Aclamado como herói por evangélicos e comunidade LGBT, Oziel Santos é sepultado

Após intervir para evitar crime em ônibus de Curitiba, Oziel foi brutalmente esfaqueado e morto

Numa casa do Rio Bonito, no extremo Sul de Curitiba, dois pais choraram juntos a perda de um mesmo filho. Mateus, um senhor já idoso, teve cinco outros filhos além de Oziel. Paulo, além de suas duas filhas biológicas, adotou informalmente o garoto Oziel quando ainda era pequeno. Agora, aos 40 anos, o filho deles tinha sido assassinado.

“Fui lá para o Rio Bonito para o velório e acabei dormindo na casa deles”, contava Paulão no enterro. “Ficamos os dois sem conseguir dormir.” No sepultamento, as famílias estavam juntas mais uma vez, cercadas por uma centena de pessoas de todos os lados que foram levar solidariedade.

Oziel Branques dos Santos foi morto no domingo (16), quando tentou defender um casal LBGT de um ataque criminoso. No biarticulado Santa Cândida-Capão Raso, Jean e Camila (um homem cis e uma mulher trans) foram atacados covardemente por dois homens incomodados com a sexualidade alheia. Queriam arrancar as calças de Jean para ver afinal qual era a sua genitália.

Num gesto corajoso, Oziel intercedeu, tentou ajudar as vítimas. Acabou agarrado e esfaqueado até a morte. No domingo ainda, seu corpo seguiu para o Instituto Médico Legal. Na segunda, fez-se o velório. Nesta terça, o corpo foi levado ao Cemitério Municipal do Santa Cândida e sepultado pouco depois das 15 horas.

O menino Oziel nasceu quando sua família ainda morava em Colombo. Vivia muito pelas ruas, e acabou encontrando Paulo. O “Paulão do Cachorro Quente”, hoje conhecido pelos anos vendendo lanches nas portas de estádios, na época tinha uma lanchonete no Santa Cândida.

“Ele ficava ali comigo, me ajudava, logo estava morando lá em casa”, diz Paulão. Com a esposa Leonilda, professora na rede pública de Colombo, Paulo teve duas meninas: Raíssa e Paula. “Eu queria um menino e peguei o Oziel pra criar. Ele era da família mesmo.”

Paulo acha inclusive que em outras vidas já tinha conhecido Oziel. “Eu acredito nisso. Que a gente já se conhecia e que, agora, como eu voltei mais evoluído, tinha como cuidar dele. E cuidei”, dizia o pai, desconsolado, no cemitério.

Durante muitos anos Oziel ajudou com o cachorro-quente, nos jogos de futebol, nas igrejas. Pequeno ainda, às vezes pedia para o pai para dormir um pouco na kombi. “Eu fui professor também, mas o cachorro-quente começou a ir bem e fiquei nisso.”

Religioso, Oziel frequentava a Assembleia de Deus. Em seu sepultamento, conseguiu o que para muitos parece impossível: reuniu a comunidade LGBT, que prestou homenagens a ele como um herói que tentou interromper um crime contra um casal, e a comunidade assembleiana.

Três líderes da comunidade LGBT, incluindo a vereadora Giórgia Prates (PT), leram um texto em homenagem a Oziel. Depois de ouvirem respeitosamente, os líderes religiosos fizeram suas orações, e foram ouvidos com igual respeito. “Precisou ter uma morte pra gente se unir aqui”, alguém disse baixinho.

O corpo foi sepultado num túmulo cedido pelo Grupo Dignidade. Ao lado do túmulo, além dos pais e dos irmãos, estava Monique, a filha que Oziel deixou ainda menina.

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3 comentários em “Aclamado como herói por evangélicos e comunidade LGBT, Oziel Santos é sepultado”

  1. O túmulo foi cedido por uma pessoa trans da comunidade, onde estão sepultados, entre outas personalidades, Marcio Marins e Gilda.

    Curitiba um dia teve campanhas contra lgbtifobia nos ônibus, agora tem assassinato. Há sangue em muitas mãos.

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