Desembargador do TJ diz que mulheres estão “loucas atrás de homens” e que elas cometem assédio

Luís Cesar de Paula Espíndola, que já foi condenado pelo crime de lesão corporal em contexto de violência doméstica, participava de julgamento sobre um professor acusado de assédio sexual por uma aluna de doze anos

O desembargador Luis Cesar de Paula Espíndola, 68, afirmou, durante sessão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que as mulheres estão “loucas atrás de homens” e que elas comentem assédio contra eles. A turma julgava processo sobre um professor acusado de assédio sexual contra uma menina de 12 anos, nesta quarta-feira (03).

O processo, da Comarca de União da Vitória, permitiu que a medida protetiva que impede o professor de se aproximar da estudante fosse mantida, embora o professor não tenha sido condenado nem cível nem criminalmente.

A maioria dos desembargadores entendeu que, apesar disso, seguindo o princípio da proteção integral, é dever do Estado proteger a criança de eventuais condutas inapropriadas do educador.

Espíndola, que presidente da 12ª Câmara, discordou dos colegas e alegou que a falta de provas nos autos deveria ser considerada para que o educador voltasse a lecionar para a turma da menina que fez a denúncia, que foi arquivada.

Após a formação de maioria para manutenção da medida protetiva, a desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins, 56, única mulher da 12ª, fez uma fala explicando o contexto social do machismo. Martins não votou no processo, que já tinha sido julgado.

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“[…] Mas eu não poderia deixar de responder vossa excelência [Espíndola]. Nós mulheres, sofremos muito assédio. Desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino, lamentavelmente na sociedade, que reforça o que hoje a gente chama de machismo estrutural: que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha (…) esse jeitinho de fazer de conta que está elogiando, mas que nós mulheres percebemos a lascívia quando os homens nos tratam desta forma”, falou a desembargadora.

A magistrada continuou explicando que esses comportamentos muitas vezes constrangem as mulheres e que ficou chocada com as colocações do colega, que não viu nenhum problema em o professor pedir o número de WhatsApp da aluna.

“Eu não poderia deixar de me manifestar quando uma menina de 12 anos, que está mais para criança do que para adolescente, numa cidade do interior, numa escola pública, foge, se prende no banheiro, recorre à mãe, mostra que recebeu mensagens de WhatsApp [do professor], diz que o professor passou a mão, deu piscadinha […] E ainda por cima não dar credibilidade à palavra desta vítima que é uma mulher, e uma menina”, criticou.

A fala de Ivanise Maria Tratz Martins continua no sentido do entendimento da proteção integral. “Ninguém quer crucificar o professor. Talvez seja um professor que tenha agito indevidamente e deva estar extremamente arrependido e espero que não o faça mais mesmo. Mas essa medida de proteção que só o afasta da menina não me parece que seja algo teratológico ou extremado, exagerado, tendo em vista principalmente que, além de mulher e menina nós temos também o Estatuto da Criança e do Adolescente que nos faz ter o dever de olhar pela ótica e pela proteção da criança e não do adulto”.

Machismo

O desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola, que foi denunciado em 2018 pelo Ministério Público Federal (MPF) por agredir a mãe e a irmã, retornou ao TJ no ano passado.

Ele discordou da colega alegando que as mulheres atualmente assediam homens e que a falta de homens faz com que mulheres passeiem no parque acompanhada de cachorros. “Nossa, a mulherada está louca atrás de homem. Louca para levar um elogio, uma piscada, uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não homem. Essa é a nossa realidade hoje em dia, não só aqui no Brasil (…) Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres. Vai no parque: só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro, para conversar, eventualmente para namorar”, disse Espíndola.

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Para o desembargador, a fala da colega não passou de um “discurso feminista desatualizado” (assista aqui a partir de 3:48:07). “Agora a coisa chegou num ponto hoje em dia que as mulheres é que estão assediando. Não sei se vossa excelência sabe. Professores de faculdade são assediados. Quando saem da faculdade deixam um monte de viúva. A gente cansa de ver isso e sabe disso. Então tudo é muito pessoal. Esse é um discurso que eu acho que está superado. Ninguém está correndo atrás de mulher porque está sobrando, sabe desembargadora?”

Repúdio

Dados da Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) demonstram que em 2022 o Estado foi o que mais registrou ocorrências de assédio sexual no Brasil: ano total foram 1.013 queixas.

No país, segundo a pesquisa  Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em março de 2023, o equivalente a 30 milhões de mulheres foram assediadas sexualmente no ano de 2022. O estudo foi publicado pelo Instituto Patrícia Galvão (leia aqui).

A fala do desembargador foi classificada como “odiosa manifestação” pela Ordem dos Advogados do Brasil – Paraná (OAB), que emitiu uma nota de repúdio:

“As estarrecedoras manifestações do magistrado afirmando que ‘as mulheres estão loucas atrás dos homens’ e imputando às mulheres, generalizadamente, comportamento que ele classifica como ‘assédio aos homens’, além de  discriminatórias, expressam elevado grau de desconhecimento sobre o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, de cumprimento obrigatório pelos magistrados e tribunais. Revelam ainda profundo desrespeito para com as mais recorrentes vítimas de todo o tipo de assédio: as meninas e mulheres brasileiras”, diz o texto.

“Em que pese o cenário desolador, é notável o esforço do Estado, no âmbito dos três poderes, e de toda a sociedade, inclusive da OAB, para o enfrentamento desses indicadores e da eliminação do preconceito e da discriminação contra as mulheres. Também nesse contexto, a posição assumida pelo julgador merece repúdio, uma vez que atua na contramão de um esforço coletivo no enfrentamento das barreiras impostas às mulheres e, em especial,  por partir de um servidor público com quem a sociedade deveria contar para acolher as vítimas e promover a justiça. Nunca o contrário”, continua a nota. Leia a íntegra aqui.


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