Não, Maria Letícia não é vítima de injustiça

Talvez, se fosse um homem e da base do governo Greca a vereadora escapasse da cassação. Mas o fato é que ela realmente cometeu um erro grave

É refrão constante nas redes sociais e na caixa de comentários das reportagens do Plural que a vereadora Maria Letícia, do PV, não estaria enfrentando um julgamento político e moral por ter se envolvido em um acidente de trânsito em novembro do ano passado se fosse homem. A parlamentar é alvo de um processo na Comissão de Ética da Câmara e pode até perder mandato.

De fato, qualquer julgamento da Comissão de Ética da Câmara de Curitiba é político. É da natureza da Comissão, que é composta por parlamentares e dedicada a processar outros parlamentares.

A Casa inclusive tem aprimorado nos últimos anos o uso do Regimento interno e de processos por quebra de decoro para alimentar disputas ideológicas dentro do Parlamento. É isso que explica o fato de nem João Claudio Derosso – ex-presidente da Casa condenado por desvio de verbas públicas – nem de Fabiane Rosa – ex-vereadora de Curitiba condenada pela prática de “rachadinha” – terem perdido seus mandatos dessa forma.

O problema, porém, é que para ser alvo da Comissão de Ética é preciso dar razão para isso. E Maria Letícia deu razão para tanto. Ela, uma mulher adulta e com sólida formação acadêmica, se permitiu sentar atrás do volante e dirigir mesmo estando incapacitada para tanto. Ela mesma não nega isso. No entanto, enquanto a Polícia Militar e a Polícia Civil dizem que ela estava alcoolizada, a vereadora alega que estava sob influência de medicação.

Independente da razão, o fato é que ninguém deveria dirigir quando incapacitado. Dirigir não é um direito, é um privilégio. Um privilégio que pode ser rescindido. Além disso, a violência no trânsito – boa parte dela patrocinada pelo uso de álcool, drogas e outras formas de incapacitação – é a principal causa de morte externa no país, e uma das principais causas de mutilações graves.

Decidir dirigir enquanto incapacitado é uma irresponsabilidade grave. Mais ainda quando estamos falando não de um jovem ainda inexperiente e tolo, mas de uma mulher adulta, uma médica, uma parlamentar. Alguém perfeitamente capaz e em condições de pegar um Uber, pedir carona ou encontrar outra maneira de ir para casa sem colocar ninguém em risco. Maria Letícia teve a sorte ter se envolvido em um acidente só com danos materiais, sem vítimas. Mas ela assumiu o risco de dirigir sem ter condições para tanto e isso é grave.

Mais grave ainda que muita gente se sinta tentado a relevar esse comportamento. É esse tipo de postura que faz outras dezenas de pessoas a se comportarem da mesma forma, o que mantém o nível intolerável de violência no trânsito que temos hoje.

Então, sim, a vereadora é alvo de um processo político. Porém, não é um processo injusto. Ela cometeu um erro grave e está sofrendo as consequências. Pode parecer duro porque nós vivemos em uma sociedade em que nem sempre erros graves são punidos. Mas como diria vovó, dois errados não fazem um certo.

É uma tragédia que um erro de conduta tenha manchado a importante atuação da vereadora na Câmara, especialmente o trabalho dela na promoção dos direitos das mulheres e no combate à violência de gênero. Mas é uma tragédia causada por uma decisão pessoal equivocada. Mesmo sem cassação, o dano foi feito, a capacidade de ação da parlamentar foi prejudicada. Mas não é preciso ampliar o dano tentando usar a atuação política e feminista da vereadora como escudo contra as acusações. Nem a história de Maria Letícia, nem as causas que ela defendem merecem isso.

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