Ná Ozzetti fala dos rumos até “Se você aparecer”, seu show mais autoral 

Em entrevista ao Plural às vésperas do show em Curitiba, ela falou de coincidências que definiram sua trajetória, do Grupo Rumo e de grandes parcerias

Ná Ozzetti é dona de uma voz que faz eco na música brasileira. Durante os anos 80, a voz dela estava em um dos microfones mais importantes daquela turma ponta firme que foi a Vanguarda Paulista – o Grupo Rumo. Ali nasciam músicas e um jeito de cantar novo, ousado, que trazia curiosidade e experimentalismo no mesmo compasso. 

Na verdade, esse microfone é dela até hoje. Um feito e tanto, porém tem mais, lançou trabalhos solo e passou a compor ao longo dos seus mais de 40 anos de carreira. Agora, está em turnê com “Se você aparecer” e vem a Curitiba para quatro apresentações, de quinta-feira a domingo (28/08 a 1/09), na Caixa Cultural. 

Segundo Ná, o show é o mais autoral de sua carreira, no repertório estão sucessos que marcaram sua trajetória na música e canções ainda não lançadas em disco nem no streaming (saídas de um minidocumentário gravado em 2022, com direção de Luan Cardoso), parcerias com Zélia Duncan, Zeca Baleiro, Joãozinho Gomes, Rômulo Fróes, Rodrigo Sestrem e Luiz Tatit; e ainda s. Ela sobe ao palco acompanhada por Dante Ozzetti (arranjos e violão) e Mário Manga (guitarra e violoncelo).

Ná Ozzetti

Em entrevista ao Plural, Ná relembrou momentos emocionantes na música e falou como o Grupo Rumo definiu sua trajetória artística. Ela também revelou o caminho curioso até a parceria com a curitibana Alice Ruiz e contou o papel do acaso nisso tudo. Confira a seguir.

Você começou sua carreira no Rumo, um dos destaques na Vanguarda Paulista. Além de reunir músicos talentosíssimos, dá para dizer que o grupo tem uma verve de ousadia, vinda do experimentalismo desse movimento e, certamente, também da curiosidade de seus integrantes. Qual o peso de começar a trajetória profissional no Rumo?

Olha, foi muito importante. Eu era uma aspirante a cantora e queria muito seguir carreira musical, e conheci o pessoal do grupo Rumo. Quando eu entrei no Grupo, não tinha dimensão da ideia, da qualidade, da importância da proposta. Quando, nos ensaios, eu fui entendendo o que era a proposta do canto falado e também a do “Rumo aos Antigos” – o resgate de canções menos conhecidas, de autores clássicos música brasileira como Noel Rosa, Lamartine Babo, Sinhô – fui me apaixonando cada vez mais pela pela proposta e pelos meus colegas, pessoas muito preparadas e, sim, muito interessantes e curiosas.

Além disso, outros trabalhos interessantíssimos surgiram simultaneamente. Não foi um movimento, mas foi uma coincidência, teve Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, o grupo Premeditando o Breque, até Tetê Espíndola, vinda do Mato Grosso com aquele canto maravilhoso. Eu adorava esse contexto, tanto que eu frequentava muito os shows desses meus colegas e aquilo passou a ser o meu mundo.

Especificamente por ter feito parte do Rumo e ter trabalhado anos dentro do experimentalismo e, principalmente, com o canto falado, ficou uma marca muito forte na minha forma de cantar. Eu carrego isso, o canto falado, as entoações, valorizando as acentuações. O que eu sou hoje, o que me tornei, está realmente muito ligado à minha trajetória no Rumo. 

O Grupo Rumo continua em atividade?

Sim, o rumo ainda está na ativa. A gente parou os trabalhos em 1992, quando lançamos o último disco, “Rumo ao Vivo”, e pensamos que não iríamos voltar a nos reunir para fazer música. Mas voltamos em 2004, para um show comemorativo de 30 anos, e acabamos gravando um disco em 2018, de canções inéditas. Então, a gente se deu conta de que, vira e mexe, o Rumo vai continuar. Obviamente, não tão constantemente como foi na década de 80. 

Como e quando nasceu a vontade de fazer trabalhos solo? Quando a Ná, além de intérprete, se tornou compositora?

Eu não imaginava fazer carreira solo, estava bem feliz como integrante do Grupo Rumo, na década de 80. Mas o pessoal do Lira Paulistana, um teatro que agregava toda essa geração em São Paulo, criou uns projetos diferentes, em um deles, chamaram para trabalhos solos todas as meninas que cantavam nessas bandas [da Vanguarda Paulista], a Vânia Bastos e a Suzana Salles, que cantavam com o Arrigo e com o Itamar; a Virgínia Rosa; e também me chamaram. Tive que montar um show solo e a coisa começou a mudar, fiquei com vontade de desenvolver outras ideias, fora do que estava acostumada no Rumo. Eu nunca tinha trabalhado com o meu irmão, o Dante Ozzetti, que é um supermúsico, profissionalmente, então o convidei para me ajudar na elaboração dos arranjos e foi muito bacana. A gente ensaiou muito para preparar o repertório, com uma proposta de desconstrução de canções conhecidas, chegamos a fazer “Sua Estupidez”, “Dio, Come Ti Amo”, coisas que depois eu gravei no meu primeiro disco. 

Composição também foi um acaso, uma coisa da estrada mesmo, da trajetória. Eu lancei meu primeiro disco em 88. Ele foi muito bem recebido, mas depois veio uma crise econômica no Brasil, com o Plano Collor, e os trabalhos pararam, não só para mim como para todo mundo. Aproveitei esse tempo ocioso e voltei a estudar música, fui estudar piano, com o Ricardo Bren, estudar harmonia, ao mesmo tempo, fiz aulas de dança com um professor maravilhoso, o Denilto Gomes, que me estimulava muito e comecei a ir além dos exercícios. Eu saía das aulas com muitas ideias musicais e passei a desenvolver essas ideias. A minha amiga, a mesma pessoa que me apresentou para o Rumo, a artista plástica Edith Derdyk, ouviu essa melodias – que não eram apenas melodias, tinham uma concepção rítmica, outras camadas contrapostas – e mostrou para o pessoal do Rumo, para o Paulo Tatit. Eles ficaram muito entusiasmados, isso me deu coragem. Como eu não faço as letras, faço apenas parte musical, mandei para parceiros fazerem escreverem, os primeiro foram justamente o Itamar Assumpção e o Luiz Tatit. Eles me incentivaram muito, a partir de então, tomei gosto pela composição. 

Você estudou piano na infância, começou a cantar na adolescência e, hoje, tem mais de 44 anos de carreira e conquistou prêmios importantes. Nesse caminho, certamente viveu momentos lindos e também inusitados. Então, pensando em música, qual é a sua lembrança mais emocionante?

Realmente, nessa toda a minha trajetória profissional teve momentos muito especiais, eu não consigo nem enumerar. E tem muitos momentos como plateia, porque assisti shows que foram revolucionários para mim, como o do Miles Davis, em São Paulo, e vários do Hermeto [Pascoal]. Na década de 90, quando estava nos meus experimentos de composição, eu estava muito ligada na produção da música instrumental, basicamente frequentava esses shows. Tenho muitas emoções de estar na plateia.

Agora, como atuante, posso mencionar a primeira vez que eu participei de um festival na vida. Eu não tenho uma carreira de muitos festivais e o primeiro foi o da Globo, no ano 2000. Foi muito emocionante, eu acabei sendo premiada com uma coisa que eu não esperava, porque cantores maravilhosos estavam ali. Esse foi um dos momentos mais especiais.

Nessas quatro décadas de profissão, você trabalhou com vários artistas, inclusive com uma curitibana ilustre. Como foi a parceria com Alice Ruiz? 

A Alice se mudou para São Paulo, começamos a ter mais contato, e contei isso para ela. E a Alice disse que o Itamar falava a mesma coisa para ela. Aí, eu finalmente falei “então, a gente precisa fazer parcerias” e fizemos.

Na verdade, eu tenho vontade de fazer novas parcerias com a Alice, a gente se promete o tempo todo fazer mais, temos duas: “Baú de guardados” e “Olhos de Camões”. É uma honra, a Alice é absolutamente genial, é um privilégio ter parcerias com ela. 

“Se Você Aparecer” nasceu como documentário, gravado em estúdio durante a pandemia, e deu origem ao show que agora será apresentado em Curitiba. Esta é a sua primeira turnê desde o retorno dos eventos presenciais? Como é reencontrar o público com um trabalho criado durante o isolamento social? 

Não é a primeira vez que saio de São Paulo. Eu fui a outros estados, cidades, com outros trabalhos, mas é a primeira vez que apresento o “Se Você Aparecer” fora de São Paulo. É um trabalho que tem várias canções ainda inéditas, que não foram lançadas em disco nem no streaming e estão apenas no meu canal YouTube, dentro desse ‘minidoc’ que foi gravado em 2022.  

Esse é o meu show mais autoral, tem essas canções relativamente novas e a gente construiu o roteiro baseado na minha trajetória como autora. Não tem só música minha, tem músicas do Dante que também foram importantes na minha trajetória, como “Estopim”, “Musa da Música”. É um show de uma compositora, além de cantora. É um show de composições. 

No show, você está na companhia de Dante Ozzetti (violão) e Mário Manga (guitarra e violoncelo). Como é gravar e fazer shows com um amigo de longa data e com o seu irmão?

Mário Manga e Dante Ozzetti são parceiros de longa data. O Dante é meu irmão e conheço o Manga desde a década de 80, ele era do grupo Premeditando o Breque. A primeira vez que trabalhamos juntos [com Manga] foi no meu disco “Ná”, mas ele só veio para a minha banda em 2004. A partir de 2007, quando montamos o repertório do show “Ná Canta Carmem Miranda”, que depois virou “Balangandãs”, a gente nunca mais se separou.

Na música, você vai trabalhando muito tempo com as pessoas, vira uma relação de família, o Dante é meu irmão, mas o Manga é como se fosse. Com o pessoal do Grupo Rumo, a gente tem uma relação de família, muito próxima, porque a gente divide muito tempo e trabalho juntos.

Dá trabalho você montar um disco, um show, é muita dedicação em conjunto, e muitas mãos para uma criação, então a gente se conhece muito, sabe o que esperar do outro. Eu acho lindo isso que se vai construindo em arte, de um grupo que trabalha junto, não só na música, mas em todas as artes. 

Para encerrar: O que ainda falta? Qual sonho na profissão ou na vida ainda não realizou? 

Olha, o trabalho de um artista nunca termina, é uma constante. O que eu desejo é ter condições de continuar, continuar inventando, de continuar tendo ideias e podendo realizá-las. E o meu maior sonho é que, um dia, as pessoas cantem minhas músicas nos shows. Eu acho tão bacana isso. 

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Show “Se você aparecer”, de Ná Ozzetti

De 29 de agosto a 1º de setembro, de quinta-feira a sábado, às 20h, e domingo, às 19h, na Caixa Cultural Curitiba (Rua Conselheiro Laurindo, 280, Centro). Ingressos a partir de R$ 15 (meia-entrada), à venda na bilheteria do teatro (de terça a sábado, das 10h às 20h, e domingos, das 10h às 19h). 

Classificação livre.

Duração: 1h15

Com acesso para pessoas com deficiência.

Outras informações sobre as apresentações do show de Ná Ozzetti no site CAIXA Cultural ou aqui, e pelo telefone (41) 4501-8722.

Oficina de canto com Ná Ozzetti

Vagas esgotadas.

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