Templos têm 1.246 imóveis isentos de IPTU em Curitiba. E o número vai aumentar

A partir de 2023, igrejas que funcionam em terrenos alugados também deixarão de pagar o imposto. Projeto na Câmara quer estender o direito para imóveis emprestados

Curitiba tem 1.246 imóveis isentos do pagamento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) por pertencerem a instituições religiosas ou filosóficas. O número de isenções vai aumentar em 2023, quando templos que funcionam em imóveis alugados também deixarão de pagar o imposto, e será ainda maior caso a Câmara Municipal de Curitiba aprove um projeto que estende o direito para imóveis emprestados. Além dos impostos municipais, esse tipo de atividade é isento dos tributos estaduais e federais.

Segundo a Secretaria Municipal de Finanças, atualmente a cidade tem 1.012 alvarás expedidos para “Atividades de Organizações Religiosas e Filosóficas”, de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), da Receita Federal. O número de imóveis isentos na cidade é maior que a quantidade de alvarás porque todo o patrimônio pertencente a organizações religiosas, segundo a Secretaria, é livre de impostos. Em audiência pública realizada na semana passada, no entanto, não ficou clara a abrangência da imunidade (leia abaixo).

A isenção para templos em imóveis alugados foi garantida pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 116, promulgada em fevereiro pelo Congresso Nacional. O artigo 150 da Constituição Federal estabelece a isenção para templos religiosos de qualquer culto, mas havia uma dúvida em relação aos imóveis locados e cada município adotava um entendimento, explicou ao Plural o advogado tributarista Diego Lago Taschetto, professor da Faculdade Estácio do Rio de Janeiro. 

Segundo Taschetto, os mais recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema reconheceram o direito em relação a esses templos. A PEC 116 alterou o artigo 156 da Constituição, que trata da competência dos municípios para tributar. “A imunidade sempre existiu nas constituições e funciona como uma espécie de limitação ao poder de tributar. Na prática isso sempre existiu com relação à imunidade dos templos. A ideia dessa imunidade é garantir a liberdade de culto”, disse Taschetto.

Não há como saber quantos imóveis deixarão de ser tributados no próximo ano em Curitiba (ou em qualquer cidade), pois ninguém sabe quantas instituições religiosas funcionam em áreas alugadas. O cálculo de quanto a prefeitura deixa de arrecadar por ano com a isenção do IPTU dependeria do levantamento de cada imóvel e da atualização do valor venal.  

Audiência pública promovida pela Câmara Municipal de Curitiba.

Isenção para comodato

Em audiência pública da Câmara Municipal de Curitiba, no dia 24 de março, representantes da prefeitura, do Corpo de Bombeiros e do Crea (Conselho Regional de Engenharia) tiraram dúvidas de líderes religiosos sobre as isenções. A audiência foi convocada pela vereadora Noêmia Rocha (MDB). Na avaliação do assessor jurídico da vereadora, Jackson Roberto Morais Alves, templos que funcionam em imóveis cedidos no regime de comodato (empréstimo) também têm direito à imunidade.

Um projeto assinado por 11 vereadores e apresentado em 2017 previa a isenção para instituições que funcionam em áreas alugadas (o que foi pacificado pela PEC 116) e também para templos religiosos que funcionam em terrenos emprestados. A ideia, segundo Noêmia Rocha, é apresentar um substitutivo geral, a fim de estender a imunidade para áreas alugadas e regulamentar a matéria. Os proprietários desses imóveis ficariam responsáveis por comunicar a prefeitura caso a área deixe de ser utilizada por uma igreja.

“Estamos reformulado a lei, que tratava de isenção e agora vai tratar de imunidade”, afirmou a vereadora. Ela avalia que, com a entrada em vigor da PEC 116, haverá clima para a Câmara aprovar o projeto. “Quando apresentamos esse projeto eu percebia que estava meio parado. Agora temos uma lei federal. Minha preocupação é com a demora, podemos chegar a 2023 sem uma normativa (para regulamentar as isenções)”.

“O aluguel tem essa leitura de comodato. Entendemos que, enquanto houver o culto, tem a imunidade.”

Noêmia Rocha, vereadora em Curitiba

Jackson Alves lembrou que antes da aprovação da PEC 116 os templos que funcionam em espaços alugados podiam solicitar a isenção do IPTU, o que ficava condicionado à aplicação do dinheiro em práticas religiosas. A partir de 2023, não precisarão prestar contas sobre os recursos economizados com o não pagamento do tributo.

No escuro

A vereadora Noêmia Rocha vai encaminhar à prefeitura um pedido de informações para levantar que tipo de imóveis de instituições religiosas são isentas atualmente na cidade. Durante a audiência da semana passada, ficou a dúvida em relação a espaços que não são utilizados para cultos, como casas utilizadas por pastores, salas de aula e casas paroquiais. “A informação que tivemos é que a Igreja Católica tem isenção nas casas pastorais, mas não teve ninguém que confirmasse”.

Um pastor evangélico arriscou que pelo menos 70% das igrejas da Curitiba não têm alvará, segundo ele por causa do excesso de burocracia. Noêmia Rocha não acredita que o índice seja tão elevado, mas admite que o poder público trabalha no escuro em relação ao tema, já que muitos templos foram construídos antes da atualização do Plano Diretor de Curitiba e não conseguiram se adequar às normas. “Buscamos aproximar a prefeitura dos templos. Muitos construíram uma cantina, por exemplo, que não estava contemplada no projeto. Isso é cultural”.

O Plano Diretor, que estabelece parâmetros para as construções na cidade, virou alvo dos religiosos durante a audiência da Câmara. Para eles, ao limitar a altura dos templos em determinadas regiões da cidade ou exigir áreas verdes ou de recuo, a prefeitura estaria interferindo na liberdade de culto. “Não somos empresas”, reclamou um pastor.

Luciana de Paula, diretora do Cosedi (Departamento de Controle de Edificações) da prefeitura, recordou que adequações e regularizações devem ser solicitadas ao Conselho Municipal de Urbanismo. Segundo ela, as regras da Lei de Zoneamento estão mais flexíveis em relação às áreas em que templos podem ser construídos. “Procurem um profissional competente, que entenda da legislação de Curitiba. Muitas vezes os profissionais não estão acostumados com a burocracia e a legislação de Curitiba”.

O religiosos também criticaram o rigor do Corpo de Bombeiros para liberar os alvarás e até o pagamento da taxa de lixo (e foram lembrados que a taxa não é um imposto). O tenente-coronel Fernando Ferreira Machado, do Corpo de Bombeiros, lembrou que as igrejas são isentas da taxa para vistoria e que templos com capacidade para até 100 pessoas podem obter o licenciamento simplificado — os estabelecimentos devem ter pelo menos extintor de incêndio, placas de saídas de emergência e iluminação de emergência.

Discussão sobre a imunidade

Ricardo Campelo, advogado especialista em Direito Empresarial Tributário, concorda que a PEC 116 pacificou um tema que gerava dúvidas e interpretações diferentes no país, mas avalia que a sociedade poderia rediscutir as isenções tributárias para determinados tipos de templos.

“Entende-se que a PEC 116 veio para legitimar a isenção, mas poderia ter sido uma proposta em sentido contrário. Se o imóvel está sendo usado para gerar renda, não acho que tenha um direito à isenção tão claro a partir de agora.”

Ricardo Campelo, advogado especialista em Direito Empresarial Tributário.

Para Campelo, o fato de algumas igrejas terem um alto faturamento poderia levar a uma discussão mais ampla no país. “A intenção era evitar perseguições religiosas e garantir isonomia. Mas se pensarmos hoje, com a mercantilização de muitas instituições religiosas, é uma discussão que a sociedade poderia fazer. Temos visto muitas igrejas virando empresas, sem qualquer ameaça de tratamento desigual. Faz sentido estender essa imunidade enquanto os pequenos empresários pagam seus impostos?”, questionou.

Professora da Unila (Universidade de Integração da América Latina), a engenheira civil Gisele Suhett Helmer recorreu ao Senado contra a imunidade tributária de templos religiosos. Ela apresentou uma Ideia Legislativa (instrumento que permite a qualquer cidadão sugerir uma proposta que pode ou não virar um projeto) em 2015 e obteve 20.134 apoios. A proposta está parada na Comissão de Direitos Humanos no Senado.

“Não gosto da ideia de classes privilegiadas e acredito que as igrejas são hoje uma classe privilegiada. É justamente porque certas classes privilegiadas não pagam impostos que os mais pobres pagam mais.”

Gisele Helmer, engenheira e professora universitária

Um dos senadores designados para relatar a proposta foi o pastor Magno Malta (ES), que deixou o Senado em 2019. “Outra pessoa tinha feito uma proposta similar, mas não conseguiu as 20 mil assinaturas mínimas necessárias. Em menos de uma semana nós conseguimos”, contou Gisele Helmer. “Desde o começo a proposta está parada. O primeiro relator foi o Randolfe Rodrigues (Rede-AP), mas logo abandonou. Depois veio o Magna Malta e sentou em cima. Disseram que fizeram audiências públicas, mas teve uma em Vitória (ES) e eu nem fui chamada. Fui criada na Igreja Batista, todo mundo me conhecia e eu morava a 10 minutos do local”.

Calote e perdão

Templos religiosos são isentos de tributos, mas não de contribuições previdenciárias. Afinal, elas têm funcionários. Não foi o entendimento do Congresso Nacional em março do ano passado, quando a Câmara dos Deputados e o Senado perdoaram uma dívida de R$ 1,9 bilhão de igrejas de todo o país. Os débitos estavam inscritos na Dívida Ativa da União e foram apurados na época pelo Estadão.

Segundo a planilha a que o jornal teve acesso, algumas igrejas deixaram de repassar à União até a contribuição previdenciária e o Imposto de Renda descontados do salário de seus funcionários. De acordo com o Estadão, R$ 1 bilhão devidos correspondiam a débitos previdenciários não especificados (que podem ser a parcela devida pelo empregador ou a parte recolhida do empregado); R$ 208 milhões a contribuições patronais não pagas; e R$ 4 milhões a valores que foram descontados da remuneração dos empregados, mas não repassados ao INSS.

Esse tipo de crime configura apropriação indébita, com previsão de dois e a cinco anos de prisão, além de multa, mas 439 deputados e 73 senadores decidiram que as igrejas não precisavam pagar o que devem. A anistia ao calote bilionário dos templos havia sido vetada pelo presidente Jair Bolsonaro após alertas da equipe econômica do governo, mas o veto foi derrubado com amplo apoio da base bolsonarista, entre ela a bancada evangélica. A mesma base que aprovou a reforma da Previdência porque ela estaria quebrada.

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2 comentários em “Templos têm 1.246 imóveis isentos de IPTU em Curitiba. E o número vai aumentar”

  1. Armando PETRELLI Coelho

    Pobre Curitiba!! A “cidade modelo”…modelo de incoerência…modelo de falta de respeito….
    Uma Assembleia que faz jus ao que se permeia….racista,homofóbica ….

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