionais e até internacionais de destaque, muitos arregalam os olhos ao ouvir os prêmios e feitos conquistados por cada um dos quatro longas exibidos (“Lista de desejos para Superagüi”, de Pedro Giongo; “Entrelinhas”, de Guto Pasko; “Casa Izabel”, de Gil Baroni; e “A Macabra Biblioteca do Dr. Lucchetti”, de Paulo Biscaia Filho).

Segundo Marcio, ainda há um caminho imenso para desbravar, tanto junto a apoiadores, quanto realizadores e principalmente para a formação de público. Todavia, quem esteve por aqui pode ver os primeiros acertos, a oficina ministrada por Tiago Nascimento durante a programação do evento vai exibir os curtas produzidos durante as aulas na noite de premiação do festival, e 460 crianças de 5 escolas municipais estiveram nas plateias das sessões infantis e de inclusão para escolas com intérpretes de Libras, entre elas estavam alunos da Escola Bilíngue para Surdos Nydia Moreira Garcês. “Ver a alegria e a participação destes jovens espectadores foi contagiante”, diz o idealizador do festival emocionado.

Mariana Zanette

Para a artista, produtora e diretora Mariana Zanette, o festival é um presente para Paranaguá. “Eu venho de Curitiba e fiquei muito tempo sem ver coisas diferentes aqui na cidade, a gente tem só cinema de shopping e streaming, então não conseguimos assistir filmes feitos no Paraná, bem como curtas-metragens brasileiros”, diz ela. A importância para a economia da cultura também é imensa: “Quase todos do mercado do cinema de Paranaguá estão trabalhando no festival, que contratou vários produtores locais e mão de obra de artistas da cidade. E estamos falando de uma indústria limpa, a cultura quase não produz lixo, não tem fumaça, e emprega muita gente.” 

Sidy Correa

Sobre o efeito positivo da iniciativa, o ator e dublador Sidy Correa, do elenco do filme “Casa Izabel”, conta sobre uma conversa durante o trajeto de vinda para a cidade. “O motorista da Van que nos trouxe de Curitiba estava muito feliz, porque gera empregos e não só para os artistas, mas para a comunidade em geral; para quem trabalha num café, num hotel, para quem trabalha com transporte.”

Laura Haddad

Laura Haddad, atriz e produtora do filme “Casa Izabel”, fala que ver o longa-metragem participar de um festival no estado é muito bom. “Eu fico bem feliz, porque o filme já passou por tantos festivais, mas poucos dentro de casa e é importante ter o filme circulando no Paraná.” Ainda para ela, existe um mérito que torna essencial a manutenção do Curta Paranaguá na agenda de eventos anuais da cidade: “É um festival que não é na capital, isso faz com que a comunidade, com que as pessoas que não estão nos grandes centros possam assistir filmes como o nosso. Eu acho isso lindo.”

Paulo Biscaia Filho

Outro nome importante no cinema do Paraná, o diretor, roteirista e professor Paulo Biscaia Filho, também falou sobre a importância desta primeira edição de um evento fora do circuito tradicional de mostras no estado. “É muito importante descentralizar o circuito dos festivais para longe das capitais e, principalmente, sempre dar espaço para as produções locais – exatamente o que o Curta Paranaguá está fazendo, não só com os curtas-metragens, mas também com os longas paranaenses.”

Leia também: Curta Paranaguá estreia com longas paranaenses convidados e premiação para curtas

1ª edição do Curta Paranaguá – Festival de curtas-metragens

Em homenagem ao cineasta amador autodidata do litoral paranaense Cyro Matoso (1934-2019), ganhador do Festival Nacional de Super-8, que descobriu a paixão pelo cinema nos anos 70 e produziu com recursos próprios seus filmes.
De 18 a 22 de setembro, no Teatro Raquel Costa (Rua XV de Novembro, 87 – Centro Histórico – Paranaguá-PR). Ingressos gratuitos. Outras informações no site oficial do evento.

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