Jogue como as Meninas da Vila

No Barreirinha, mulheres se unem para fortalecer o protagonismo feminino no futebol

A vila de Santa Efigênia, na zona norte de Curitiba, se tornou testemunha de um movimento crescente na Praça Julius Forrer: as Meninas da Vila. O coletivo, criado em junho deste ano, reúne mais de 80 mulheres para praticar o esporte mais popular do mundo. Em um momento de destaque das mulheres no futebol, elas buscam o bem-estar comunitário no meio do campo. 

O grupo dribla as diferenças e promove empoderamento e interação social por meio da ocupação dos espaços públicos da comunidade. Coletivamente, prevalece o consenso de que os principais objetivos são a prática de atividades físicas para melhorar a qualidade de vida e a socialização. A competição, embora presente, fica em segundo plano, ofuscada pela sensação de descontração e pertencimento.

Organizadoras do projeto. Foto: Eric Rodrigues

O pontapé inicial aconteceu em julho, logo após a reforma da praça. Bruna Oliveira, 33, tomou a frente e criou um grupo no WhatsApp com algumas conhecidas. O grupo foi aberto para a inclusão de outras mulheres, e logo mais participantes se juntaram. Na mesma época, elas organizaram uma vaquinha para comprar coletes e bolas, e fizeram uma votação para escolher os dias e horários dos encontros: quintas-feiras, às 20h, e sábados, às 16h. O plano se tornou realidade.

“Criamos o grupo para jogar nosso futebol. Amo jogar. Meu pai sempre me levou aos estádios… Um dia, assisti a um jogo do Paraná Clube (masculino), que começou com uma partida do feminino. A partir daquele momento, algo tocou em mim e mostrou que eu também poderia. Nunca mais parei. Mesmo assim, era muito difícil conseguir me envolver, porque sempre jogava com meninos. Não havia meninas. Hoje, é gratificante estar num grupo formado só por mulheres. É um momento especial. Percebemos que não é só futebol… é algo muito maior, que envolve parceria e amizade dentro e fora do campo”, diz Bruna.

Disputa intensa no meio-campo. Foto: Eric Rodrigues

O perfil das participantes das Meninas da Vila é plural: há iniciantes e experientes, jovens de 11 anos e adultas de 50. No meio dessa massa de chuteiras, pernas aquecendo e conversas sobre o cotidiano, uma penteia o cabelo da outra até prender com força atrás da cabeça. Depois, estão prontas para correr, marcar e chutar. Em um dos times, Tere Santos, 43, e Heloisa Raquel, 16, formam na escalação. A mãe é titular, enquanto a filha entra no meio da partida.

Tere calça chuteiras desde os 19 anos e já disputou diversos campeonatos. Entrou no mundo da bola por incentivo do marido, presidente e fundador do Anjo Dourado, clube amador de Curitiba formado em 1997. Animou e criou o elenco feminino com as mulheres da família no mesmo ano — o elenco bicampeão da Taça das Favelas. Desde então, só parou quando precisou cuidar das duas gestações. Apesar do intenso envolvimento, ser jogadora profissional nunca esteve nos seus planos; prefere encarar o esporte como um momento de lazer.

Heloisa pegou as referências em casa, mas demorou a tomar gosto. Tinha receio de se machucar. As coisas mudaram quando começou a acompanhar o futebol feminino do clube dos pais, onde encontrou um ambiente seguro. As idas frequentes à Praça Julius Forrer tornaram a jovem mais ativa, graças à insistência da mãe. Torcedora do Athletico Paranaense, cogita sonhar em viver do esporte. O apoio de toda a família ela tem.

Através das Meninas da Vila, mãe e filha entraram juntas em campo pela primeira vez. Tere se considera uma autoridade no jogo, sempre puxando a orelha da filha sobre o sistema de marcação e cobrando treinamento. Ela não esconde a felicidade pela companhia. Heloisa vê na mãe um exemplo a ser seguido; para ela, sua genitora é uma baita atleta, daquelas que muito ensinam sobre o universo da bola.

Tere e Heloisa: mãe e filha entram juntas em campo. Foto: Eric Rodrigues

O campo que uniu a família fica numa praça ao lado da Escola Municipal Julia Amaral di Lenna, na Rua Oswaldo Novaes, 29. É um lugar amplo, com uma quadra de futsal e tabelas para basquete em cima dos dois gols. Hoje, o entorno é tranquilo e familiar. A revitalização recente cresceu o movimento na cancha, e a divisão dos novos gramados sintéticos se tornou uma novela nas manhãs de sábado, levando à necessidade de um acordo verbal sobre os dias e turnos de cada grupo. No fim, tudo deu certo.

Algumas garotas frequentavam outras quadras particulares, porém em grupos menores. Assim que a reforma foi concluída, perceberam a importância de ocupar a praça e incentivar a participação de outras mulheres nas atividades. Há, inclusive, um pensamento sobre o uso consciente do bem público, seja na utilização de chuteiras adequadas para preservar o gramado, na manutenção da limpeza e no descarte correto de resíduos.

Aquecimento das atletas no pré-jogo. Foto: Eric Rodrigues

Quatro meses após o início do projeto, o coletivo decidiu promover um evento para exaltar a união do grupo. Na mesma praça de sempre, elas realizaram o primeiro torneio na tarde do último domingo (20). Praticamente todas as mulheres estavam presentes, formando cinco equipes e mais de 60 atletas ao todo. 

Com a casa cheia e a torcida em peso, todas as jogadoras entraram nos campos às 14h ao som da música ‘Jogadeira’ da Cacau Fernandes. A letra fala sobre uma mulher que enfrentou preconceitos no futebol, mas venceu as barreiras com a bola no pé. O apito do juiz deu início às pelejas das equipes, e a festa seguiu firme até o fim da tarde.

As organizadoras definiram o evento como uma celebração da amizade proporcionada pelo futebol, convidando mais mulheres a participarem desse movimento. Com a perspectiva de novos encontros, estão previstos mais eventos e torneios para aumentar ainda mais a participação feminina no esporte e fomentar redes de apoio.

“Foi incrível ver algo que surgiu de nós, com o apoio de toda essa meninada. É emocionante como isso fez a diferença para o nosso bairro e para o esporte. E eu vejo que não é só na Barreirinha… há muitas jogando por aí. É só dar um incentivo. As mulheres querem ocupar o espaço, e é só deixar a gente jogar”, disse Josiane Liz, 46, uma das porta-vozes das Meninas da Vila.

Confira as fotos das equipes:

Foto: Eric Rodrigues
Foto: Eric Rodrigues
Foto: Eric Rodrigues
Foto: Eric Rodrigues
Foto: Eric Rodrigues

Este texto faz parte do projeto Periferias Plurais, em que o Plural convida jovens de Curitiba e região para falar de suas vidas e de suas comunidades. O projeto tem apoio do escritório de advocacia Gasam.

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