O que desinformação tem a ver com o aumento dos casos de coqueluche?

Paraná teve aumento de 500% nos casos da doença. E um dos fatores pode ser a internet

Um bebê de seis meses morreu, em Curitiba, vítima de coqueluche em 18 de agosto. A informação foi confirmada nesta semana pela Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa). Esta é a segunda morte no Estado. A outra aconteceu em julho, em Londrina, que também foi o primeiro óbito pela doença em três anos no Brasil.

Uma nota técnica do Sesa apontou aumento de 500% nos casos neste ano, em comparação ao mesmo período epidemiológico de 2023.

A doença atinge principalmente crianças. Dados do Ministério da Saúde apontam que entre 2019 e 2024 52% dos registros da doença atingiram pacientes com menos de um ano de vida. Depois, crianças entre 1 e 4 anos, com 22%.

As crianças apresentam sintomas têm mais chances de entrar em óbito. Isso ocorre, conforme explica a médica Heloisa Ilhe Garcia Giamberardino, coordenadora do Centro de Vacinas do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, porque os sintomas têm longa duração. “Pessoas de todas as faixas etárias podem contrair a coqueluche, mas as crianças menores de 1 ano são mais suscetíveis a desenvolvê-la com graves sintomas”, diz.

O principal deles é a tosse longa, que pode durar semanas. Eventualmente o paciente infectado também apresenta febre, embora seja mais raro.

Prevenção

A coqueluche é uma infecção respiratória infecciosa aguda e muito contagiosa. A transmissão ocorre por meio do contato direto com o doente e pessoas que sejam atingidas por gotículas expelidas.

De acordo com o Ministério da Saúde, a principal forma de prevenção da doença é a vacinação das crianças. A vacina tríplice bacteriana está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). São três doses: aos 2, aos 4 e aos 6 meses de idade. Depois, um reforço aos 15 meses e um aos 4 anos.

Também há recomendação para que gestantes a partir da 20ª semana e puérperas sejam imunizadas para evitar o contágio do recém-nascido. No caso da morte em Curitiba, o bebê já havia sido imunizado com a primeira dose da vacina, conforme a Secretaria Municipal de Saúde, mas a gestante não se vacinou.

Segundo Tony Tannous Tahan, especialista em infectologia pediátrica, que atua no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), alguns fatores podem contribuir para o atraso em massa de esquemas vacinais. Um deles são as “fake news”. “A vacinação em massa tem caráter individual, mas também coletivo. Porque, quando a bactéria da coqueluche encontra indivíduos com menos anticorpos a doença tende a se espalhar. [Durante a pandemia] as coisas ficaram confusas para a população, então é preciso novas campanhas, mais informações, pois a vacina está disponível em todas as unidades de saúde”, diz o médico.

Casos

Apesar de a vacina estar disponível gratuitamente no SUS muita gente deixa de vacinar as crianças. Em Curitiba há 92 casos confirmados da doença neste ano, mas mães, pais e responsáveis podem imunizar as crianças em qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS).

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que “nas crianças, o esquema vacinal é realizado com a vacina pentavalente, que protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e infecções causadas pela bactéria H. influenzae tipo B, com três doses, aplicadas aos 2, 4 e 6 meses de idade. O reforço é aplicado com a vacina DTP, versão do imunizante contra difteria, tétano e coqueluche, aplicada aos 15 meses e outra dose aos 4 anos”.

No Brasil, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado pela Unicef, demonstra que o número de crianças que não recebeu nenhuma dose da vacina DTP1, que imuniza contra a coqueluche, difteria e tétano, caiu de 418 mil em 2022 para 103 mil em 2023.

Em Curitiba a cobertura vacinal da pentavalente está em 85,4%, do primeiro reforço em 83,5% e do segundo em 68,6%, até julho deste ano.

Ainda assim existe uma preocupação dos especialistas para que as pessoas procurem a prevenção e atualizem o esquema vacinal. De acordo com a doutora Isabela Carvalho, da Universidade Paranaense (Unipar), a vacinação impede que as doenças se espalhem ou que tenham sintomas mais graves em caso de infeção.

“Toda e qualquer vacina é um pacto social. As vacinas levam fragmentos do vírus ou bactéria e apresentam às nossas células de defesa. Assim, quando entrarmos em contato com o vírus e/ou bactéria de novo, elas sabem como nos defender, porque já temos anticorpos para isso”, destaca.

Desinformação

O aumento dos casos da doença está ligado à diminuição nos números de vacinação. Um dos fatores que impacta a estatística é a propagação das chamadas “fake news”, ou, no termo correto, desinformação.

Durante a pandemia da Covid-19, cientistas tiveram que desenvolver vacinas muito rapidamente para conter o avanço do vírus. Grupos negacionistas – que já desacreditavam da ciência – tiveram um terreno fértil para propagar desinformações que colocavam em xeque a eficácia não somente da vacina contra o coronavírus, mas todos os imunizantes existentes no mundo.

No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, chegou a defender o uso da ivermectina, medicamento que serve para combater parasitas e vermes e não tem nenhuma ação contra o vírus.

Estudo feito em Itajaí não prova eficácia de ivermectina contra covid-19

O Ministério da Saúde criou uma plataforma chamada “Saúde com Ciência” para ajudar a população a entender o que é mito e o que é verdade sobre as vacinas. “Existe um fator muito importante que é a desinformação, que desde o ano passado, junto com a Secretaria de Comunicação do Governo Federal, nós temos combatido com uma plataforma que é o Saúde com a Ciência, levando os fatos corretos, mostrando o que há de desinformação criminosa, muitas vezes, em relação a algumas vacinas. Então esse, sem dúvida, é um fator importante”, afirmou a ministra Nísia Trindade, durante o programa Bom Dia, Ministra.

O desafio de profissionais de saúde e de comunicação é alertar a população sobre os riscos que a desinformação traz. De acordo com o médico Fábio Argenta, fundador do Saúde Livre Vacinas, é preciso um esforço conjunto. “A desinformação é uma grande ameaça à saúde pública e ao progresso da erradicação de doenças infecciosas. Por isso, cabe a nós profissionais de saúde, governos e imprensa, trabalharmos juntos em prol de levar informações coerentes para a população, assim como enaltecer os benefícios da imunização”.

Ciência

Luiza Saraiva, especialista em Comunicação e Marketing e Joana de Faria, da área da enfermagem, publicaram na revista do Intercom – uma das mais importantes sobre comunicação do país – o artigo “A Ciência e a Mídia: A propagação de Fake News e sua relação com o movimento anti-vacina no Brasil”.  Elas afirmam que em casos de emergências de saúde o número de desinformação cresce. “A ciência, em especial o meio da saúde, está propensa a desinformação através de notícias falsas. Isso deve-se ao principalmente ao fato de que a maioria da população não tem conhecimento quanto aos assuntos difundidos. A propagação das “fake news” aumenta quando se trata de epidemias e doenças graves”, diz um trecho do estudo.

Neste contexto, para a pesquisadora Mariana Borges, mestranda do Programa em Estudos de Linguagens da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a desinformação influencia as decisões das pessoas por diversos motivos. “Ideologia, bolhas sociais – onde a influência de amigos e familiares pode moldar crenças – e fatores emocionais, políticos, culturais, religiosos, e até financeiros. No caso das vacinas, é fundamental ressaltar que nenhum imunizante seria aprovado por órgãos reguladores se causasse doenças. Embora possam ocorrer reações adversas, que são esperadas em alguns casos, as vacinas são desenvolvidas para promover a saúde, não a prejudicar. Isso é um fato comprovado pela ciência”, declara.

De acordo com a pesquisadora, ademais, há dificuldades na identificação das “fake news”, como o uso de inteligência artificial, que melhora a qualidade dos materiais e uma técnica conhecida como “sanduíche”, que é a mistura de mentiras com informações verdadeiras. “Alguns sinais de que um conteúdo pode ser falso incluem números exagerados, autores anônimos, imagens manipuladas, e textos que carregam opiniões ou tentam manipular emoções, fugindo da imparcialidade. Exageros também são fortes indicativos de falsidade, como afirmar que uma vacina poderia transformar alguém em um animal, como um jacaré por exemplo, ou causar doenças graves como câncer”, explica.

A orientação em caso de dúvida sobre uma informação é sempre olhar sites oficiais das secretarias de saúde e Ministério, também veículos jornalísticos diretamente no site. Em casos de saúde, sempre seguir orientação médica e buscar mais informações nas unidades de saúde.

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