Dados mostram por que e quem quer comprar escolas públicas

Ratinho Júnior apostou alto no processo de terceirizar escolas estaduais. Dados da educação mostram quem vai se interessar pelo negócio

Nas últimas semanas o Paraná assistiu uma correria do Governo do Paraná para aprovar um projeto de lei que autoriza a terceirização de escolas públicas no estado. Não foi a primeira tentativa do governo na área, nem é a última ação nesse caminho. Como na privatização da Copel, o governo de Ratinho Júnior está dando passos em direção a privação de parte da estrutura da rede estadual de ensino. O Plural analisou dados de escolas públicas, privadas do estado, além de informações do mercado da educação para verificar, afinal, qual o objetivo final desse processo.

Os dados mostram que a redução na taxa de natalidade no país nas últimas décadas resultou na queda no número de alunos na educação básica pública e estagnação das matrículas do setor privado. Isso ocorreu apesar de desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, de 1996, a obrigatoriedade da escolarização de crianças tenha aumentado e o investimento na universalização da educação básica tenha aumentado.

Por outro lado, os dados mostram que o custo da educação privada é alto e continua aumentando, muito embora as escolas privadas tenham professores menos qualificados e ganhando menos que na rede pública. Já na rede pública, o peso da folha de pagamento dos profissionais da educação tem ganhado cada vez mais relevância no orçamento dos órgãos públicos, restringindo os valores “livres” da pasta, ou seja, aqueles recursos que o governo tem liberdade para decidir o que fazer com ele. Somado aos recursos públicos da educação que são de administração direta das comunidades escolares, sobra muito pouca margem de manobra para a gestão gastar livremente.

Nesse período, dos anos 1990 até hoje, o valor investido pelos governos por aluno matriculado na rede básica aumentou, mas está longe do custo da iniciativa privada. Como o governo, mesmo com a terceirização aprovada, não pode gastar mais com os alunos das escolas terceirizadas do que com o restante da rede de escolas estaduais, o valor que poderá ser pago às empresas que eventualmente assumirem escolas públicas não será atraente para as escolas privadas de elite.

Confira os dados e veja o que descobrimos:

O setor de educação está encolhendo

Dados do Censo Escolar dos últimos dez anos mostram que o total de alunos matriculados na rede pública de ensino caiu de 1,7 milhão para 1,5 milhão. Isso compreende alunos matriculados no Ensino Fundamental e Ensino Médio de escolas municipais, estaduais e federais. Por outro lado, a rede privada do estado, ficou estagnada no mesmo período em torno de 250 mil estudantes. O pouco avanço feito entre 2012 e 2020 foi perdido durante a pandemia, quando o setor perdeu 14 mil matrículas.

Apesar disso, a Educação Básica tem atraído grandes grupos da educação que antes estavam focados na Educação Superior e nos altos investimentos do governo federal na área. Com a redução no número de pessoas com contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), o volume de dinheiro circulando na Educação Superior Privada foi reduzido. O setor tem cerca de duas mil instituições no país. A Educação Básica, porém, tem 41,5 mil escolas privadas em todo estado.

Em análise publicada em 2018, a Mercado e Educação relatou uma série de operações que mostram o crescimento do interesse de grandes grupos de educação na área: “Neste cenário, surge um consenso sobre oportunidades de negócio na educação básica. De lá até aqui, inúmeras movimentações relevantes no mercado aconteceram. Cito algumas como exemplo: aquisição da Somos pela Cogna (ex Kroton), novos grupos começam a ganhar espaço como Bahema, Rede Decisão, Inspira Rede de Educadores e Camino Education. IPO da Arco Educação e da Vasta Educação, troca de ativos entre Cogna e Eleva Educação e mais recentemente a aquisição dos sistemas de ensino COC e Dom Bosco pela Arco, abertura de capital da Cruzeiro do Sul e a intenção de IPO da Eleva Educação e do Grupo SEB para escolas Maple Bear e perfil de escolas Premium“.

Mas a entrada de grandes grupos de capital aberto no setor também exige estratégias que ampliem o número de matrículas. Sem um crescimento orgânico significativo no número de estudantes, resta as redes privadas conquistar alunos da rede pública. Isso pode se dar pelo convencimento direto das famílias ou pela entrada de entidades privadas no mercado da educação pública. A terceirização é uma porta para essa segunda estratégia.

Em Curitiba, onde a prefeitura terceirizou vagas da Educação Infantil, foi exatamente isso que aconteceu. A compra de vagas, pela prefeitura, na rede privada representa hoje um a cada três alunos matriculados na rede particular.

Terceirização não vai atrair modelo premium de escolas privadas

Desde 2021, Curitiba terceiriza as vagas da Educação Infantil da rede municipal de ensino. No modelo implantado pelo prefeito Rafael Greca, o município compra vagas por dia de atendimento pagando R$ 50 por dia, por aluno, para o período integral e R$ 25 por dia, por aluno, para meio período (valor na assinatura do contrato, em 2022. Hoje o valor por aluno, por dia, em período integral está em R$ 55). Isso significa R$ 10 mil por ano, por aluno ou uma mensalidade de R$ 833 por doze meses.

Com esse valor, Curitiba conseguiu atrair para o negócio apenas pequenas escolas de educação infantil, entidades beneficentes que já prestavam serviço na área e entidades religiosas que atuam na área da educação. Não há entre as contratadas nenhuma das redes de escolas privadas premium da capital, como o Marista, Dom Bosco, Positivo, Bom Jesus etc.

A Prefeitura de Curitiba, no entanto, tem mais recursos por aluno do que o Governo do Paraná, como dá para observar no gráfico dos valores por aluno, por fase do ensino acima. Ou seja, é improvável que a terceirização das escolas na rede estadual vá atrair o modelo “premium” da rede privada, assim como não atraiu na rede municipal de Curitiba.

Isso acontece porque, como é possível observar, os valores disponíveis para essa contratação estão próximos da média do custo anual de alunos na rede privada. Ou seja, abaixo do custo anual dos alunos em escolas privadas de elite. Por exemplo, o custo médio anual de alunos no Ensino Fundamental na rede privada no Paraná é de R$ 10 mil (ou cerca de R$ 833,33 por mês). O custo médio na rede estadual é de R$ 11 mil (Ou cerca de R$ 900 por mês). Mas o custo anual em uma escola de elite é de R$ 24 mil ou cerca de R$ 2 mil por mês.

As escolas privadas são melhores que as públicas? Não é bem assim

Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) apontam um desempenho melhor das escolas privadas em relação a rede estadual. Os dados, porém, precisam ser olhados com cautela. Em primeiro lugar porque o número de alunos na rede estadual é seis vezes o número de alunos da rede particular. Além de mais alunos, a rede pública absorve uma quantidade maior de estudantes que podem apresentar dificuldades de aprendizagem, como alunos da educação especial, crianças e adolescentes em situação de risco, filhos de pais analfabetos ou com baixa escolaridade etc.

Apesar disso a diferença de desempenho entre as duas redes não é significativa. Era de se esperar que a rede privada tivesse um desempenho muito melhor. Mas não é o caso.

Sobre o/a autor/a

29 comentários em “Dados mostram por que e quem quer comprar escolas públicas”

  1. Gente, uma dúvida: se o governo faz propaganda de que o Paraná tem a “melhor educação do Brasil”, por que vai privatizar escolas, alegando que não consegue garantir qualidade nelas? Deu um bug aqui no cérebro.

  2. Um rato que nunca estudou direito e que jamais trabalhou só poderia ter ódio às escolas e achar que greve se acaba com prisão de seus líderes. Como o Paraná virou incubadora das experiências neoliberais. Sucateiam e vendem o estado para os poucos que o exploram bilhardariamente. Pobre povo que elegeu isso aí.

    1. Concordo, tem que privatizar, a começar pelo governo que não tem competência de gerir a própria gestão. Vamos privatizar a administração( governo). Sou a favor.

  3. Se os professores da rede pública são “mais qualificados” e recebem mais que os da escola privada, por que razão o ensino público é tão ruim? Se o ensino particular não é melhor que o público, por que razão a maioria dos aprovados em universidades concorridas é oriundo do ensino privado (desconsiderando os cotistas)? Está forçando a narrativa hein…

    1. “Em primeiro lugar porque o número de alunos na rede estadual é seis vezes o número de alunos da rede particular. Além de mais alunos, a rede pública absorve uma quantidade maior de estudantes que podem apresentar dificuldades de aprendizagem, como alunos da educação especial, crianças e adolescentes em situação de risco, filhos de pais analfabetos ou com baixa escolaridade etc.

      Apesar disso a diferença de desempenho entre as duas redes não é significativa. Era de se esperar que a rede privada tivesse um desempenho muito melhor. Mas não é o caso.

    2. ‘Forçar narrativa’ percebe-se pelo vocabulário onde você tem se informado. 1º como a notícia diz, a rede pública absorve alunos em condições vulneráveis e condições especiais com mais frequência, além do número de estudantes em sala de aula ser bem maior. 2º A grande questão é que as escolas particulares formam para o vestibular, apenas! Em literatura os clássicos não são lidos ou debatidos, apenas se vê resumos e como estes caem nos vestibulares. 3º O projeto de ensino da escola pública é voltado para uma atuação comunitária em realidades distintas. 4º A estrutura familiar e as estruturas escolares são os grandes diferenciais nestes casos. 5º Mesmo assim, tem muito aluno de escola pública em cursos não elitizados que entraram via ENEM e vestibular.
      No final das contas o problema é o vestibular e o filtro de exclusão que ele causa. A mudança do ensino no Brasil só virá com a abolição do vestibular, que abolirá o lobby em torno da educação!!

    3. Valnei Francisco de França

      Senhor Klein, a comparação entre a “educação privada” e a “educação pública” é complexa e não pode ser reduzida entre melhor e pior. O artigo em questão, parte de informações financeiras e é até interessante, pois é um ponto de partida. A complexidade da Rede Pública Estadual de Educação merece um trato mais amplo. Não é que recebemos “os desvalidos” da Sociedade e sim porquê recebemos todos os cidadãos que precisam de educação. Não há proibição ou seleção, deste ou daquele. Assim, convivem numa mesma Escola, Série, turma, alunos das mais variadas origens culturais o que passa ao Professor conseguir um êxito em meio a tanta diversidade. Aprender exige conhecimento de si, qual aluno da tenra idade educacional que já vem com esse recurso desenvolvido? No artigo, aponta-se a quantidade de alunos por turma. Importante. Quando estive em sala, minhas turmas do Ensino Médio tinham de 40 a 45, e tive um segundo ano com 56 alunos. Culpar quem? Negar a matrícula? Ou buscar um equilíbrio na metodologia e a quantidade de alunos? No início dos anos 2000, o ensino médio recebeu muitos alunos da “correção de fluxo”, e olha que se da mesma Escola, “UFA”, Mas, geralmente, procediam de várias Escolas. A iniciativa é bem vinda na área de Educação, mas construindo suas próprias escolas e daí se candidatando a receber alunos da Rede Pública. Outro problema que encontramos é o da “continuidade”, pois existe um descompasso entre o realizado na Escola e as propostas das Secretarias. Agora, com a presença da iniciativa privada na Escola, a tendência será passar a ela a gestão pedagógica também. Não cabe torcidas no momento, mas muita reflexão.

      1. Concordo plenamente, o grande problema na educação pública é a descontinuidade de trabalhos. Cada governante que assume imediatamente destitui os cargos de chefias e programas para implantar o “seu governo”, com isso inúmeros programas ridículos, ineficazes e mirabolantes são colocados em marcha, deixando muitas vezes de lado, ou ignorados, os programas que estão sendo eficazes. É uma norma do governo, em geral, colocar no comando muitas vezes pessoas sem o devido conhecimento daquilo que deverão exercer.
        Diferentemente as escolas privadas mantem uma linha de trabalho quase imutável, sofrendo correções ao longo do tempo o que as torna mais eficientes e atualizadas.
        O problema maior da educação pública é de origem política, ou melhor de origem de politicalhas. O que esperar de um chefe de executivo que não tem noção absoluta de educação e se cerca de pessoas ineficientes ou apenas interessadas em lucrar com a educação?
        Como educador que sou, com larga experiência tanto na parte pedagógica como na parte administrativa posso afirmar que a escola pública pode ser infinitamente melhor que a privada, porem é necessário que as políticas educacionais tenham sequencia duradoura e não, como acontece, cada governante se acha o descobridor da roda.

    4. Você leu a reportagem ? Caso tenha lido, entendeu ?? Ela explica bem a sua pergunta, sendo bem escrita, perfeitamente esclarecedora sobre as situações que interferem nos índices. Outra coisa, complementando, muitos alunos de escola pública possuem situação em que nem vestibular fazem, e muitos acreditam que a educação é uma obrigação e não um direito, fator que modifica totalmente o interesse e consequentemente o aprendizado.

    5. A diferença está na família…. O aluno de escola particular tem a família no pé 100% do tempo, cobrando e dando suporte! Infelizmente muitos pais da escola pública vêem o espaço como depósito de crianças, e não como espaço de crescimento. Sendo assim, o diferencial é o aluno e a família

    6. O próprio texto traz algumas hipóteses. A escola pública tem 6 vezes mais estudantes, dentre eles alunos com dificuldades de aprendizagens, transtornos, vulnerabilidade social, pais com baixa escolaridade, imigrantes, etc…

    7. E tem a questão da infraestrutura tbm. A rede particular “Premium” tem uma estrutura mto maior. Além disso, os docentes muitas vezes trabalham 60h em escolas e redes diferentes para ter uma salário razoável, já que o salário de 40h é muito pouco!

    8. Você sabia que uma escola não é composta só por professores? Já parou para pensar que a infraestrutura deficitária da maioria das escolas públicas afeta a qualidade. Já parou para pensar que as vagas em universidades públicas ficam com alunos de cursinhos que são especializados em aprovar pessoas no vestibular, mas esses mesmos cursinhos muitas vezes não tiram as melhores notas nos índices de avaliação? Sabia que muitos jovens são aprovados no vestibular não porque têm mais conteúdo, mas porque foram mais bem treinados para isso?

  4. Marcos Aurélio dos Santos Vieira

    O Rato já vendeu a Copel agora quer vender a educação em pouco tempo não há era mais concurso público, os professores serão contratados por tempo determinado e por PJ, os alunos sairão das escolas sabendo bem menos do sabem hoje, o que resta então e trabalhar para pagar faculdade particular, se hj poucos alunos da rede pública estadual conseguem adentrar em faculdades públicas imaginem com a degradação do ensino público estadual que rato quer fazer, mas não e só isso, o conteúdo pedagógico escolar será, com certeza ao gosto de quem irá administrar, e o prestador de serviço não vai desagradar quem lhe paga, se que me entenderam, irão alienar os jovens, como está escrito…ordem para os pobres e progresso para os ricos

  5. Governador tal Pai tal Filho, e tal presidente da assembleia legislativa, tenho a dizer que esta privatização tem outro objetivo que é bem profundo o comando político na área da educação , diretores administrativos serão os cabos eleitorais da politicagem nas Eleições se acontecer já agora já serão 200 cabos já colocados nestas escolas para o próximo ano e com um orçamento invejável, isto é um golpe de grande da malandragem política contra este pica sofrido é ditadura certa.

  6. Consuelo Alcioni Borba Duarte Schlichta

    Análise bem esclarecedora! E reveladora das razões espúrias por trás da manobra da privatização da educação do governo Rato Junior

  7. Vergonhoso.
    A atitude do governador Ratinho não se limita às escolas fundamentais.
    Estamos esperando a informação sobre onde está sendo gasto o valor obtido com a venda da Copel também.
    Nota-se que o governo tem interesses
    dos quais o povo não faz parte.

  8. Obrigada e parabéns pela matéria esclarecedora. Infelizmente, não há na maioria das mídias a imparcialidade, tão pouco pontos positivos e negativos da privatização.

  9. Essa privatização desenfreada é caótica, toda a população perde para que meia dúzia de empresários ganhem. O curioso é que o político só se elege com o voto do povo e trai esse povo em cada oportunidade, só fazem um vídeo caro, vendendo fantasias e ilusão e ano que vem se candidata de novo pra mamar a vida toda, por gerações nas tetas do povo!!!

  10. Solange Smaniotto Candal

    Parabéns pela qualidade da matéria!
    Muito esclarecedora sobre quais são os reais interesses que ditam essas propostas de privatizações!

  11. Vivemos a barbárie. Em nome de uma pretensa eficiência, o governador do Paraná quer transferir sua responsabilidade constitucional de ofertar e administrar os serviços essenciais para empresas privadas pagando um gordo soldo… Se não tem competência nem vontade de administrar para o bem público, por que não privatiza seu gabinete e entrega a chave do palácio para um oportunista qualquer? A ironia aqui é evidente, mas não esconde o óbvio. Nojo absoluto!

    1. Parabéns pelo seu comentário Juraram, da o das suas palavras as minhas. E acrescento que o cargo de governador não passa de um funcionário da iniciativa privada, sendo a extensão do quintal do público para o privado.

  12. Nilson Fernando de Lima Santos

    Ótima matéria, parabéns.
    A dita direita Miami, diz “menos Estado”… Sim, para o povo.Para eles sempre e bem vindo, hipócritas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima