Colégios Cívico-Militares do Paraná tiveram sete denúncias de abuso sexual desde 2020

Caso mais recente foi nesta semana em São José dos Pinhais. Também há relatos de violência, racismo e autoritarismo

Mais um caso de suspeita de abuso sexual foi registrado em um Colégio Cívico-Militar do Paraná. Na noite de quinta-feira (1º), um professor da Escola Shirley Catarina Machado, em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, foi encaminhado para a delegacia após ser denunciado por duas alunas de 12 anos. Desde 2020, quando o modelo cívico-militar de educação foi adotado no estado, pelo menos sete casos de abuso sexual foram registrados. Também houve denúncias de violência física e psicológica, racismo, negligência e autoritarismo.

O professor de Geografia denunciado na quinta-feira chegou a ser encaminhado para a Delegacia da Mulher e do Adolescente de São José dos Pinhais, mas prestou depoimento e foi liberado em seguida. A delegacia confirmou que vai ouvir novas possíveis vítimas na próxima semana. Segundo uma aluna, o professor mostrou vídeos pornográficos em sala de aula e passou a mão em seu corpo. Outra estudante denunciou que o docente passou a mão em seu seio.

Em nota, a Secretaria de Estado da Educação (Seed) informou que o professor não faz parte do quadro do estado e que foi contratado por meio do PSS (Processo Seletivo Simplificado). Segundo a Seed, ao ser informada das denúncias, a diretora do estabelecimento solicitou o apoio do Batalhão de Patrulha Escolar Comunitário (Bpec). O docente foi prestou esclarecimentos à direção e foi orientado a não retornar ao colégio.

“O Núcleo Regional de Educação da Área Metropolitana Sul, responsável pela coordenação da unidade, está acompanhando o caso, por meio do serviço de Inspeção Escolar. Assim que concluídas as apurações, serão avaliadas as medidas administrativas a serem tomadas. Por ora, o professor segue afastado de suas atividades”, diz a nota enviada pela Seed. “A Secretaria de Estado da Educação do Paraná repudia qualquer forma de assédio, e reforça que o caso está sendo tratado com a máxima seriedade e em estrito sigilo, até que todas as circunstâncias sejam apuradas e os fatos esclarecidos”.

Além das denúncias de abuso sexual, também houve casos de assédio, violência e racismo desde que os Colégios Cívico-Militares foram implantados no Paraná (veja abaixo). Em um dos casos, um aluno foi impedido de entrar no estabelecimento por usar um boné. Em outro, um estudante foi agredido com um soco após ter escrito “vida loca” em uma carteira. O Policial Militar responsável pela agressão teria dito ainda que “já tinha matado vários” e que o estudante “não faria diferença”.

Segundo o governo do Paraná, o programa que instituiu os Colégio Cívico-Militares tem como objetivo “ofertar uma educação básica de qualidade, o desenvolvimento de um ambiente escolar adequado que promova a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, a gestão de excelência dos processos educacionais, pedagógicos e administrativos e o fortalecimento de valores humanos e cívicos”.

Histórico

As Escolas Cívico-Militares foram instituídas em 2019, a partir de um decreto do então presidente Jair Bolsonaro. Até 2020, o modelo foi implantado em 51 escolas do país, por meio de parcerias entre as Secretarias de Educação dos estados e o Ministério da Defesa. A previsão naquele ano era de criar quatro escolas no Paraná.

Em 2020, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou um projeto de iniciativa do governo do estado para criar os Colégios Cívico-Militares na rede estadual de educação básica, com a participação de militares inativos no cargo de monitores. O projeto se transformou na lei 20.338, que posteriormente foi revogada pela Lei 21.327, de 2022, que ainda está em vigor.

Em julho de 2023, já no governo Lula, o Ministério da Educação (MEC) encerrou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. Em ofício enviado aos secretários estaduais de Educação, o MEC desaconselhou a continuidade do programa e as Escolas Cívico-Militares em parceria com o Ministério da Defesa migrariam para as redes estaduais. No Paraná, 12 instituições estavam nesta situação.

Em maio do ano passado, o governador Ratinho Júnior (PSD) anunciou que o estado assumiria a gestão das 12 escolas que funcionavam com base no convênio com o Ministério da Defesa. Segundo a Seed, atualmente há 312 Colégios Cívico-Militares no estado, com 635 monitores, 11.579 turmas e 190.144 estudantes. A ideia é expandir a militarização para 400 escolas, segundo Ratinho Júnior.

Em abril deste ano, a Advocacia Geral da União (AGU) afirmou, em parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o modelo adotado no Paraná é inconstitucional. Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, há incongruências com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e com o Plano Nacional de Educação (PNE). O parecer foi apresentado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo PT, pelo Psol e pelo PCdoB, em 2021. O relator do caso no STF é o ministro Dias Toffoli e não há prazo para ele se manifestar.

Em São Paulo, o governador Tarcisio de Freitas (Republicanos) sancionou em maio deste ano a lei que institui o modelo no estado. Há a previsão de que os militares aposentados que atuarão como monitores receberão mais que os professores de carreira (cerca de R$ 5,6 mil, enquanto os docentes recebem R$ 5,3 mil para 40 horas de trabalho semanal).

Denúncias envolvendo os Colégios Cívico-Militares no Paraná

Agosto de 2021 – Policial Militar da reserva que atuava em Escola Cívico-Militar em Francisco Beltrão, no Sudoeste do estado, é preso sob suspeita de abusar de alunas. Elas denunciaram que ele as revistava, o que não é permitido, e dava carona para estudantes para tentar assediá-las. As estudantes disseram ainda que receberiam mensagens via WhatsApp do suspeito.

Setembro de 2021 – O Ministério Público do Paraná denuncia dois policiais militares aposentados por agredirem um aluno em um Colégio Cívico-Militar em Imbituva, na região Centro-Sul do Estado. Um dos policiais, que atuava como monitor, teria tirado o aluno da sala, dado um soco em sua nunca e dito que “já tinha matado vários” e que ele “não ia fazer diferença”. O diretor da escola teria tentado esconder o caso. Eles foram denunciados pelos crimes de ameaça, vias de fato, violência arbitrária, submissão de adolescente a constrangimento, corrupção passiva e prevaricação. A agressão teria ocorrido porque o aluno escreveu “vida loca” em uma carteira.

Novembro de 2021 – Professor de um Colégio Cívico-Militar de São José dos Pinhais é encaminhado para a delegacia suspeito de assédio. Ele teria pedido para uma aluna de 13 anos tirar a blusa e passado a mão perto de seus seios. Outra aluna, da mesma idade, disse que ele alisava suas costas e pediu seu número de celular. O docente foi transferido.

Janeiro de 2022 – Policial Militar da reserva que atuava como monitor em Colégio Cívico-Militar de Paranavaí é acusado de assediar sexualmente de alunas. O Ministério Público do Paraná (MP-PR) investigou o caso.

Março de 2022 – Diretor de um Colégio Cívico-Militar de São José dos Pinhais é denunciado por abusar de uma aluna de 11 anos dentro da sala de aula. Depois que o caso foi relevado, outras estudantes denunciaram o diretor nas redes sociais.

Março de 2023 – Aluna com cabelo pintado é ameaçada na Escola República do Uruguai, de Curitiba. A direção teria dito que ela deveria retirar a tinta, ou seria impedida de assistir às aulas no dia seguinte.

Novembro de 2023 – Mãe de aluno de Escola Cívico-Militar de Curitiba denuncia racismo. A filha dela teria sido obrigada a retirar as tranças do cabelos. A estudante também teria sido coagida a cortar o cabelo, que não caberia na boina.

Março de 2024 – Aluno do Colégio Cívico-Militar Frentino Sackser, em Francisco Beltrão, no Sudoeste do estado, é esfaqueado nas costas por outro estudante, no banheiro da instituição. Os ferimentos foram superficiais.

Fevereiro de 2024 – Homem agride dois alunos do Colégio Cívico-Militar Jayme Canet, em Curitiba. O monitor do colégio, um subtenente da Polícia Militar, viu as agressões, mas não fez nada para impedir o agressor e disse que faria “o mesmo”.

Fevereiro de 2024 – Alunos do Colégio Cívico-Militar Maestro Andrea Nuzzi, em Cambé, no Norte do estado, se envolvem em briga generalizada na frente da escola. Os militares não fizeram nada para impedir a briga. Um tiro foi disparado para o alto, mas o autor do disparo não foi identificado.

Fevereiro de 2024 – Alunos divulgam imagens e vídeos de um monitor impedindo um estudante de entrar com um boné no Colégio Polivalente Carlos Domingo Silva, em Apucarana, no Centro-Norte do estado, o que viola do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Abril de 2024 – Professor de Educação Física em Colégio Cívico-Militar em Santa Terezinha de Itaipu, no Oeste do estado, é preso suspeito de assediar sexualmente alunas do estabelecimento. Segundo a Polícia Civil, pelo menos dez estudantes entre 12 e 15 anos relataram que ele mandava dinheiro e dava presentes para as alunas.

Junho de 2024 – Policial Militar que atuava como monitor no Colégio General Osório, em Ponta Grossa, é suspeito de assediar sexualmente estudante durante viagem ao Zoológico de Curitiba.

Agosto de 2024 – Professor de Geografia do Colégio Shirley Catarina Machado, em São José dos Pinhais, é encaminhado para a delegacia após ser acusado de abuso sexual por duas alunas de 12 anos. A Polícia Civil investigar o caso. O docente foi afastado.

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1 comentário em “Colégios Cívico-Militares do Paraná tiveram sete denúncias de abuso sexual desde 2020”

  1. Valnei Francisco de França

    Nada fora do cotidiano. Nossos dia a dia estão repletos desta e outras violências, dá a aparência de normalidade, naturalidade. As autoridades não conseguem, ou não querem, estudar este problema para buscar soluções. Isto pode ser fruto da ideologia que permeia estas instituições. Militarizar escola ou educar a Segurança Pública? A solução parece não ser bem quista e sim a aparência de caos que justifique a repressão, a impunidade, o descaso. O resultado é uma postura de justificação, camuflada por um discurso recheado de estatísticas, onde os Governos apresentar seus feitos. Do outro lado, a população mais carente, indefesa, sofre não apenas na mão da criminalidade, mas, acima de tudo do abandono e mesmo da violência da própria polícia. Estão chegando novas eleições, virão novos discursos, a população precisa exigir dos candidatos comprometimento com ações que protejam a população e não apenas as instituições.

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