Bolsonaristas da prefeitura de Curitiba estão provando doses do próprio veneno

Servidores e comissionados que fizeram campanha para Bolsonaro em 2022 são chamados de "esquerdistas" e "comunistas" pelos eleitores de Cristina Graeml

Não foram poucos os servidores com altos cargos na prefeitura de Curitiba que entraram de cabeça na campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Memes, bandeiras do Brasil e manifestações de patriotismo até então inéditas foram se tornando cada vez comuns à medida que a eleição se aproximava, o que para eles aumentava o risco da temida transformação do país na Venezuela.

Bastou uma eleição municipal, com a previsão de um embate entre a direita em 2026, para esses apoiadores de Bolsonaro serem sumariamente jogados para o outro lado. O segundo turno entre o candidato oficial Eduardo Pimentel (PSD) e Cristina Graeml (PMB), a surpresa da extrema direita, transformou os bolsonaristas municipais em “esquerdistas” – ao menos na visão de parte de seus aliados de dois anos atrás.

No mês passado, começaram a aparecer nas redes sociais comentários que comparavam o 55, número do PSD, ao 13 do PT. “55 E 13 NÃO” foi uma espécie de mantra nas caixas de comentários de publicações de candidatos a vereador pelo PSD. O partido de Gilberto Kassab, do governador Ratinho Júnior e do prefeito Rafael Greca foi chamado de lulista, esquerdista e comunista, muitas vezes por perfis suspeitos, privados ou sem publicações.

O racha ficou claro no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no dia 6 de outubro, depois que o resultado do primeiro turno foi anunciado: de um lado, comissionados e ocupantes de cargos do primeiro escalão da prefeitura com bandeiras verdes de Pimentel. Do outro, gente com a camisa da seleção brasileira chamando de “esquerdistas” e “comunistas” os eleitores de Bolsonaro em 2022 – os mesmos que votaram no negacionismo há dois anos e que agora dizem defender a ciência.

Os eleitores de Cristina Graeml seguem à risca as ordens da candidata, que fez um vídeo com Pablo Marçal, o derrotado que tomou cadeirada durante um debate em São Paulo. Ela parece ter aderido à tese marçalista de “consórcio comunista”: até o PDT de Ciro Gomes, para a comentarista da Rádio Auriverde, é um partido “de extrema esquerda”. Cristina Graeml diz ser a candidata “contra o sistema”, apesar de sua campanha ter recebido R$ 50 mil de Otávio Fakhoury, ex-diretor do Lehman Brothers, o banco que faliu em 2008. 

Neutros viram alvos fáceis

Os que ficaram neutros em 2022 são ainda mais atacados e têm suas imagens usadas para tentar tirar votos de Pimentel. O prefeito Rafael Greca é um dos principais alvos. Ele não declarou voto em Bolsonaro, não bajulou o então presidente nem cedeu ao negacionismo durante a pandemia. Recentemente, discursou contra o que chamou de “obscurantismo que mata” na Assembleia Legislativa. Nos últimos dias, passou a circular um vídeo em que Greca elogia o presidente Lula por ele discursar contra a fome.

Greca nunca esteve perto de ser lulista. Tanto que foi reconduzido ao cargo pelo eleitorado conservador de Curitiba na eleição de 2020 – beneficiado também, é verdade, pela presença de adversários bolsonaristas que mal sabiam se expressar em língua portuguesa. Agora, que o pêndulo foi para a extrema direita, foi jogado às traças. 

Márcia Huçulak, secretária de Saúde que era retratada como um demônio pelo bolsonarismo durante a pandemia, é outro nome na mira. Logo após ser eleita deputada estadual em 2022, ela não revelou seu voto no segundo turno presidencial. Por não ceder ao negacionismo no enfrentamento da covid-19, virou alvo fácil para Cristina Graeml, que já anunciou a “Doutora Cloroquina” como sua futura secretária (caso seja eleita).

Raíssa Soares ganhou o apelido quando foi secretária em Porto Seguro (BA). Em vídeos disponíveis no YouTube, ela comemora a chegada de uma remessa de cloroquina à cidade e diz que havia uma “guerra política” contra Bolsonaro, que recomendava o medicamento mesmo sem nenhuma comprovação científica – e sem ser médico. Questionada em uma entrevista, depois da divulgação de pesquisas que mostraram a ineficácia do medicamento no combate à covid, ela reafirmou sua crença. “Continuo acreditando em hidroxicloroquina”.

“Nós temos um vírus que não é letal. Mas ele se torna letal se você fica em casa”.

Raíssa Soares, anunciada por Cristina Graeml como futura secretária da Saúde

Aifu e Gestapo

As crenças de Raíssa Soares parecem servir como uma luva no ideário de Cristina Graeml. Recentemente, a candidata do PMB à prefeitura comparou a Aifu (Ação Integrada de Fiscalização Urbana) à Gestapo (a polícia secreta do regime nazista) devido à atuação de fiscalização durante a pandemia. 

Para Cristina Graeml, não há nada errado em comparar uma força-tarefa formada por bombeiros, guardas municipais, policiais militares e agentes da Vigilância Sanitária à polícia política que perseguia opositores (de comunistas a conservadores, diga-se de passagem) e mandava judeus para campos de concentração.

A declaração gerou uma reação do Conselho de Segurança (Conseg) do bairro Santa Felicidade. Em nota, o Conseg repudiou a fala de Cristina Graeml. “A declaração demonstra, em tese, falta de melhor conhecimento da Sra. candidata sobre o trabalho honroso da Forças de Segurança Pública, como a Guarda Municipal, a PMPR e o Corpo de Bombeiros”. 

“Não poderíamos, como entidade voltada à Segurança Pública, deixar de considerar tal declaração como ofensiva, uma vez que tal comparação é totalmente inapropriada, diríamos até inacreditável.”

Nota do Conseg de Santa Felicidade sobre a fala de Cristina Graeml a respeito da Aifu

As falas da candidata do PMB e sua presença no segundo turno mostram que pode não haver um limite rumo ao extremismo. Na cidade em que o segundo vereador mais votado é um jovem sem experiência política que ora para pedir a morte de outra pessoa, nada impede que a própria Cristina Graeml, caso venha ser eleita, passe a ser considerada uma comunista de carteirinha em 2028.

Veja o vídeo em que Cristina Graeml comparou a Aifu à Gestapo:

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