Sob Ratinho, Paraná passa a ter mais professores temporários do que concursados

Ratinho assumiu gestão com 30% de temporários e em 2023 índice já era de 42%

O Paraná já tem mais da metade do seu quadro de professores da Educação Básica na rede de ensino estadual ocupada por professores temporários, mostra um estudo divulgado no mês passado pela organização Todos Pela Educação, com base em dados coletados pelo MEC e pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) desde 2020. O levantamento mostra que, no ano passado, 51% dos professores no estado eram temporários, 48% efetivos e 1% contratados via CLT.

A principal lógica por trás desse tipo de contratação pode ser econômica: na maioria dos estados que adotam o PSS (Processo Seletivo Simplificado), os salários dos temporários é menor que o dos efetivos. No Paraná, o salário por hora do efetivo é de R$ 21,7, enquanto o dos temporários é quase três vezes menor, de R$ 7,7. A maior diferença foi registrada em Roraima, de R$ 31,5 para R$ 6,6, mas há estados em que os temporários chegam a ganhar mais, casos de Pernambuco e Mato Grosso do Sul.

Por outro lado, o aumento das contratações sem vínculo pode levar a uma queda na qualidade de ensino, em função dos processos de seleção e do grau de escolaridade. Segundo o levantamento, os professores temporários têm uma escolaridade menor que os servidores das redes estaduais. Em 2020, 98,8% dos efetivos possuíam curso superior em todo o país, índice que cai para 93,5% entre os contratados por meio de processos simplificados. Já os que têm especialização, mestrado ou doutorado eram 56,7% entre os efetivos e 40,5% entre os temporários.

Isso significa que os estados não atingiram a meta 16 do Plano Nacional de Educação (PNE), que determinava que, até este ano, 50% dos professores da Educação Básica tivessem ao menos uma Pós-graduação em todo o país. A meta é alcançada no quadro de efetivos, mas não no de temporários: atualmente, a média geral do Brasil é de 49,9% dos docentes com Pós-graduação.

Notas mais baixas

A queda no nível de aprendizagem pode ser atestada por uma análise dos dados coletados por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), um conjunto de análises utilizado pelo Inep para diagnosticar a educação básica e fatores que podem interferir no desempenho dos estudantes. De acordo com o Todos Pela Educação, há uma “correlação negativa entre o regime de contratação temporária e a aprendizagem dos estudantes”, com um resultado negativo no desempenho dos alunos nas provas de Língua Portuguesa e Matemática aplicadas pelo Inep em todos o país.

O estudo levou em conta notas coletadas com a aplicação da prova do Saeb entre 2015 e 2021 nas duas disciplinas. Em 2019, quando o sistema de ensino ainda não havia sido impactado pela pandemia da Covid-19, alunos que tiveram professores temporários no 9º ano apresentaram notas em média 3,1 pontos menores em Matemática do que os demais. Em Língua Portuguesa, as notas médias foram 3,3 pontos inferiores.

A mesma queda foi registrada no Ensino Médio no período analisado, com exceção de 2015, quando praticamente não houve diferenças. Em 2019, alunos de temporários tiveram uma nota média 5,5 pontos menor em Matemática e 5,6 pontos menor em Língua Portuguesa do que os estudantes que tiveram aulas com efetivos.

Para o Todos Pela Educação, as notas mais baixas podem estar relacionadas a dois fatores: a alta rotatividade dos professores temporários e a forma de seleção, que não passa por concurso público. O modelo de contratação é considerado precarizado e na maioria das vezes os profissionais são selecionados para atuar por dois anos, sem a certeza de que terão seus contratos renovados. Na maioria dos estados, é comum eles mudarem o local de trabalho, o que prejudica o vínculo com a escola e impacta no processo de aprendizagem, ou trabalharem em mais um estabelecimento para complementar a carga horária.

Além de o salário ser menor em vários estados, como é o caso do Paraná, esse tipo de contratação não garante direitos trabalhistas, como férias remuneradas e 13º salário, e não prevê uma formação continuada, como há entre os servidores efetivos.

Já os processos seletivos, na análise do Todos Pela Educação, são frágeis por levarem em conta apenas os cursos (graduação, especialização, mestrado, doutorado) feitos pelos candidatos e a experiência profissional prévia dos docentes (e, mesmo priorizando a titulação, na prática as seleções acabam levando à formação de quadros com um grau de escolaridade menor). Provas teóricas e práticas são pouco frequentes e muitos processos de seleção não levam em conta critérios de ações afirmativas. Segundo o estudo, ao priorizar os anos de experiência, as seleções beneficiam os professores mais experientes, mas não avaliam a prática e o conhecimento pedagógico.

Em nove redes estaduais, entre elas o Paraná, os contratos temporários são válidos por apenas 24 meses, o que obriga os docentes a passarem por uma nova seleção a cada dois anos – e em muitos casos eles não são remunerados no intervalo entre os contratos. Contratos mais longos, avalia o Todo Pela Educação, ajudariam a dar mais estabilidade aos profissionais, que poderiam passar por avaliações de desempenho anuais.

Opção pelo PSS

O número de temporários, contratados via PSS, aumentou na rede estadual nos últimos dez anos, durante as gestões dos governadores Beto Richa (PSDB) e Ratinho Júnior (PSD), mostra o estudo. Entre 2013 e 2023, o Paraná reduziu em 28% o quadro de professores próprios da rede estadual, com 8.811 profissionais a menos, segundo os dados do Inep; já o número de temporários cresceu 15%, com a contratação de 3.166 trabalhadores.

Levantamento feito pela APP-Sindicato, que representa os professores estaduais no Paraná, com base em números divulgados pela Secretaria de Estado da Educação no portal “SEED em Números”, indica que, dos 65.391 professores da rede estadual de ensino que atuavam em maio de 2023, 42% haviam sido admitidos por meio do PSS. Foi o maior percentual registrado desde 2003.

Em 2019, primeiro ano da gestão de Ratinho Júnior, o percentual era de 30%, índice que subiu para 32% em 2020 e foi mantido no ano seguinte. Em 2022, subiu para 38% e chegou a 42% no ano passado. Em 2023, segundo a APP-Sindicato, o número de concursados era de 37.938 (o menor da história), e o de contratados via PSS, de 27.452. Neste ano, de acordo com o levantamento do Todos Pela Educação, passou pela primeira vez o número de docentes efetivos.

“Quando o professor PSS estabelece o seu método de trabalho, começa a compreender melhor aquela comunidade. No ano seguinte, por ele ser temporário, não consegue mais retornar. Ele já vai para uma outra escola. É um prejuízo pedagógico muito grande”, diz o professor PSS Élio da Silva, Secretário de Finanças do sindicato. Ele lembra ainda que as condições de trabalho são piores para os contratados por meio do PSS, pois não há perspectiva de carreira e o governo não oferece atendimento de assistência à saúde dos temporários, como é assegurado aos concursados.

O movimento Todos Pela Educação destaca que a contratação por meio do PSS pode ser positiva por garantir um quadro completo de docentes, já que o processo seletivo é mais ágil e a contratação é facilitada, e oferece uma maior flexibilidade ao gestor. O processo, no entanto, estaria sendo usado de forma indiscriminada. “Em um cenário em que mais da metade dos professores são temporários, os impactos negativos na qualidade da Educação podem ser muitos”, diz o estudo. “É importante que essa discussão não seja pautada por uma narrativa de culpabilização do professor, mas sim direcionada para a baixa profissionalização desse regime de contratação e as atuais políticas públicas de seleção, alocação, remuneração e formação desses profissionais, que revelam uma baixa valorização dos docentes”, conclui o levantamento.

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