“Meu livro é um ‘sincericídio’ da esquerda”, brinca Sabrina Fernandes em meio à mesa Conjuntura pós-política: diálogos de resistência, da qual participou em Curitiba na última segunda-feira (17). Em meio a uma Curitiba que elegeu Bolsonaro com mais de 76% dos votos no segundo turno, parecia improvável que o Teatro da Reitoria fosse ficar quase cheio para receber uma socióloga marxista e ecossocialista, mas aconteceu.
O livro ao qual Sabrina faz referência é Sintomas Mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira (Autonomia Literária). O obra lança um olhar crítico sobre a esquerda, a partir das jornadas de 2013. “É uma análise, é uma discussão e também traz uma panorama de como a esquerda tem se comportado no último período”, salienta Sabrina. O nome faz referência a uma passagem de Cadernos do Cárcere, do italiano Antonio Gramsci, em que as massas vão às ruas, e entre a morte do velho e o nascimento do novo, uma série de “sintomas mórbidos” aparecem.
Doutora em sociologia, com especialização em Economia Política pela Carleton University (Canadá), Sabrina se propõe a fazer uma autocrítica, uma avaliação dos erros e acertos da esquerda até aqui. “A ideia é olhar esses sintomas variados e tentar compor uma imagem de diagnóstico. Por que a esquerda está fragmentada, quais são as raízes dessa fragmentação… E aí sim, tentar pensar uma forma de remédio para isso”, diz.
Crise de representatividade, despolitização, fake news, e falta de engajamento com a realidade de suas bases políticas são apenas alguns dos elementos que já compunham o cenário múltiplo dos protestos em 2013. “A direita conseguiu traçar um caminho a partir disso, que leva ao golpe e à eleição do Bolsonaro. Por que a esquerda acabou se atrapalhando tanto?”, indaga a socióloga a pontuar o livro como uma provocação.
“O governo Bolsonaro tem suas fraquezas, mas a esquerda está muito vulnerável para apresentar uma alternativa”, afirma. Segundo Sabrina, a solução para deixar a vulnerabilidade está no pensar coletivo, no provocar discussões mais amplas ao pensar a própria esquerda brasileira. Nesse quesito, para a pesquisadora, as paixões sem crítica atrasam o debate e acabam enfraquecendo a construção de um verdadeiro projeto político.
Apesar do trabalho acadêmico, Sabrina também é conhecida nas redes. Desde 2017, ela trabalha com um canal do YouTube, hoje conhecido como Tese Onze. A ferramenta funciona, para a pesquisadora, como uma forma de criar pontes e plantar sementinhas – algo que começa com a ocupação do espaço na internet, mas que precisa ir para além, para a realidade. Organização é a palavra-chave: “É na práxis que vai morar a mudança”, diz.
Serviço
Sintomas mórbidos: a encruzilhada da esquerda brasileira
Autonomia Literária
387 págs.
R$ 50