Informação de qualidade depende da valorização do jornalista, afirma Pierre Haski

Para presidente da ONG Repórteres sem Fronteiras, desconcentração econômica da mídia melhoraria cobertura e combateria desinformação

As transformações tecnológicas das últimas décadas têm mudado a forma de se fazer jornalismo, afetando a produção, a circulação e o consumo de notícias. Inicialmente vistas de forma positiva, essas mudanças, no entanto, não garantiram a melhoria da qualidade da informação. O maior acesso à tecnologia acabou facilitando a produção e circulação de notícias falsas e de desinformação em larga escala, criando um ambiente de descrédito em relação aos jornalistas e aos veículos tradicionais.

As inovações no jornalismo, que se intensificaram com a incorporação da Internet na produção e circulação de notícias a partir dos anos 1990, não vão cessar nos próximos anos. No horizonte de repórteres e editores, a inteligência artificial deve modificar ainda mais a forma de obter e transmitir informações. Porém, o que realmente garante o acesso a informações verdadeiras é a manutenção do papel do jornalista na sociedade.

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Essa é a visão de Pierre Haski, presidente da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) desde 2017 e cronista da Rádio France Inter, uma das mais importantes da França, onde faz análises sobre geopolítica e temas internacionais. Na sexta-feira (13), Haski falou aos alunos do instituto de jornalismo da Universidade Bordeaux Montaigne (IJBA), na cidade de Bordeaux, em uma aula inaugural, oportunidade na qual fez um balanço de 50 anos de carreira e fez uma reflexão sobre os principais desafios da profissão.

Ao falar de sua trajetória como jornalista iniciada em 1973, Haski comenta que começou a trabalhar usando máquina de escrever e que produzia suas reportagens em laudas de papel e carbono. Ele descreve que as cópias das reportagens eram enviadas aos editores na redação da Agência France Presse (AFP) por meio de um sistema de tubos plásticos. “Eram a grande modernidade da época”, brinca.

Cinco décadas depois, viu a chegada de diversas tecnologias, tais como o Telex, a implantação dos computadores pessoais nas redações, a internet, o surgimento dos blogs, das redes sociais. Mais recentemente, os algoritmos e a inteligência artificial passaram a fazer parte do dia a dia de Haski. “Quando comecei minha carreira, não fazia ideia do quando a tecnologia fosse evoluir e modificar a profissão”, afirma ele.

Concentração econômica

Uma das consequências negativas apontadas por Haski e que estão ligadas às mudanças tecnológicas é o aumento da concentração econômica dos meios de comunicação, o que inviabiliza a existência de um sistema de mídia democrático. “A distribuição das notícias está cada vez mais concentrada nas mãos de poucas empresas, mas isso não significa que devemos abrir mão da qualidade em nome da audiência”, afirma.

Ele defende que a sobrevivência dos veículos de comunicação depende de investimentos em conteúdo de qualidade e da construção de uma relação de confiança com o público. Para Haski, é necessário buscar novos modelos de financiamento, como assinaturas e doações, que garantam a independência da mídia e permitam que o jornalismo continue desempenhando seu papel essencial.

Na França, cerca de 20% da população possui algum tipo de assinatura de veículo de comunicação, um percentual que, segundo Haski, ainda é insuficiente para garantir a sustentabilidade dos veículos. Ele ressalta que o engajamento da população é vital para a existência de uma mídia independente e plural.

Haski destaca que a chamada “crise da imprensa” não é recente. Ao longo de seus 50 anos, testemunhou diversas mudanças que ameaçaram a sobrevivência de veículos de comunicação. Uma delas ocorreu na primeira década dos anos 2000, quando a imprensa impressa sofreu grandes perdas financeiras com a diminuição das vendas e assinaturas, e a publicidade migrou para a internet.

Nessa época, Haski atuava como jornalista no Libération, fundado por Jean-Paul Sartre e Serge July e tradicionalmente ligado à esquerda francesa. O Libération foi um dos primeiros a enfrentar a crise que compromete a independência de muitos veículos. Tanto o Libération quanto o Le Monde eram controlados pelos próprios jornalistas, que também eram acionistas das empresas. Porém, com a crise, essas publicações passaram a ser controladas por corporações externas.

A crise no Libération levou à saída de Haski em 2007, momento em que iniciou uma nova experiência como empreendedor, fundando o site Rue89. Esse projeto propunha um modelo de colaboração entre jornalistas, especialistas e internautas, validando os conteúdos de acordo com critérios jornalísticos. “Nossa utopia era trabalhar em conjunto, e não importava se o autor era um jornalista, especialista ou internauta; o que importava era que seu artigo seguisse as regras jornalísticas e éticas”, relembra.

Cosmopolitismo e desinformação

Esse cenário promissor se deteriorou rapidamente com a disseminação de teorias conspiratórias e lobbies ideológicos nos espaços de liberdade da internet. Segundo Haski, a plataforma foi inundada por comentários racistas e antissemitas, e a equipe editorial não soube lidar com esses novos desafios.

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“Era o início do que vivemos hoje: esses espaços de liberdade se tornaram espaços de guerra — guerra de informação, guerra ideológica”, explicou. O jornalista ressaltou o impacto traumático desse período, que desfez a utopia de que a internet seria um lugar de felicidade e liberdade.

Haski lembrou ainda que algo semelhante ocorreu com as redes sociais, que passaram de aliadas, num primeiro momento, a grandes inimigas da informação. Ele lembra que elas foram essenciais para a eclosão da Primavera Árabe em 2011. No entanto, logo depois, com a restituição de governos autoritários, os principais ativistas foram presos. “Um blogueiro egípcio me disse: ‘O Facebook foi nosso grande amigo, mas se tornou nosso pior inimigo'”, relembra Haski.

Para o jornalista, a aceleração tecnológica dos últimos anos não pode comprometer os princípios do jornalismo. Ele defendeu que, mesmo com as profundas transformações na maneira como as informações são produzidas e disseminadas, o papel do jornalista no terreno continua crucial. “O que não deve mudar é o papel do jornalista, que continua tão relevante hoje quanto ontem: sua missão, suas técnicas de verificação da informação, suas regras éticas e deontológicas”, afirmou.

Para ele, o grande desafio do jornalismo nos próximos anos será restaurar a confiança pública, mantendo o equilíbrio entre as inovações tecnológicas e os valores fundamentais da profissão.

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