Tribunal de Contas vê irregularidades em projeto-piloto do programa de terceirização em escolas

Relatório fala em “agentes públicos atuando com erro grosseiro” e pede a responsabilização dos gestores envolvidos

Uma auditoria da 2ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado Paraná (TCE) inidicou sete irregularidades nas duas escolas apontadas pelo governo do Paraná com modelo para o programa Parceiro na Escola, que prevê a terceirização dos serviços administradores em 204 estabelecimentos. 

Aprovado em maio deste ano pela Assembleia Legislativa, o programa Parceiro na Escola teve como base as experiências dos colégios Anibal Khury, em Curitiba, e Anita Canet, em São José dos Pinhais, que passaram a ser administradas por empresas em 2022.

A 2ª Inspetoria apontou sete irregularidades: uso indevido da modalidade Credenciamento; ausência de dotação orçamentária específica para o projeto; ausência de Estudo Técnico Preliminar; ausência de detalhamento dos custos na formação dos preços; exigência de capacidade técnica acima do limite de 50%; falta de justificativa quanto à exigência da nota do Enem como requisito para a capacidade técnica; e falta de atuação das instâncias de controle interno.

O relatório fala ainda em “agentes públicos atuando com erro grosseiro” e pede a responsabilização dos gestores envolvidos (da Secretaria da Educação e da Paraná Educação), com base no artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), que determina que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”

Na sessão de terça-feira (22) da Assembleia, a deputada Ana Júlia (PT) afirmou que a Secretaria de Educação (Seed) não comprovou a dotação orçamentária específica para um programa que custou R$ 220 milhões aos cofres públicos. “A privatização, além de absurda, é ilegal. São várias as irregularidades no processo conduzido pelo governo de Ratinho Junior”, disse.

Ela lembrou há uma ação de inconstitucionalidade em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). “A privatização não se sustenta juridicamente. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) estabelece que a gestão democrática do sistema é financeira, administrativa e pedagógica, pontos que são inseparáveis”, afirmou Ana Júlia, que voltou a pedir que o secretário da Educação, Roni Miranda, preste esclarecimentos na Assembleia.

Veja os principais problemas apontados em cada ponto:

Uso indevido da modalidade Credenciamento

“Houve desvio da natureza que caracteriza a modalidade credenciamento, tendo em vista o desrespeito ao seu aspecto essencial, qual seja, o caráter permanente de cadastramento de novos interessados.”

“Destacamos que não há condições padronizadas de contratação, tendo em vista que o objeto licitado envolve unidades escolares heterogêneas (com número de alunos entre 410 e 1.222 conforme tabela constante no item 2.1 do Edital de Credenciamento n. 03/2022). Como a contrapartida se dá em razão do número de alunos atendidos, poderia haver um credenciado remunerado em até três vezes mais do que aquele que receber a menor escola do rol. Ainda, é possível que as condições de conservação das escolas exijam diferentes esforços e dispêndios em termos de manutenção e obras.”

Ausência de dotação orçamentária

“No momento de abertura do credenciamento, não havia disponibilidade orçamentária específica para o Projeto Parceiro da Escola. A Declaração PREDUC nº 029/2022 comprova a falta de atendimento aos requisitos orçamentários, tendo em vista que informa que os recursos necessários para fazer frente ao projeto seriam remanejados de outros projetos/atividades da Educação, sem especificá-los.”

“Configura-se, portanto, o uso de previsão global e genérica envolvendo diversas fontes a serem remanejadas, sem que haja disponibilidade orçamentária assegurada na abertura do credenciamento em análise. Desse modo, há o desrespeito aos princípios orçamentários e aos ditames constitucionais que regem o início de projetos ou programas governamentais.”

Ausência de estudo técnico preliminar

“Foi constatada a ausência de estudo técnico preliminar (ETP) em ofensa ao art. 18, parágrafo I, da Lei Federal n. 14.133/21 e ao art. 15 do Decreto Estadual nº 10.086/22. A ausência do ETP fragiliza o planejamento da contratação, na medida em que referido documento está voltado para a evidenciação do problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação de sua viabilidade técnica e econômica.”

Ausência de detalhamento dos custos

“Quanto a formação de preços, cabe observar que A falta de detalhamento dos custos omite a existência de produtos e serviços componentes do preço global que deveriam estar sujeitos à formação de preço com base em ampla pesquisa, em ofensa aos art. 296 e art. 368 do Decreto Estadual n. 10.086/22.”

“Fica evidenciado que a falta de detalhamento dos custos e respectivas memórias de cálculo compromete a melhor formação de preço possível. Como consequência, resta prejudicada a análise da viabilidade econômica, o que, por sua vez impossibilita a avaliação analítica de um projeto que se intitula piloto.”

Exigência de capacidade acima de 50% para número de alunos

“Houve afronta aos arts. 67, §2º da Lei Federal n. 14.133/21 e 468, §5º do Decreto Estadual n. 10.086/22 com relação à exigência contida no item 5.2 do Edital de Credenciamento, que estabelece o número mínimo de alunos matriculados em instituições próprias dos interessados.”

“Naturalmente, as exigências para gerir uma escola com 410 alunos diferem daquelas necessárias à gestão de uma escola de 1.222 estudantes, o que, comparativamente, representa três vezes o montante de alunos da primeira. Mesmo diante dessas disparidades, o PARANEDUCAÇÃO estipulou o mesmo critério de qualificação técnica a quaisquer interessados, estabelecendo o número mínimo de 5.000 alunos por ano, conforme especifica o termo de referência.”

Nota do Enem como requisito para capacidade técnica

“Também no que se refere aos requisitos de capacidade técnica, verificou-se a imposição de nota de avaliação mínima de 550 (quinhentos e cinquenta) pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), constante do item 5.2.1 letra “b” do Edital de Credenciamento em análise.”

“Vale ressaltar que não consta do Termo de Referência (TR), ou de qualquer outra peça componente desse credenciamento, a justificativa técnica para utilização do ENEM, inclusive nos valores estipulados, como critério para habilitação das interessadas (550 pontos).”

“Além da exigência em relação à quantidade de alunos atendidos, o Edital estabelece tão somente o indicador ENEM para fins de habilitação dos interessados. Ocorre que tal adoção se deu de forma injustificada, sem que se faça compreender o elo entre o desempenho pedagógico do estudante – refletido pelo indicador – e a gestão administrativa da unidade escolar, objeto do credenciamento.”

Falta de controle interno

“A análise detida dos atos que compõem o Credenciamento n° 03/2022 aponta para a ausência de manifestação da Unidade de Controle Interno da Secretaria de Estado da Educação e do PARANAEDUCAÇÃO, em ofensa ao seu dever de avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos.”

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