Documentário retrata “plataformização” e desumanização na educação

Filme mostra a realidade da educação pública no Paraná a partir das histórias de quatro educadoras

Uma profissão que está sendo destruída pelas máquinas. A avaliação é de uma das quatro personagens do documentário “Professoras”, que terá pré-estreia nesta terça-feira, 9 de julho, na Cinemateca de Curitiba. Partindo do relato de quatro professoras da rede estadual, o longa-metragem retrata o processo de “plataformização” a que foi submetida a educação desde a pandemia, com a incorporação de plataformas digitais nos processos de ensino, a perda de impessoalidade e os impactos no trabalho das docentes.

O documentário tem roteiro e direção de Juslaine Abreu-Nogueira e Eduardo Baggio, professores em cursos de graduação e mestrado na área de Cinema na Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Foi realizado por estudantes, egressos da universidade e professores da graduação em Cinema e Audiovisual e da pós-graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV).

“A gente tinha contato com as professoras. Já era genuíno e autêntico. Já desenvolvíamos um projeto e tínhamos uma relação comum, quase cotidiana entre a universidade e a escola. No decorrer da pandemia, a gente foi notando, por comentários, que algo em termos de política pública de educação estava acontecendo. E tinha a ver com o tema da plataformização”, conta Juslaine Abreu-Nogueira.

O ponto de partida é 2020, durante a pandemia, quando a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed), então comandada pelo secretário Renato Feder, começou a implementar um sistema multiplataforma de educação a distância, com aulas transmitidas pela televisão, pelo YouTube e por meio de um aplicativo. Em 2022, ele assumiu o cargo de secretário da Educação em São Paulo.

“Não tinha como fugir das aulas on-line, foram recursos necessários, mas isso tinha um impacto no trabalho das professoras. Elas tinham a preocupação com a qualificação dos estudantes e de como manter o vínculo com eles”, diz Juslaine Abreu-Nogueira. “Fomos percebendo, na esteira da pandemia, um projeto de plataformização da educação, e fomos recolhendo material com elas. Em 2022, quando o Feder vai para São Paulo e começa a implementar a política lá, isso começa a repercutir, mas as coisas já estavam apaziguadas no Paraná. O cinema brasileiro e o cinema paranaense têm uma responsabilidade. Era nossa responsabilidade retratar isso”.

Distopia

As filmagens começaram em dezembro de 2022, mas a maior parte foi feita entre junho e julho de 2023. Os depoimentos das quatro docentes são o principal recurso narrativo, mas também há encenações de atividades realizadas durante a pandemia, quando elas davam aulas em casa, além de vídeos e áudios gravados pelas docentes. A narrativa segue até a retomada das aulas presenciais.

“Discutimos como isso significa uma retirada de autonomia dessas docentes, significa uma retirada das relações humanas. A chamada on-line, o reconhecimento facial. Quem está tomando as decisões não está entendendo que, quando os estudantes são chamados pelo nome, eles estão sendo reconhecidos por uma instituição. A impressão é que quem está lá em cima não tem ideia disso. É um sistema computadorizado e frio, que não permite que essas relações sejam mantidas”, afirma Eduardo Baggio.

Segundo ele, houve um estranhamento inicial quando as professoras começaram a contar sobre as novas ferramentas de trabalho, ainda em 2020. “Elas começaram a falar sobre coisas como Educatron (uma das plataformas utilizadas) e chamadas por reconhecimento facial”, recorda Baggio. “Ao mesmo tempo elas relatavam cansaço, adoecimento e sentimento de impotência, o sentimento de que não se sentiam mais criativas no espaço das aulas, só reproduziam conteúdos. E ao mesmo tempo isso roubava o vínculo com os alunos, que se tornavam cada vez mais violentos. Vimos elas entristecerem. É muito estranho, nem a pior distopia teria previsto esse tipo de coisa”.

Para Juslaine Abreu-Nogueira, o modo como as novas tecnologias têm sido usadas na educação tem gerado mais problemas que avanços. “Acredito que essas tecnologias tenham potencial para ajudar a educação, mas a educação não está sendo levada a sério. Isso está sendo implementado sem qualquer ciência do que é o processo educacional e a sociabilização na escola”, avalia. “A escola tem uma relação com a comunidade, portanto uma relação com o bairro e a história. Uma plataformização como a que está acontecendo rouba a essência, a função social”.

O documentário é resultado de um trabalho de pesquisa feito através do Laboratório de Investigações em Cinema e Audiovisual (LICA) e dos grupos de pesquisa CINECRIARE (Unespar/CNPq), GPACS (Unespar/CNPq) e GILDA (UFPR/CNPq).

Serviço
Documentário “Professoras” (roteiro e direção de Eduardo Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira)
Pré-estreia: dia 9 de julho, 19h
Local: Cinemateca de Curitiba (R. Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 – São Francisco)
Entrada franca com distribuição de ingressos a partir das 18h30

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Documentário retrata “plataformização” e desumanização na educação”

  1. Vinicius Eduardo Wassmansdorf

    Olá! Ótima matéria. É possível passar o email da diretora/produtora do documentário? Estou pesquisando a plataformização da educação no Mestrado e gostaria de entrar em contato com eles. Muito obrigado

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